terça-feira, 12 de maio de 2015

Provedor do leitor


Hoje gostaria de usar este espaço para fazer um sincero pedido de desculpas aos leitores. Não porque alguém me tivesse exigido desculpas, ou criticado ou censurado, e aparentemente também não terei ofendido ninguém - pelo menos espero que não. O que se passa é que errei. Cometi um erro, reparei-o a tempo, mas não sei quanto tempo um erro precisa de ser erro para ser pertinente fazer a devida retracção, por isso, nem que seja para deixar os sorrir os anjinhos, aqui vai outra vez: errei, peço desculpa.

Agora o que se passou. No Domingo à noite deixei no prelo um "post" que publiquei na segunda feira, que abordava de forma satírica um incidente que teve lugar em Portugal recentemente, onde um jovem foi alegadamente "humilhado", ou como se diz agora, foi "vítima de bullying" no programa de detecção de talentos da SIC, que detém os direitos da versão portuguesa daquela célebre "franchise": "Idolos". Menos de quinze minutos depois recebi um comentário de um simpático leitor, a que mando novamente um bem haja e agradeço por me ter chamado a atenção para o enorme equívoco que se preparava para acontecer. E remeteu-me ainda para uma declaração de um tal senhor Rafael Tormenta, que passo a reproduzir na íntegra.

NÃO BASTA LAMENTAR

SIC: NÃO ACABARAM COM OS ÍDOLOS? FALTA DE HUMANIDADE!

O jovem de quem se fala é meu aluno. Tem 16 anos. Frequenta a aula de Português Funcional numa turma de Educação Especial. Sendo menor, foi certamente autorizado a concorrer a este concurso da SIC. Mas certamente a sua encarregada de educação (que não é nem a mãe nem o pai e isto talvez não seja por acaso) não imaginava que ele ia participar num concurso onde toda a gente, desde os elementos do júri até à produção, passando pela direção de programas e pelos responsáveis pelo canal e outros trâmites que desconheço parecem divertir-se a cometer MONSTRUOSIDADES, como ridicularizar publicamente jovens ou crianças que já têm problemas suficientes na sua vida há muitos anos.

O jovem de quem se fala é meu aluno (e de outros colegas) e temos por ele o máximo carinho, como por todas e por todos os alunos. Porém ele está fechado no seu quarto há alguns dias. Tivemos que voltar a ensinar aos seus colegas da Educação Especial e até um pouco aos do Ensino Regular que a FALTA DE HUMANIDADE a que certas FIGURAS PÚBLICAS (e outras menos conhecidas, nos bastidores) se sujeitam para ganhar dinheiro corresponde exatamente ao contrário do que possa ser a solidariedade e o amor entre todos os seres do MUNDO.

No Agrupamento de Escolas Gaia Nascente estamos muito zangados com a SIC. Entendemos que ISTO NÃO SE FAZ A NINGUÉM. Não sei qual o papel da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ou do Instituto de Apoio à Criança, ou da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, ou até do Senhor Presidente da República.

Mas como professor, eu é que lamento: 1-não saber quando é que o meu aluno vai voltar às aulas ; 2-que estas coisas possam acontecer aos jovens do meu país; 3-que os canais de televisão em vez de complementarem os valores educativos transmitidos pelas escolas os desfaçam completamente; 4-que o senhor ministro da educação e o senhor primeiro-ministro nada façam para acabar com esta barbárie; 5-que se pense que basta lamentar, sem sequer pensar indemnizar tão grandes danos causados.

RAFAEL TORMENTA


Em primeiro lugar, e só para não me queixaram de estar a ser desonesto e a desviar-me do essencial, queria deixar bem claro que o tom do sr. Rafael Tormenta é assaz desadequado a estas circunstâncias. Não está escrito na testa do jovem que ele é um jovem desadaptado que frequenta o ensino especial, e não são só estes jovens, pessoas ou crianças que têm orelhas de abano. Esta "fúria revoltosa" explica-se facilmente correndo a página do Facebook deste senhor, onde vem publicada esta mensagem, e onde dá para perceber que estamos na presença de um verdadeiro "bolchevique de bivaque". Tudo bem, agora que está mais calmo se calhar já deve ter reflectido e pensado um pouco melhor, e chegado à conclusão que não é O MUNDO que tem a culpa do jovem que ele diz conhecer bem e por isso saber melhor que ninguém o os efeitos devastadores que esta provocação teve nele ter ido a um programa de televisão onde nunca devia ter posto os pés. Sim, a tal encarregada de educação, seja lá quem for, deve ter muito que explicar, e se "não imaginava" que isto podia acontecer, então que revele quais eram as suas reais intenções, pois além do episódio das orelhas aumentadas, há ainda a agravante do jovem cantar em três tons: mal, muito mal e pessimamente mal. Se é uma indemnização que ele deseja, olhem que o aluno dele também andou no limiar da marginalidade, pois podia ter provocado danos irreversíveis nos tímpanos de quem o escutava. Orelha por orelha, tímpano por tímpano, foi da protuberância auditiva do jovem que o programa fez pouco, e não da sua deficiência. Também não estou em crer que o iriam fazer caso soubessem da sua condição.

