A capa do Ponto Final de hoje. Genial!
A Secretária para Administração e Justiça Florinda Chan não será mais arguida no “caso das campas”, decidiu o Tribunal de Ultima Instância (TUI) durante o debate instrutório realizado ontem. O TUI não encontra provas qualquer ligação entre a Secretária e a atribuição alegadamente ilícita de dez campas definitivas no Cemitério de S. Miguel em 2001, denunciada como um caso de abuso de poder no exercício das funções. O actual president do IACM, Raymond Tam, e o seu número dois, Lei Wai Nong, são agora os únicos arguidos no processo. Um desfecho que não constitui surpresa, uma vez que praticamente ninguém duvidava que Florinda Chan fosse julgada pelas acusações que lhe eram imputadas. Mais uma vez foi “o outro menino”.
Este lamentável caso veio à luz do dia há dois anos, quando a advogada Paulina Santos denunciou a concessão irregular de dez campas no maior e mais conhecido cemitério de Macau, depois de ter visto recusada a concessão de uma campa permanente para o seu recém-falecido irmão – para quem não sabe, Paulina Santos é irmã do também advogado e deputado à AL, Leonel Alves. Depois da notícia ter saído na imprensa, Florinda Chan negou que uma das campas atribuídas fosse a do seu pai, um rumor que chegou a circular. De tudo o que tem vindo a público nesta bronca, essa é a “one million dollar question”: afinal quem são os requerentes das tais campas permanentes? Será que algum dia ficaremos a saber? Será producente para o desfecho do processo que se fique a saber?
Cherchez la femme.
Quem aproveitou para retirar dividendos do caso foi o deputado José Pereira Coutinho, que praticamente desde a chegada da Secretária ao seu posto em finais de 1999 lhe tem feito uma guerra sem quartel, assumindo-se como um dos seus maiores críticos. Quem os conhece a ambos é familiar com o facto de terem sido colegas na Direcção de Serviços de Economia, onde o agora deputado e presidente da ATFPM desempenhava funções de fiscal. A animosidade revelada agora numa esfera mais mediática terá laivos de “ajuste de contas”. Um jornalista d’O Clarim publicou em 2011 uma reportagem sobre o caso, tendo sido advertido e levando o semanário da Igreja Católica a demarcar-se da polémica e chegado mesmo a mudar a sua orientação editorial, relembrando a sua natureza eclesiástica. Falou-se então de censura. Começava a ficar feio, e apesar da tentativa de se abafarem os factos, parecia ter-se chegado ao ponto do não retorno. Tinhamos material para intervenção judicial.
Em suma, um processo que tem todos os ingredientes de novela das oito: vingança, ajuste de contas e lavagem de roupa suja em público. Com a excepção deste terceiro, julgo mesmo que tivemos telenovelas com estes títulos. Raymond Tam, que exercia desde 2007 as funções de presidente do IACM em substituição de Lau Sio Io, que foi para o lugar do malogrado Ao Man Long na Secretaria para as Obras Públicas, foi agora suspenso por 90 dias. Ainda o mês passado demitiu-se da Comissão Eleitoral por “motivos pessoais”. Motivos a que não serão alheias as críticas de vários sectores depois de ter insistido em manter-se no cargo depois de noticiado o seu envolvimento neste caso das campas. Para o seu lugar foi agora indigitado o ex-presidente do Instituto de Desporto, Alex Vong, tendo o vice José Tavares assumido as funções de presidente-interino do IDM. Uma operação de cosmética levada a cabo em tempo recorde pelo Executivo.
Há quem especule que esta mexida estaria já a ser pensada pelo Executivo na próxima legislatura, e é muito provável que Raymond Tam não regresse ao cargo de que foi agora suspenso, e que Alex Fong seja mesmo o presidente do IACM para os próximos anos. Não sei que desfecho terá o caso das campas, mas dificilmente os arguidos sairão com um leve puxão de orelhas – e não esquecendo desde já o princípio da presunção da inocência. Contudo não se augura um novo caso Ao Man Long nem nada que se pareça, atendendo aos valores e à própria complexidade deste processo. Contudo a opinião pública não estará a achar muita piada a todo este diz-que-disse e fez-que-fez, e o Executivo não se livra do embaraço e de uma enorme dor de cabeça. Fica complicado exigir aos residentes que cumpram escrupolosamente a lei quando os exemplos que chegam de cima não são os melhores. E mais uma vez: trata-se de campas, da última morada dos mortos. É já desagradável que se façam tricas com as concessões de terrenos, que a especulação imobiliária tome contornos de epidemia com prejuízo da classe média e da camada mais baixa da população no acesso à habitação, um direito que devia ser mais respeitado. Agora campas…cemitérios…túmulos, é tétrico. Será que existem limites?
PS: Sobre o que foi dito na imprensa sobre o assunto, nomeadamente na portuguesa, a única a que tive acesso, prefiro não me alargar em grandes comentários. Cada um tem direito à sua opinião, mesmo que isso leve à prática de alguma desonestidade intelectual em nome da empregabilidade e do dinheiro a cair na conta ao fim do mês. Não que este desfecho me deixe quaisquer dúvidas sobre a inocência da pessoa em causa. O princípio da presunção da inocência é-me também muito querido, e considero que é melhor deixar um culpado sair em liberdade do que condenar um inocente. O que me deixa perplexo é a certeza sobre a cristalina eficácia da justiça, a transparência e a limpidez do sistema. Aliás a transparência é tal que às vezes dou por mim a espetar a tromba no seu vidro imaculado quando ando pela rua. Preciso de tomar mais cuidado, acho.
1 comentário:
Uma vitória maior, segundo o sapo de espinha dobrada.
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