1) Como é já do domínio público, o jornalista e director do Hoje Macau, Carlos Morais José, anunciou que iria concorrer à Assembleia Legislativa na lista do Observatório Cívico, que será como tudo indica encabeçada pela professora universitária Agnes Lam. Num editorial da última segunda-feira, dia em que assumiu a candidatura, CMJ expressou a sua intenção de continuar no cargo de director do jornal de que também é proprietário, considerando o “proforma” de suspender o cargo em nome da independência uma “hipocrisia”. O director justifica-se alegando que suspender a direcção de um media que no fim de contas é seu, em nada contribui para que se elimine qualquer suspeita de falta de isenção. Quer dizer, o jornal é dele, bem como a última palavra na eventualidade de qualquer disputa relacionada com a sua orientação editorial ou conflito com entidades externas. Que diferença faz se assume ou não a direcção?
Contudo há quem não pense assim, e a Associação de Imprensa em Inglês e Português de Macau (AIPIM) veio dizer de sua justiça no dia seguinte. A AIPIM congratulou a decisão de CMJ em candidatar-se, e depois disso sacou da moca, entendendo que “seria ética e deontologicamente mais adequado que o director suspendesse a sua actividade durante o período da campanha eleitoral”. Ooops! Lá está a sacrossanta deontologia a ser chamada para o caso. Com isto da deontologia não se brinca, apesar de muitos jornalistas ainda pensarem que se trata de uma coisa dos dentistas (Deontologia…odontologia. Perceberam a piada? Genial, não é?).
Apesar do comunicado da AIPIM (que soa a um legume brasileiro no idioma tupi) se revestir de mera recomendação, o facto de CMJ insistir em manter-se na frente do jornal de que é proprietário caíu mal, e a atitude mereceu reprovação nas redes sociais em língua chinesa (?), que condenaram a persistência do jornalista em manter a “incompatibilidade”. Em vez de emendar a mão e abandonar a direcção do Hoje, CMJ preferiu retirar a candidatura, temendo que a hesitação fosse utilizada para denegrir a lista durante a campanha, com prejuízo para a sua número um. A AIPIM reagiu dizendo que apenas actuou de acordo com as regras, sem olhar a nomes ou a situações excepcionais, e eu acredito. O que veio partir a loiça foi a reacção negativa que a decisão de CMJ teve na opinião pública. Surpreende-me que a massa crítica local tenha estado atenta a uma controvérsia “portuguesa”. Não é nada habitual.
Tenho pena que Carlos Morais José tenha desistido da candidatura. É público que sou seu fã, e venho seguindo o seu trabalho desde que cheguei ao território em 1993. Tenho a certeza que na remota possibilidade de ser eleito deputado elevaria a media do QI na Assembleia Legislativa – o que não seria muito difícil, falando a sério. Contudo a sua presença na lista do Observatório Cívico, mesmo debaixo do fogo das críticas, não teria influência no resultado da lista: dificilmente Agnes Lam será eleita, com ou sem um nome português, polémicas à parte. Os apoiantes de Agnes Lam não deixariam de lhe confiar o voto por causa de uma ninharia destas, e nem a retirada da candidatura do jornalista português terá mais ou menos influência no resultado do próximo dia 15. Atrevemo-me mesmo a duvidar que a presença de CMJ nesta lista atrairia um número significativo de eleitores portugueses ou de origem portuguesa. Talvez fizesse alguma diferença se a eleição de Agnes Lam estivesse à partida garantida e CMJ fosse o seu nº 2. Penso que nunca ficaramos a saber, portanto.
O que mais me surpreende é a rápida reacção das redes sociais indígenas, e o repúdio pela possibilidade de existir “falta de isenção” do candidato português de uma lista que, vendo bem, não é sequer uma das mais “lobbyistas” que se apresentam a sufrágio em Setembro. Não entendo como a intelligenzia chinesa se agita tanto perante uma situação deste tipo mas permanece apática e amorfa perante outras mais gritantes e até surrealistas que se passam no território a um ritmo quase alucinante. Não coloco de parte a hipótese de existir ali o dedo de alguém com uma agenda bem definida contra as listas de matriz “democrática”, que se demarcam das forças tradicionais, fora da esfera dos interesses económicos e empresariais. As eleições em Macau requerem uma “matreirice”, e não faltam profissionais do “chico-espertismo” a minar o campo de batalha eleitoral. O Observatório Cívico foi apenas a primeira vítima, e nem foi dado ainda o tiro de partida. Um aviso para os restantes desafiadores do sistema.
2) Angela Leong apresentou ontem a sua candidatura, o que aconteceria mais cedo ou mais tarde. A quarta mulher do magnata da Sociedade de Jogos de Macau, Stanley Ho (que para todos os efeitos é viúvo e só casou uma vez) tem o forte apoio dos trabalhadores da indústria do jogo, e só um descalabro evitará que seja reconduzida num terceiro mandato – a empresária faz questão de garantir que os empregados da sua empresa votam nela, e não disfarça sequer o uso de métodos semi-coercivos para ter certeza que o fazem. Mas Angela Leong quer ir mais longe, e desta vez apelou ao voto dos eleitores portugueses e macaenses, lembrando “o que Stanley Ho fez por eles ao longo de todos estes anos”. Como português e como eleitor recenseado tanto em Macau como em Portugal, vou-me lembrar disso da próxima vez que votar nas eleições legislativas em Portugal. Só não acredito é que a senhora se candidate…
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