E agora isto leva-nos para a questão dos gostos, e do que é e o que não permitido, ou até onde se pode chegar. A SIC "lamentou o sucedido", o que talvez seja pouco, mas também pode ser que seja o suficiente. Não sei se é assim que funciona, mas tenho a ideia de que ao participarem nestes programas de talentos os candidatos são obrigados a assinar um termo de responsabilidade ou algo que lhe valha - qualquer coisa para evitar que depois digam que "não foi assim que ficou combinado", ou que "pensavam isto e aquilo", penso que devem saber do que estou aqui a falar. Agora sobre a dialéctica do certo e do errado, bem, isso fica ao critério de cada, mas se forem ao YouTube e escreverem "Idolos Portugal" vão encontrar um mundo de humilhação percorrido a trote torpe ao som dos zurros dos burros onde vão montados muitos cavaleiros da triste figura. Alguns bem piores que este, por sinal, e a este ponto recomendo que em vez da primeira busca que propus procurem antes "Cromos dos Idolos", e vão perceber do que estou a falar. Aqui o mais curioso é observar como toda a gente ficou revoltada com isto, que não é muito diferente de que se vê noutro tipo de lixo televisivo da mesma estirpe. Para os "reality shows", por exemplo, são exactamente as cenas lamentáveis protagonizadas por gente comum a chave do sucesso, e lá está, das audiências. Eu não gosto e não vejo, pelos vistos o sr. Rafael Tormenta também não, mas sou obrigado a pensar que afinal há muita gente que gosta de sofrer, pois as audiências falam por si, e aliás foi mesmo esse o teor dos comentários que tenho lido nos muitos fórums que visitei após me aperceber dos contornos mais sinuosos desta história. Em suma, foi aquilo que pediram e aquilo que têm, e agora ainda se vêm queixar. Já parecem os tipos que passam a vida a queixar-se dos governos que eles próprios elegeram, com a agravante de aqui poderem simplesmente mudar de canal.

Inicialmente fiquei sem entender muito bem esta exaltação em torno de um par de orelhas de abano, e ainda menos depois de saber que o jovem ficou tão vexado com a paródia que "nem consegue de casa" - então ninguém lhe chamou a atenção para aquilo que é tão evidente? Conhecendo quão "espirituosos" são muitos dos jovens em idade escolar lá em Portugal, o rapaz já estaria mais que habituado às piadas em relação ao tamanho das orelhas. Será mesmo tão grave que tenham feito pouco dessa característica física ao ponto de ter ficado "arrasado", e enquanto isso não se inibe de ir cantar daquele jeito? Fico a pensar que não tivessem feito aquela brincadeira que se tornaria no centro de uma polémica ia ser eliminado e ficava a refilar e a chamar nomes ao júri, como fazem os outros palermas iludidos que vão ali convencidos que cantam. Foi desse prisma que elaborei o "post" de Domingo a que dei o título "O sobrinho do Vieira". Sim, confesso que fui cruel, e não me arrependo nem me arrependerei de o ser com cabotinos e fanfarrões que pensam que a razão do mundo existir foi para acolher a sua passagem, e que depois de um "banho de realidade" saem tontos e com o rabinho entre as pernas. No tal "post" da minha autoria cheguei a especular que o jovem em questão poderia ser mesmo deficiente, "se pensava que ia ser ovacionado pelo seu desempenho", e que "a atenção que foi dada ao tamanho das orelhas foi a culpada de agora passar ao lado de uma carreira de sucesso. De facto não se deve fazer pouco de um deficiente, pois não pediu para nascer assim, ao contrário de um parvalhão, que não nasceu mas adquiriu esse estatuto, mesmo quando os sinais recomendavam a que não o fizesse. Retirei o "post" e apresento aqui agora as mais sinceras desculpas por ter errado, mas não me peçam para me sentir culpado por algo que não sabia. O rapaz teve o discernimento para subir ao palco para ir "levar com a fruta podre", e depois isto? Culpem o tal encarregado de educação pelo desleixo, a sociedade pelo mau gosto em matéria de programas televisivos, mas não me ponham a culpa em mim, que apenas vi o que vi, e desta distância, e pela omissão de um facto grave já me retrai. E a própria SIC, se culpa alguma terá, será de um pouco de exagero, talvez. Então não sabiam que era assim?

Sem comentários: