sexta-feira, 14 de junho de 2013

Cérebros pelo ralo abaixo


Mais uma sexta-feira, mais um artigo da edição de quinta-feira do Hoje Macau.

A falta de quadros especializados que satisfaça as necessidades actuais da RAEM é um assunto que está na ordem do dia. A recente polémica empolada pela eventualidade de estudantes da China continental que frequentam instituições de ensino do território poderem vir aqui exercer uma profissão na sua área de especialização foi mal recebida por alguns, temendo que estes venham a competir com os locais no mercado de trabalho, levando a um eventual aumento do desemprego entre os residentes de Macau. Se estamos aqui a falar de “quadros especializados”, esta é uma pescadinha de rabo na boca; não se pode recrutar quadros de for a porque estes vão ocupar as vagas dos locais, e estes não são em número suficiente para suprimir as carências. O que parece ser um simples braço-de-ferro com vantagens em termos de agenda política para alguns, pode ter a médio ou longo prazo efeitos nocivos para uma região que atravessa um rápido período de desenvolvimento acompanhado de um exponencial crescimento populacional. Há coisas com que á coisas com que é melhor não brincar.

Mas este é o cerne da questão: a especialização. Se os tais estudantes da China continental estudam nos mesmos cursos das mesmas universidades que os estudantes locais, fazendo as mesmas cadeiras, realizando os mesmos exames e obtendo os mesmos créditos, o que os torna tão especiais? Terão eles super-poderes que os permitam apreender melhor a matéria e, mais importante, colocar os conhecimentos adquiridos em prática? Se em Macau falta profissionais de saúde e não existe uma faculdade de Medicina (com excepção da obscura escola de medicina chinesa da MUST), não é com estudantes do continente que aqui concluíram os estudos que vamos preencher essa lacuna. Faria mais sentido recrutar profissionais, do continente ou de outra origem, com experiência e provas dadas. A eventual integração destes estudantes na origem da controvérsia terá outra finalidade que não a de responder às exigências do mercado. Mas isso são contas de outro rosário.

E porque nos faltam então quadros especializados? O problema é de base e há muito que foi identificado. Vivemos numa cidade onde o sistema de ensino é abaixo de sofrível, apesar da boa vontade e dos apoios governamentais, onde os jovens não adquirem hábitos de leitura e a falta de cultura geral é endémica. Vigora uma mentalidade orientada para o lucro e tudo o que não dá dinheiro “não interessa”. Recompensa-se a batota – não fosse Macau o paraíso do jogo – e elogia-se o chico-espertismo mais elementar. Um aluno que queime as pestanas a noite inteira a estudar para um exame e tire boa nota é “aplicado”. Outro que por becos e travessas obtenha o enunciado no dia antes é “vivaço”, e se calhar “vai longe”, porque “sabe-a toda”. E ao dizer isto convém puxar a pálpebra inferior e exclamar “ó, ele é de Olhão e joga no Boavista”. A instituição de ensino mais credível por estas bandas ainda é a escola da vida. Tiram-se cursos superiores “a martelo”, quando não se compram pura e simplesmente, e para muitos um diploma não é mais que a chave que abre a porta a um emprego bem remunerado. Isto até não é grave se as funções que se desempenham não requerem conhecimentos que se podem adquirir com um simples curso secundário, mas certamente ninguém gostaria de confiar a saúde a um medico licenciado na Universidade da Candonga.

E como pensa o Governo resolver este imbroglio? Uma das propostas em cima da mesa é a criação de um conjunto de incentives que leve de regresso ao território residentes que optaram por trabalhar nos países onde obtiveram as suas qualificações. Brilhante ideia, mas tardia e difícil de concretizar. Alguns destes países, nomeadamente o Reino Unido, aproveitam os estudantes ultramarinos mais qualificados oferecendo-lhes condições que não encotram em Macau. E é assim que se vai dando o tal “brain drain”, ou numa tradução literária, a “fuga dos cérebros”, Que motivação terá um neuro-cirurgião, um arquitecto paisagista, um designer de interiores ou um cientista em regressar a Macau quando pode usufruír de uma qualidade de vida e uma oportunidade de carreira noutro país onde a sua profissão é levada a sério? Alguns destes “cérebros” com mais amor à camisola ainda regressam depois de terminar os seus cursos de modo a apalpar terreno, mas cedo são acometidos de enxaquecas e resolvem dar meia-volta. Os que optam por ficar ou são muito crentes, ou não são grande coisa. Se no presente ainda é possível resolver alguns dos problemas atirando-lhes com o dinheiro dos casinos, o futuro é uma incognita. Qualquer dia acabamos como aqueles mortos-vivos das sessões da meia-noite: “Brains! I want brains!”



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