quinta-feira, 28 de maio de 2015

Taiwan - uma viagem de reconhecimento


Peço desculpa mas não tenho lá muito jeito com o Photoshop - o que vêem ali é o que há.

Na minha primeira viagem para Macau, em Agosto de 1993, tive a sorte de fazer aquela que tinha sido então a maior viagem da minha curta vida de 18 anos em boa companhia. No voo entre Londres e Hong Kong o destino quis e a aleatoriedade da marcação dos assentos pela British Airways proporcionou a que viesse sentado ao lado de uma menina chinesa, que na altura seria apenas dois ou três anos mais velha que eu - ou menos jovem, que juntos não teríamos a idade que tenho eu agora. Passámos praticamente todo o tempo a conversar, ficámos amigos e no fim da viagem trocámos contactos. Numa daquelas coisas que se diz nestas ocasiões prometi ir visitá-la um dia "no seu país", de que conhecia o nome e pouco mais: Taiwan. Era chinesa, sim, mas de Taiwan, uma diferença que vai dando para ter em conta à medida que nos vamos deixando ficar por esta realidade que compõe os três vértices do triângulo do grande gigante asiático que é a China: o continente, Macau e Hong Kong, e Taiwan, que é considerado pelos primeiros uma província rebelde, pelos últimos uma referência, e por Macau...bem, um sítio onde se come bem e fica a pouco mais de uma hora de avião. Apesar de parecer fácil e a distância ser curta, seria apenas quase 22 anos depois de travar conhecimento com esta minha amiga que finalmente visitava o seu país. Se lhe estava a dever a visita, menos uma coisa que fica por pagar.


É chato, quando "chovem malas"...

Voei do aeroporto internacional de Macau na sexta, dia 1 de Maio, pelas 22 horas, depois de ter passado o dia inteiro a dormir. Juro que isto é verdade. Como sempre deixei a organização com a minha mais que tudo, que ousou experimentar uma nova companhia de "low-cost" sediada exactamente em Taiwan, a "V-Fly". A mascote desta companhia é aquele simpático ursinho de suspensórios, sempre sorridente, presente um pouco por todo o lado no avião, ora a avisar para a queda das malas, ou a dizer para não fumar nos lavabos. Um pândego. A malta da companhia é jovem, usa um uniforme refrescante, leve, e são apresentados como se fossem jogadores de uma equipa de futebol. O voo decorreu suavemente, e menos de uma hora e meia depois estava a aterrar em Taipé pela primeira vez. Parece pouco, mas para mim o que continua a ser o grande mal das viagens de avião é o tempo que se demora a descolar, a aterrar, a chegar ao terminal, a esperar pelas bagagens e tudo isso. Viajámos apenas com bagagem de mão para poupar tempo neste último particular, mas no aeroporto da capital nacionalista há um "handicap" no que toca à organização do departamento de imigração. Tanta, mas tanta gente, que pensei que os japoneses tinham invadido outra vez e toda a gente se preparava para fugir (por acaso ia a entrar, o que faz com que nem seja necessário retrair-me do humor negro histórico utilizado). Pelo menos nota-se simpatia por parte do pessoal alfandegário.


Batata-doce de madrugada? Quem diria...

A desvantagem de se chegar já de madrugada a um destino que ainda por cima visitamos pela primeira vez é o de estar toda a gente a dormir, indiferente à nossa presença. Deve ser psicológico, mas tenho sempre a sensação que quando vou a um lugar onde nunca estive antes, esse facto é facilmente perceptível pelos locais, que olham para mim como se isto estivesse escrito na testa. Em Taiwan a sensação é menos "exótica", por assim dizer, pois parece que passámos para o continente vindos de Macau, mas num tom acima, e alguns ainda abaixo de Hong Kong - que diabo, ultimamente as primeiras impressões sobre os sítios novos onde chego têm andado a bater certo; ou estar a ficar velho e com menos expectativas ou então é o tal "amadurecimento" que se diz que os homens atingem, morrendo pouco depois. Os aeroportos têm sempre tudo, mas não são convidativos, especialmente para um destino novo, misterioso, pronto para ser explorado...no dia seguinte. Chegado ao "apart-hotel" (e era isso mesmo do que se tratava) fui ao Family Fart ali próximo onde finalmente confirmei aquilo que sempre me foi dito: Taiwan é o paraíso do "bom gourmet". De facto em termos de variedade devem ser imbatíveis, e a isso junta-se uma criatividade espantosa, e claro, os taiwaneses fazem questão de se distinguir dos seus irmãos do continente por dar primazia ao controlo de qualidade. Costumo comprar sobretudo líquidos: sumos, leite, batidos, chás, tudo o que previna o pesadelo que é acordar a meio da noite com sede,  longe de casa e sem nada para beber. 


