sexta-feira, 14 de junho de 2013

Candidatos e candidatáveis


As eleições do próximo dia 15 de Setembro vão mexendo com a política que se faz em Macau, prometendo agitar as águas normalmente tranquilas da ciência que regula a ordem social entre os homens e delinea os círculos do poder. Num território onde existe dinheiro a rodos, muitos são os que sonham com um lugar de destaque, junto das esferas de influência. E além disso quem não gosta de ser respeitado e levado a sério, fazer ouvir a sua voz e ver reconhecidos os seus méritos, mesmo à custa da inveja e da mesquinhez? A três meses do sufrágio os candidatos e candidatos a candidatos vão dando sinais de vida, e recorrendo a uma analogia futebolística, reforçam o plantel com vista à próxima época, procurando fazer as melhores contratações logo no início do periodo de defeso. Depois das ferias de Julho e Agosto, com as baterias do eleitorado devidamente carregadas, abre a temporada de caça ao voto, o debate politico entra em erupção e as ideias jorram em catadupa, qual lava incadescente. Às vezes dá mesmo vontade de perguntar onde andaram estes senhores tão preocupados com a população nos últimos três anos e meio, e que agora demonstram o seu carácter nobre e espírito de sacrifício, oferecendo-se a trabalhar em prol do nosso bem estar, cheios de vontade em nos representarem e resolver os nossos problemas. É reconfortante saber que ainda temos quem se disponha a este sacrifício. Bem hajam, que Deus os abençoe.

A última semana ficou marcada por algumas curiosidades que demonstram esta abnegação de figuras que se preocupam realmente com o povo, e que querem mostrar trabalho. Um bom exemplo disso é Chan Meng Kam, que foi especialmente crítico do Executivo, sugerindo um regime de avaliação do desempenho dos detentores de cargos públicos mais abrangente, e disparando na direcção de vários quadros, pedindo mais competência e responsabilidade. É suspeito que o sr. deputado eleito pela Associação dos Cidadãos Unidos de Macau tenha pautado o seu mandato pela mais absoluta discrição, e venha a poucos meses das eleições botar faladura. O deputado Pereira Coutinho fez muito mais que isso, apresentando legislação diversa à apreciação do hemiciclo e foi acusado de eleitoralismo. É irónico ainda que o sr. deputado Chan Meng Kam fale de “transparência”, logo ele que em 2005 viu o seu nome envolvido num caso de corrupção eleitoral e escudou-se na imunidade parlamentar para evitar prestar esclarecimentos. Pelo menos não se dedicou durante esta legislatura que agora finda a combates que o celebrizaram no seu anterior mandato, que o levaram a ir tocar às campainhas à procura das malvadas pensões ilegais na companhia do seu colega de bancada Ung Choi Kun. As críticas que dirige à máquina administrativa são um progresso comparado com isto, mesmo que se trate apenas de retórica. Chan Meng Kam vai concorrer com outro nº 2 depois de Ung Choi Kun ter anunciado que não se recandidatava. Ung sai de cena de forma inglória, a meu ver, depois de ter protagonizado um bate-pé com a Associação de Advogados, questionando o método de acesso à carreira por ser “demasiado exigente”. O deputado refugiou-se em argumentos que provocaram a chacota dos especialistas do Direito, e o presidente da ordem, Jorge Neto Valente, vai ter saudades suas, certamente. Fossem todos os críticos que precisa de enfrentar deste calibre, tão macios e tenrinhos.

Quem apresentou a sua candidatura esta semana foi Jason Chao, que concorre com a lista “Liberais do Novo Macau”, a terceira plataforma do Novo Macau Democrático, que depois da estratégia de 2009 em se separar em duas listas, obtendo um terceiro mandato, aposta agora na eleição de um quarto deputado. O discurso oficial de Ng Kwok Cheong, líder histórico do NMD fala em “cinco ou seis deputados”, mas estas pretensões irrealistas podem ser entendidas como uma forma de elevar a fasquia de modo a garantir pelo menos quatro lugares. Com uma lista encabeçada por Ng e outra por Au Kam San, o “enfant terrible” da associação, esta terceira lista encabeçada pelo jovem presidente do NMD conta com o apoio da comunidade “gay” de Macau. A inevitável ligação dos eleitores que optaram por um estilo de vida alternativo com esta lista pode ser prejudicial, em teoria – não existirão homossexuais a votarem em Jason Chao em número suficiente para garantir a eleição. Mas o NMD tem uma experiência no campo politico que certamente levará com que mobilizem uma grande parte do seu (imenso e sempre crescente) eleitorado de modo a distribuir os votos pelas três listas de forma equilibrada. O nº 2 é Scott Chiang, outra jovem promessa da política local “made in Novo Macau”, e apesar de não ter certezas quanto à sua sexualidade, penso que não é “gay”, e poderá ajudar a lista em termos de abrangência. Na entrega da candidatura esteve presente a professora Kam Sut Leng, que se celebrizou na última manifestação do 1 de Maio devido a uma polémica oca e escusada relacionada com a sua indumentária. Quando a vi ao lado da malta do NMD soou o meu alarme, pois recordo-me que na altura que foi entrevistada depois do protagonismo no Dia do Trabalhador disse que não tinha ambições políticas. Jason Chao deixou claro que a professora estava ali “apenas como apoiante”. Respirei de alívio, que já basta de gente hipócrita. Está no direito de apoiar quem quiser e revelar a sua preferência política, portanto isto só lhe fica bem.

