Passou na segunda-feira um ano desde que tivemos "a revolução que nunca foi". Foi esse o mote do
artigo de quinta-feira do Hoje Macau (dia 21 de Maio). O Bairro do Oriente espera vir regressando lentamente à sua actividade normal enquanto o seu autor recupera do "choque térmico" que marca a entrada neste maldito Verão. Obrigado por continuar desse lado.
Vai fazer agora um ano que teve início a maior crise política dos 15 anos de História da RAEM. Esta crise, dizem em surdina os pragmáticos residentes de língua nativa chinesa, será a razão porque vem agora o Governo dizer que está na hora de apertar o cinto, que onde era tudo rosas não restam senão espinhos, e das fontes por ontem jorrava mel sai agora o mais amargo fel. Com a acentuada quebra nas receitas do jogo e nos números da taxa de ocupação hoteleira, começam a soar os alarmes – os “investidores” não estão a ter o mesmo retorno chorudo, criminoso, quase pornográfico e em vez disso “só” fazem muitos milhões, em vez de...bastantes milhões.
Ora isto dos milhões pode ter muita graça para aquelas pessoas que têm hora para acordar, para chegar ao emprego, que levam os filhos para escola, vão trabalhar com nódoas de chupa-chupa no fato, ou no macacão, depende do caso, e com toda a certeza iam comprar imenso pão, arroz e batatas e essas que os trabalhadores comem. Os ricos só conhecem este cenário dos filmes de Fellini, e para eles “milhões” não chegam nem para forrar o assento de madre-pérola da sanita de platina do avião a jacto privado antes de lá sentar o seu tutu bilionário. Os ricos não ganham “um milhão” ou bagatelas desse tipo e vão a correr acender uma velinha a Nossa Senhora, dar graças e dizer “obrigado mas já chega”. Os ricos quando não estão a ganhar milhares de milhões uns em cima dos outros não se vão lembrar do tempo em que isto aconteceu, nem que tivesse sido ontem – os ricos pegam na sua trouxa da Swaine Adeney Brigg e vão para onde os zeros crescem à direita.
Para os trabalhadores, paradoxalmente, o trabalho deixa de ser. Não, não deixei a frase incompleta, e era mesmo esta a ideia: o trabalho deixa de ser, e finito, kaputz, it’s over, go home. Numa economia que depende das receitas do jogo (juro que estou prestes a assinalar a vez número 10.000 que escrevo esta frase) é preciso vir quem jogue, e não vão ser os pindéricos de cá que acham um “danish” de 30 patacas que vêem na montra do La Lafayette “caro”, ao ponto de começaram aos guinchos e aos pulos feitos o Daffy Duck. São os tipos da China, que vêm aqui aliviar-se do peso de umas notas que...bem, digamos que “já não querem”, pois agora têm outras novas. Fico por aqui, só para não magoar ninguém, entenda-se.
O elevado grau de autonomia que Macau usufrui é sustendado um pouco na base do “não olhe, não oiça e (sobretudo) não faça perguntas”, e durante anos andavam todos cantando e rindo com a polٕítica de vistos individuais, que permitia que os nossos compatriotas nos viessem visitar, e que visitantes, estes! Não só nos livraram desses enfados que são os táxis, o leite em pó ou a liberdade de andar na rua sem esbarrar passo-sim, passo-não, como ainda levavam como recordação objectos furgais, coisas simples como malas de senhora e relógios de pulso no valor de mais de um milhão de patacas. Devem ser malas e relógios especiais, daqueles que dão...orgasmos múltiplos? Deve ser isso, claro.
Mas não contentes com tudo isto, de que o lucro viam quase nada ou nenhum, os nossos residentes resolvem sair em massa no dia 25 de Maio, para “protestar”. Protestar contra o quê, afinal? Uma proposta de lei mirabolante, uma ideia das arábias, e que os seus defensores ainda vieram com uma enorme lata dizer que “é uma lei que existe em todas as jurisdições”. Quer dizer, lá existir, existe, só que provavelmente noutros termos. Duvido, por exemplo, que alguém que exerça durante seis anos o cargo de secretário de estado das hortaliças no Estufistão vá depois usufruir de opulentas regalias para o resto dos seus dias, transmissíveis aos seus sucessores e tudo. Ah sim, ia-me esquecendo deste importantíssimo detalhe: terá também que responder por crimes de delito comum, mesmo durante o tempo de exercício do seu cargo. Mas isto sou eu a falar, claro.
Ler as leis, consigo ler, como adulto alfabetizado e mais ou menos sóbrio que sou, mas para interpretar é preciso ter em conta O ESPÍRITO DA LEI, e para isso já é preciso consultar o professor Karamba (já agora se tiver problemas de família, com droga, mau olhado ou impotência sexual aproveite para tratar com desconto)
Se estivesse aqui o personagem do Baptista Bastos interpretado pelo Herman José, e me fosse perguntar: “olha lá, ó seu canalha delator e linguarudo, onde é que tu estavas no 25 de Maio?” Eu logo respondia: nas compras.
E agora que penso bem e me recordo daquele dia em que teve o início o Verão quente, tão quente que derreteu a confiança do Governo Central no nosso Executivo, foi um pouco como os milagres de Fátima, só que em vez do sol a dançar tivemos a CTM a oops! “deixar ir abaixo o serviço de internet e SMS – “porque estava muita gente na rua”. Pois, “frapé, você não vê?” O sinal batia na multidão e recuava, como explicou aliás o actor António Silva naquela rábula de “A menina da Rádio”. A Praça da Assembleia Legislativa fez de Cova da Iria, e o Executivo acabaria por retirar a lei: “Ora bolas, não deu”, desabafaram. Não, não, desculpem, afinal agora vêm dizer que não estão a pensar em recuperar e proposta tão cedo, porque “têm mais que fazer”. Pois têm: cortes. Mas também, quem nos mandou ser tão ingratos com o bem dos outros? Uns invejoso, é o que nós somos. Assim não vale, pá!
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