So? Go!

A noite não foi de todo tranquila, pois a minha cara mia acordou-me em sobressalto, queixando-se de que lhe doía não sei o quê, ao ponto de me deixar uma espécie de testamento verbal e tudo. Mais tarde confessou-me que eram seis da manhã, mas só deu mesmo para abrir metade de um olho e virar-me para o lado. De facto dava para ver que estava mais pálida que o habitual, mas não detectei qualquer hemorragia, fracturas expostas ou orgãos vitais de fora, por isso virei-me para o lado e voltei a dormir. Algumas horas mais tarde (muitas, por sinal) acordei, e como vi que continuava viva perguntei-lhe se ainda queria ir ao hospital. Eram quase duas da tarde quase nos metemos a caminho do hospital, cuja direcção ela dizia conhecer. A este ponto devia talvez referir que ao contrário de mim, a minha esposa já foi a Taiwan várias vezes, e dizia saber orientar-se - dizia. Ao contemplar pela primeira vez a luz do dia em Taipé deparei logo ao virar da esquina com o centro comercial da Sogo, uma espécie de "estrela polar" para quem fica instalado na zona de Zhongxiao Fuxing. Estava com um bocado de larica, mas queria resolver o mal-estar da minha parceira primeiro, e antes de mais nada arranjar um cartão de internet para o smartphone - ainda o mundo acabava e ali, na ilha que os navegadores portugueses de quinhentos baptizaram de Formosa, sem nada saber. Foi aí que apanhei com um choque de frente; os estrangeiros têm que fazer registo no momento da compra do cartão, e para o efeito é necessário apresentar passaporte, e - erro crasso da minha parte, agora que penso nisso - o BI do país de origem, ou equivalente. Acontece que o passaporte é de Portugal e o BI  de Macau, e não sendo estes documentos compatíveis, o registo não pode ser efectuado e em vez cartão na mão fico a chupar no dedo. Podia ter simplesmente alegado que só viajava com passaporte, mas pensando bem, ia só ficar dois dias inteiros e há "wifi" em toda a parte. Taiwan é dos sítios onde fui até agora com a maior área de cobertura "wifi".


Um hospital. Em Taipé. É só.

Uma vez que não atinávamos com a porcaria do hospital mais próximo, mesmo depois de ter pedido direcções ao simpático povo taiwanês umas quatrocentas vezes, apanhámos um táxi que nos deixasse à porta de um qualquer local que não pudesse ser confundido com outra coisa qualquer. Tenho um filme que fiz nos dias em que estive na capital taiwanesa que editarei quando me der para isso, mas vou adiantando que não é nada de especial - nunca é, eu sei, mas desta vez ainda é menos. Mas é ali que eu falo durante alguns segundos sobre este hospital, um dos vários que existem espalhados por Taipé, e onde digo que tem um aspecto semelhante ao do Kiang Wu, em Macau. Fiquei sentado na sala de espera das urgências durante mais de duas horas enquanto a minha mulher era atendida. Atenção: ERA ATENDIDA, não enquanto esperava para ser atendida. Passei pelas brasas, visto que apesar da rede "wifi" decente que cobria o hospital estava a ficar sem bateria. Quando terminou a consulta já passavam das cinco da tarde, e a larica tinha-se tornado numa crise civil. Metemos-nos noutro táxi de volta ao Sogo, até porque chovia. Choveu todos os dias enquanto lá estive, talvez um pouco mais intensamente na última noite, mas nada que fosse estragar o que quer que seja, pois não havia planos nem expectativas. Naquele momento havia só fome.


