Boas, caros leitores! Continuação de boas férias para quem está de férias, e caso contrário deixe lá isso, que se foi trabalhar isso hoje em dia é "bom sinal" - é para que veja em que estado a deixar o mundo. Pelo menos tive uma surpresa quando passei hoje pelo Consulado Geral de Portugal e, pasme-se, estava aberto! Acho que é o único dia em que isto acontece, enfim, devia ter comprado o "Mark-Six". Posto isto deixo-vos com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, ainda na versão PDF (p. 21), e para quem gosta desta rubrica (?) saiba que quinta-feira sai outro fresquinho, fresquinho (ainda a ver qual, exactamente). Fiquem com os anjinhos.
A arte
milenar do “Bonsai” está inevitavelmente associada ao Japão e aos japoneses,
mas pouca gente sabe que foram os chineses os pioneiros da técnica de cultivar
árvores anãs. A prática remonta ao século VI, e terá sido importada por monges
budistas e diplomatas nipónicos que se deslocavam ao continente chinês com
frequência, e das 17 missões enviadas pelo Japão à côrte dos Tang entre 603 e
839, provadas pela existência de documentação, as pequenas pernadas de árvore
eram como que um “recuerdo” indispensável. O próprio nome “bonsai” tem origem
no chinês “penjing” (盆景), que
quer dizer “cenário num tabuleiro”, referindo-se aos pequenos recipientes onde
as árvores eram plantadas e que se podiam transportar facilmente, e mudadas de
lugar conforme o gosto de cada um, contando que tivessem a sua quantidade
indispensável de luz e de ar fresco. O cultivo deste arbusto, do qual existem
muitas espécies idênticas às árvores comuns requer arte e persistência, mas o
nunca se deve confundindo com qualquer tipo de constrição ao desenvolvimento
natural da planta – o “bonsai” cresce conforme o tratamento que lhe é dado, sem
que se apliquem técnicas que de alguma forma possam sugerir estrangulamento, ou
outra crueldade. Conta-se que um dos segredos desta cultura passa por escolher
um local onde os objectos que rodeam o “bonsai” sejam pequenos, eliminando
assim a necessidade da planta de se elevar ao nível do meio, inibindo o seu
crescimento.
Na era
moderna o termo “bonsai” generalizou-se, e diz-se de tudo o que se pode criar
em miniatura. Existem mesmo os controversos gatos “bonsai”, tidos pelo Ocidente
como um exemplo de maus tratos a animais, e para quem não faça disso um “cavalo
de batalha” (ou “gato de batalha”, neste caso), trata-se apenas de mais uma
“maluquice” dos nipónicos, equiparada talvez às melancias quadradas ou outras
extravagâncias. Há quem defenda que estas modas pouco consensuais são um sinal
de inteligência, ou manifestações próprias de uma cultura sempre um patamar
acima das restantes. Talvez em alguns casos seja melhor mesmo continuar
“atrasado” do que aderir a certas modas, quem sabe? O que não é certamente uma
demonstração de cultura de espécie alguma mas que também está na moda são as
“pessoas bonsai”, e destas encontramos facilmente em Macau, mesmo que não lhes
seja atribuída essa designação, e que eles próprios desconheçam que partilham
com os famosos arbustos essas qualidades. Isto explica-se pelo facto de ter
sido involuntário e completamente acidental, e terá sido o tal segredo que leva
a que os “bonsais” não cresçam ao nível dos objectos que os rodeiam que os
levou a adquirir as mesmas características.
Ao
contrário das árvores, a maioria das “pessoas bonsai” que encontramos em Macau
são originárias do Ocidente, e por motivos de ordem histórica, Portugal é o
principal exportador de “bonsais” – nunca é demais repetir que se trata de uma
exportação inconsciente e involuntária, pelo que não constará da balança
comercial entre os dois países. Ao mesmo tempo é como se sentissem a necessidade
de se “exportarem” para cá, ou para qualquer outro local onde a pequenez não
seja factor dirimente de grandes feitos, ou que mate à nascença as suas
pretensões em se tornarem famosos, e que mostrem aos pais que afinal “valeu a
pena” não estudar para engenheiro ou para médico, e em vez disso ir atrás do
sonho. Tal como “bonsai” original é em si uma arte, são normalmente os
“artistas” a espécie de “pessoa bonsai” mais comum.
Primeiro
gostava de excluír desta equação os jogadores de futebol, que escolhem Macau
não tanto por motivos de pequenez, mas mais por pragmatismo; o futebol de Macau
pode ser o que é (ou que “não é”), mas aqui os clubes pagam. Pagam melhor? Não
sei, mas pagam, ponto final. É nas belas-artes que as “pessoas bonsai” atingem
toda a sua glória anã. Os cineastas, por exemplo, que em Portugal vêem as suas ambições esbarrarem de frente com o
IPACA, encontram em Macau a terra do subsídio na sua forma mais cândida, a do
“toma-lá-e-depois-não-digas-que-não-apoiamos-a-cultura”. Os artistas plásticos
montam ou promovem uma exposição, que por mais desinteressante ou banal que
seja tem sempre a cobertura dos média, e para os próprio média o conceito de
“notícia” é tal e qual como os “bonsai”: aqui tem uma dimensão considerável, lá
fora há quem a pise e nem dê por isso.
É assim
que neste ambiente em miniatura que os rodeia as “pessoas bonsai” não sentem a
necessidade de “crescer”, de evoluir, e passado pouco tempo chegam à conclusão
que afinal o seu tamanho é o ideal, e aí acomodam-se: querer crescer mais que
os outros é despeito, e a certo ponto é Macau que se torna pequeno,
aventuram-se de novo no mundo dos gigantes, e são recordados da sua pequenez.
Macau e o mundo são como uma loja de roupa onde só existem dois tamanhos:
destinado-a-ser-pequeno e maior-do-que-a-encomenda. Para quem não pode aspirar
a mais do que ser um “bonsai”, que os deuses protejam este pequeno jardim à
beira-China plantado, onde podem livremente florescer. E quem é que lhes vai
pedir mais do que isto?
Sem comentários:
Enviar um comentário