segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sim, xô guarda


Quando era pequeno tinha um respeito tremendo pela figura do polícia, que para mim era o expoente máximo da autoridade. Quando via um polícia em qualquer parte, sentia-me completamente seguro, e não me inibia de passar pelo homem da farda azul e sorrir-lhe, abanando a cabeça em sinal de gratidão. Quando andava na 4ª classe a nossa professora pediu-nos para fazer uma entrevista. Não tive dúvidas: fui à esquadra mais próxima e entrevistei o sr. Tenente-Capitão. A polícia estava mesmo ao serviço do cidadão, para qualquer efeito. Ainda me lembro daquela hora que passei na esquadra a entrevistar aquele oficial, quando tinha apenas 9 anos. Foi um momento quase religioso. É pena que muito boa gente não possa dizer o mesmo. O mito do polícia-herói desvanece-se com a idade adulta. Aquele senhor em que eu depositava incondicionalmente toda a minha confiança pode afinal ser um sacana corrupto da pior espécie.

Posso orgulhar-me de nunca ter tido qualquer problema com as autoridades. Já fui à esquadra prestar depoimentos ou na condição de vítima, mas nunca fui detido, acusado ou sequer abordado pela polícia no âmbito de uma investigação. Nunca fui ameaçado por um agente da autoridade, e a minha natureza de cidadão cumpridor da lei dá-me o direito de confrontar um polícia caso exista necessidade disso. Quem não deve, não teme. No entanto não ando a dormir na forma, e estou perfeitamente consciente que se cometem abusos no exercício daquilo que devia ser a segurança pública e a investigação criminal. Afinal os polícias são também gente de carne e osso, têm contas para pagar e bocas para alimentar. Se me sinto transtornado quando um agente perde a vida no cumprimento do seu dever, também me revolta que se pratiquem abusos de autoridade ou práticas à margem da lei.

Em Portugal não estamos muito mal servidos em termos de polícia. A tendência que temos para nos queixarmos por tudo e por nada leva por vezes a que se façam julgamentos precipitados de valor, e conheço muito boa gente que até mereceu uns safanões bem dados que se queixou de “excessivo uso da força” por parte das autoridades. Alguns dos vândalos que provocam tumultos em estádios de futebol, por exemplo, vêm depois choramingar e exibir as nódoas negras provocadas pelas bastonadas da polícia de choque. Se é uma certeza estatística que a polícia dos países do sul da Europa é menos tolerante do que a dos países do norte, mesmo assim não considero que a nossa polícia “carregue” mais do que em Espanha, Itália, Grécia ou Turquia. Neste particular nem temos sequer muita razão de queixa.

E deste lado do mundo, como é? É complexo falar da acção da polícia em Macau, e existe um ideia de que as autoridades no território pactuam com marginais, nomeadamente com as associações secretas, ou “seitas”, e que alguns agentes são mesmo membros destes grupos. Não deverão ser todos, e nem sequer a maioria, com toda a certeza. Mais uma vez a minha apetência para me manter do lado certo da lei leva-me a não ter razões de queixa. Nunca fui incomodado pelas autoridades em Macau em nenhuma circunstância. O mesmo não posso dizer das autoridades de outros países da região, nomeadamente os locais onde os agentes policiais têm fama de ser corruptos. Na Tailândia e nas Filipinas, por exemplo, tive contacto com este desagradável facto, e demonstrar a minha (comedida) revolta serviu de pouco. O melhor mesmo é dar uns trocados àqueles pedintes de farda e tentar esquecer o incidente. Curiosamente quando estive no Vietname aconteceu algo engraçado: não vi um único polícia. Curioso, num pais bastante visitado pelos turistas e onde um funcionário público aufere 200 ou 300 patacas mensais.

Como já deixei claro, falo sem conhecimento de causa, mas estou solidário com quem já provou o amargo sabor do abuso de autoridade. Com a razão do meu lado, nenhum polícia grita comigo sem que eu lhe responda com a mesma moeda, mas mesmo esta atitude destemida depende de vários factores, como o “quando”, “onde” e “quem” (se o tipo tem mais pinta de malandro do que de polícia, o melhor mesmo é ficar calado). Contudo não consigo de deixar de sentir algum respeito pela figura do polícia. Qualquer coisa que ficou da minha infância, acho, quando os via como os super-heróis que afinal não são. Mesmo assim agradeço que estejam ali dispostos a garantir o meu bem-estar, nem que para isso precisem de arriscar a própria vida. Mas será que arriscam mesmo? Eu no lugar deles não me incomodava. Como os compreendo, enfim.

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