Há dias em que eu queria ser vaca...pelos estômagos, entenda-se.

Quem me segue pelo Facebook e estava atento nesse dia deve-se recordar, pelo menos vagamente, de algumas destas imagens. De facto fiquei impressionado com o esmero e com a apresentação de quase tudo o que vi. Talvez o senão seja o facto de todas as lojas de conveniência tresandarem a um cheiro daquele ovo cozido numa espécie de caldo vegetal, que julgo ser uma receita tradicional desta região, que inclui a província chinesa de Fujian, a área de costa da China mais próxima de Taiwan, e de onde a maioria dos habitantes da ilha tem descendência. Diz-se das gentes de Fujian que são unidos, que têm pelo na venta, e na hora de se juntar são piores que os ciganos. Pelo que me foi dado a perceber os taiwanenses não são nada assim, ou pelo menos não o demonstram. Parecem-me cordiais, exibindo uma civilidade e civismos acima de qualquer suspeita, são sem sombra de dúvida menos ríspidos que os chineses e para isso até ajuda a pronúncia do Mandarim que falam, mais musical. Também não vi ninguém a cuspir no chão, ou a expelir o ranho segurando o nariz com os dedos em forma de mola,  a palitar os dentos sonoramente com a língua, ou dobrado a sacudir a caspa. Imaginem que mesmo estando a chover, não reparei em ninguém a usar saco de plástico na cabeça, ou aquelas capas de chuva que protegem da água do céu mas deixam quem as usa a suar em bica - e esteve algum calor, pelo menos até ao último dia. Até os modos são outros, comparando com o continente, Macau e até Hong Kong. Apesar de ser o fim-de-semana do 1 de Maio e o comércio estar apinhado de gente, não vi empurrões, fura-filas, gente aos gritos, nada. Imaginem que em dois dias e três noites não me irritei uma única vez com ninguém! Pode-se dizer que juntamente com as férias na acepção turística do termo, tirei ainda férias dos "foram-se" e dos "carvalhos" que vou grunhindo entre dentes aqui em Macau cada vez que saio à rua. 


Goulash: optei pela Hungria porque estava mesmo..."hungry"!

Poderia ter apreciado com muito mais detalhe a graça dos taiwaneses nesse dia se não estivesse quase a desfalecer de fome - e andar ali a comer bolos e pães com os olhos também não ajudava muito. Os restaurantes pareciam sempre cheios, a todas as horas do dia, e o facto de serem quase seis da tarde e estar ainda para fazer a primeira refeição do dia dava para comer quase qualquer coisa. E digo "quase" porque sinceramente não tinha vontade nenhuma de provar as especialidades locais, que neste Sogo se podiam encontrar em aglomerados de restaurantes praticamente a portas-meias uns com os outros. Não é por uma questão de preconceito, e sou uma pessoa aberta a todas as experiências gastronómicas dentro do que considera "comestível": qualquer alimento inerte e imóvel que não tenha cheiro ou gosto atroz e não me provoque a morte depois de o consumir. Mas bolas, era a minha primeira refeição diga desse nome que fazia em Taiwan, e tinha que ser memorável (ou pelo menos "lembrável"). O que não é comida chinesa é outra coisa, e aí há muito por onde escolher, e optei por um "bistrot" ao estilo vianês localizado no décimo andar do edifício, e também o último. O único senão foi faltarem alguns dos itens do menu (é muito mau oferecer aquilo que não se tem, meus amigos), pelo que pedi um Goulash, o prato nacional da Hungria, que tinha no cardápio o mesmo bom aspecto que se vê na imagem em cima. Para empurrar pedi uma cerveja austríaca, e assim recreei uma versão gastronómica do império austro-húngaro, que assim foi restaurado no meu estômago durante algumas horas, até acabar por ter o mesmo destino que o original. Enquanto esperava pela comida dei um toque (finalmente) ao meu camarada Eric Sautedé, na esperança que ele estivesse interessado em saber as minhas primeiras impressões sobre o tubo-de-ensaio da democracia chinesa, e não é para meu espanto que ele me diz que está em Taipé com a família, e voltaria para Macau no dia seguinte. Sem mais demora combinámos um pequeno rendez-vous duas horas mais tarde, num bar que ele escolheu, de modo de aproveitar esta oportunidade. É daquelas coisas que combinadas com antecedência acabavam por nunca acontecer.