Quanto aos possíveis candidatos, os tais “candidatos a candidato”, destaco aquele senhor cujo nome desconheço e pouco me interessa que se veste de vermelho e anda pela rua a exibir cartazes e a fazer ruído. O indivíduo em questão está há vários anos sediado no Largo do Senado ocupando a praça mais conhecida do território com o seu estraminé e ferindo os ouvidos de transeuntes e turistas com um altifalante defeituoso que fazem a “Internacional” soar a um bando de gatos dentro de um saco de panchões a estalar. O estatuto de quase “atração turístic”" que adquiriu e o relativo apoio (?) que alguns lhe demonstram seria mais que suficiente para adquirir um novo equipamento de som. Não sei até que ponto está a falar a sério quando diz que se vai candidatar, mas estará mesmo a recolher assinaturas. Caso isto se concretize (e uma palavra de solidariedade com os simpáticos funcionários dos SAFP que recebem as candidaturas e vão ser obrigados a aturá-lo) fico a aguardar com alguma curiosidade a sua campanha eleitoral. As acções mais mirabolantes deixam de ser um exclusivo de Lee Kin Yun e a sua Associação de Activismo para a Democracia, e o “homem de vermelho” traria um outro sabor circense ao debate politico. Se a sua candidatura se coloca como uma possibilidade, o mesmo não se pode dizer da sua eleição. Por um lado seria um alívio que fosse para a AL, pois assim deixava de nos azucrinar o juízo, mas isso seria um golpe na credibilidade da semi-democracia que aqui temos. Além disso o facto de usar todos os dias a mesma roupa faz-me questionar os seus hábitos de higiene. Caso chegue ao hemiciclo da Praia Grande, duvido que a Angela Leong e a Melinda Chan se queiram sentar perto dele. Se existem sete ou oito mil pessoas que votem neste personagem, estamos à beira da falência política e a caminho da era dos vendedores de feijões mágicos. Seria preocupante.

Finalmente uma palavra para Leong Veng Chai, que este ano concorre ao lado de José Pereira Coutinho pela lista “Nova Esperança”, que conta com a numerosa base de apoio dos funcionários públicos. O nº 2 do carismático presidente da ATFPM defendeu que os deputados deviam exercer o seu mandato “a tempo inteiro”. Ora aqui está uma boa ideia, e na realidade já existe quem o faça: Ng Kwok Cheong, que desde que o Banco da China lhe passou uma guia de marcha devido ao seu comportamento “pouco patriótico”, tem-se dedicado à política a tempo inteiro, e o vencimento que aufere como deputado é o seu único rendimento. Seria interessante que os actuais deputados, na sua maioria empresários e profissionais liberais cumprissem os mandatos para que são eleitos ou nomeados em regime de exclusividade, canalizando todo o seu esforço e tempo para servir a população. O problema reside na eficácia real desta inovação, que duvido que fosse producente. O mais provável seria um funcionamento mais burocrático e menos célere do processo legislativo, e o aparecimento de um grupo de acomodados com medo de chatear o Executivo e ir parar ao desemprego. Além disso os grupos de interesses eleitos pela via indirecta nunca abdicariam dos seus negócios. Isto só faria algum sentido se todos os deputados fossem eleitos pela via directa, mas é preciso recordar que estamos em Macau.

Vamos ter um segundo semestre interessante durante este ano de 2013. Vai ser interessante seguir as declarações dos intérpretes da política, e por enquanto ainda vão surgir novas candidaturas, novas listas, programas diversos elaborados por gente diversa com ideias novas, e que se vão dar a conhecer a si e às suas ambições. Dá-me imenso gozo comentar as incidências deste período pré-eleitoral, desta febre das urnas onde se vê um pouco de tudo. Dizem-se coisas certeiras, outras nem tanto, algumas barbaridades e a demogagia vai pintando a manta. E é só de quatro em quatro anos, como os Jogos Olímpicos, mas com mais piada. A dimensão reduzida do território leva-nos a dar de cara com os simpáticos candidatos, mesmo que os queiramos evitar, e isto dá-nos a sensação de que somos espectadores privilegiados do espectáculo da política. Tem graça olhar para os elementos que constituem as listas e poder dizer “olha quem é ele”. Não é para todos. Vamos aproveitar estes 90 dias, mais coisa menos coisa, meus amigos. Eles querem o nosso voto e vão encher-nos de mimos. Eu voto naquele que me convencer, que mais me encher as medidas, o que encontrar o meu ponto G eleitoral. Então mostrem lá o que têm para oferecer, meus senhores. E sejam generosos. Ou pelo menos façam-me acreditar nos vossos contos da carochinha.

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