Ainda algo desencontrado com os "posts" (um homem não é de ferro, bolas...), cumpre-se a tradição, e aqui o artigo de quinta-feira do Hoje Macau (edição electrónica não disponível). E não se esqueçam que no próximo fim-de-semana temos a apresentação da nova peça dos Doçi Papiaçam di Macau! Boa semana de trabalho, e vamos esperar que passe depressa.
Em Portugal fala-se bastante de política – dizem. Fala-se quase sempre. E quando não se fala, quando é que há um intervalo? Bem, a julgar pelo cada vez maior elevado nível de abstenção, será nos próprios dias das eleições que não se fala de política, e é como se fosse nunca tivesse existido política alguma em lado nenhum. O tio Benevides passa quatro anos a falar mal do Governo, discute política a torto e a direito, muitas vezes entrando em contradição e baralhando as ideologias, e antes de abrir um jornal já está os berros: “Olha para isto, olha para isto! É uma vergonha!”. Ainda não aprendi muito bem a usar estas expressões, mas julgo que “É uma vergonha” aplica-se à situação económica e política do país, enquanto “É uma roubalheira” usa-se mais no futebol, quando a nossa equipa perde. Deve ser isso. No dia de ir às urnas, o tio Benevides fica no café a jogar à bisca ou em casa a limpar as folhas do ralo do quintal, que a tia Maria Gertrudes andou-lhe a pedir o ano inteiro para fazer, mas que só lhe apeteceu naquele dia, e já agora limpa também o resto do quintal e acaba lá para fim da tarde. Se lhe perguntam se não vai votar – já agora, que passou 1461 dias da última olimpíada a falar mal do Governo que lá estava e que “não foi que o pôs lá” (nem podia, não foi votar...) – responde primeiro “nah!”, em voz alta, ao que se segue uma destas duas reacções: ou diz com um ar malandrinho “eu não quero saber de política”, ou um pouco mais agitado atira com um “”Para quê? Para dar emprego a chulos?”. Com toda a certeza estará no dia seguinte no mesmo local, a falar mal de qualquer Governo que saíu ou poderá sair dos resultados eleitorais.
O tio Benevides representa o desencanto dos portugueses pela política, e é apenas um de muitos que mais do que desencanto, demonstram uma certa resignação. Num noutro paralelo pode-se encontrar esta espécie de “melancolia lancinante” nos adeptos do Sporting: no início protestam, barafustam, acham injusto, justificam com detalhes minuciosos aquilo que correu mal no todo, mas passado algum tempo habituam-se, a até as provocações resvalam da dura carapaça que a indiferença criou para tapar a ferida deixada pelo desgosto e pela desilusão. Reparem como até o humor e sátira política mudaram tanto em Portugal nos últimos vinte ou trinta anos. Antes era considerado uma “ousadia” sugerir que um político era desonesto, corrupto, e até mentiroso, algo que já foi considerado “falta de respeito”, imaginem só. Hoje chamá-lo de “mentiroso” é um mimo, e de “ladrão” redundância, e o facto de termos um ex-primeiro ministro preso é só uma culminar de uma série de acontecimentos que deixavam pistas que mais cedo ou mais tarde isso viria a acontecer. Vendo bem, fazer humor com a política e com os políticos começa a entrar na categoria do mau gosto, daquelas coisas com que não se deve brincar. É como fazer piadas sobre o cancro.
Houve um tempo em que falar de política ou assumir-se como político impunha um certo respeito. Chegava-se mesmo a propôr a um qualquer indivíduo inteligente, com formação superior, carácter firme e uma queda para a retórica que “entrasse para a política” porque “faz falta” pessoas como ele, para ver se “isto anda finalmente para a frente”. Hoje não se deseja isto nem ao pior inimigo, e quem por vontade própria decide entrar na política é olhado com desconfiança – “Olha-me este, meteu-se na política...o que é que ele quer”. E aí está, é tudo sobre “o que é que os políticos querem. Sim, porque essa conversa da participação civil, dever cívico e contributo para a sociedade e tudo já são chavões associados com um certo tipo de marginalidade. Agora fala-se de política como se fala de droga: “ai o menino, com que então agora andas na política”, “olha lá, larga isso da política que não é bom para ninguém” ou ainda “era tão boa pessoa...até se meter na política”. Mesmo votar tornou-se uma espécie de insulto à inteligência de quem já percebeu o engodo que a política. Nas primeiras eleições depois de 25 de Abril, em 1975, para a Assembleia Constituinte tivemos uma adesão de 91% dos eleitores recenseados, e desde os 83% de 1980 foi sempre a descer, com a participação do eleitorado a quedar-se por uns míseros 58% há quatro, não se esperando que em Outubro próximo se dê início à retoma da confiança dos portugueses, que amaram a política, e agora já não podem mais com ela. É como se a sogra que antes odiavam se tivesse materializado na mulher que tanto prezavam.
E já que falamos de eleições, aqui em Macau a coisa também vai mexendo, mesmo que discretamente,e isso tem-se notado através da fragilidade que algumas sensibilidades adquirem à medida que se aproxima a data do sufrágio. Visto de fora, uma vez que não tenho cor política, mas ao contrário do tio Benevides estou-me nas tintas para quem são e para o que fazem (que o façam bem longe daqui faz favor) isto tudo tem uma certa piada. Enfim, dá para rir um pouco com a cara “séria” dos tipos que andaram este tempo todo a brincar connosco. O que já não tem assim muita piada é quando nos armamos em “portadores de democracia” a avulso, e achama-nos no direito de dizer assim do pé para para mão coisas como “a China teria a ganhar com uma democracia parlamentar e representativa”, ou que “deviam haver eleições gerais livres e multi-partidárias na China”. Livra! Não ouso alargar-me em comentários, mas imaginem só o que seria Portugal, e que em vez de um Sócrates tinhamos 120, e outros tantos Portas a comprar igualmente 120 vezes mais submarinos. Até não era má ideia, pois vendo bem, ia demorar até pararmos no fundo do mar.
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