A janela para a "outra China"

O local de encontro era o China Pa, um bar situado num edifício que ficava a menos de dez minutos de táxi de onde eu estava instalado, e a esta hora se calhar estão a pensar que muito andei eu de táxi por ali. E de facto é verdade, mas é prático apanhar um táxi, não se espera mais de dois minutos por um que pare mesmo à nossa frente, e é barato. Os taiwaneses precaveram-se dos truques que os taxistas desonestos usaram em Macau utilizando um sistema muito simples: uma tarifa normal no turno diurno, outra acrescida no nocturno e ainda uma taxa extra para tomadas depois das 11 da noite. Claro que isto implica uma fiscalização competente e ninguém me diz que em circunstâncias idênticas os taxistas de Taipé não fariam o mesmo, mas isso já são muitos "se", e verdade seja dita os taxistas ali são disciplinados, simpáticos, tentam falar o pouco de inglês que sabem (e que até nem é  tão mau assim), e mais importante, mantêm a viatura limpa e apresentável. Assim chegado ao local de encontro, pude ter umas noções do que é a vida nocturna taiwanense, mesmo que mínimas. O tal China Pa fica num dos andares superiores de (mais) um edifício comercial e é decorado com motivos que nos remetem para a China Imperial, como se pode ver na imagem de cima (na de baixo não sei se é perceptível, mas chovia). Como os Sautedés vieram com as crianças não ficámos até muito tarde, e além disso era Sábado, por isso havia música ao vivo e não dava para trocar grandes impressões, por isso ao fim de duas bebidas por cabeça saímos dali. A experiência valeu por duas razões que destaco: deu para perceber que de facto a influência norte-americana é forte, e isto nota-se no inglês que os taiwaneses falam, e pela primeira vez notei a presença de mulheres bonitas. Aqui, e falando apenas na condição de observador, Taiwan foi uma desilusão.


Vejo que estão todos contentes, sim senhor...não entendo é porquê...

Domingo. Não choveu tanto como no Sábado nem como no dia seguinte, pelo que o tempo convidava a visitar alguns locais de interesse, como foi o caso deste Memorial ao Dr. Sun Yat-sen, que como se sabe foi em 1911 o fundador da República da China, e continua a ser uma inspiração para todos os chineses - mais os de Taiwan, sendo para os outros tido como uma referência apenas graças à sua contribuição para o fim da dinastia dos Qing, e consequentemente da China imperial. O local tem um interesse do ponto de vista..."museístico",  chamemos-lhe assim, e fica na Avenida Xinyi - e pode ser que isto interesse - e se ficar no Hotel Shangri-La ou no Grand Hyatt fica quase mesmo a dois passos do local. Foi também neste Domingo que tive a oportunidade de viajar no metro de Taipé, que se insere na classificação de "iá, porreirinho e tal", e de noite fiz compras no 101 Tower e no Jianmei night market, cujos comentários remeto para o tal vídeo, quando sair (talvez este fim-de-semana).


O que estou a pensar? Que está frio, porra!

No último dia, e antes de regressar a Macau, fui visitar o Memorial dedicado a Chang Kai-Chek, outra das manifestações simbólicas da soberania de Taiwan - peço desculpa pela observação pouco concisa, mas fazia bastante frio nesse dia, e como podem verificar estava em mangas de camisa. Do próprio Chang Kai-Chek, desavindo com Mao depois de terem combatido lado a lado os invasores japoneses, posso dizer que levou uma vida bem catita, como é possível descortinar pelos objectos e restante memorabilia que constam do museu anexo ao memorial. Quanto à paixão dos taiwaneses pela sua "independência"...é uma conclusão que terei que tirar de uma próxima vez que lá for. E fica combinado o regresso, pois afinal não é longe, não é caro e não é desagradável de todo. Pelo menos para viagem de reconhecimento, não tenho qualquer razão de queixa.


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