quinta-feira, 2 de abril de 2015

Na hora da morte de Manoel de Oliveira


Podia começar este artigo por "correndo o risco de ser desagradável..." ou rodear o que REALMENTE penso com floreados, mas como já sou "desagradável" (como toda a gente é, mas com o senão de me estar nas tintas para isso) e já tomei banho e não me apetece outro depois de me borrar de hipocrisia, aqui vão algumas palavras a respeito do realizador Manoel de Oliveira, desaparecido esta manhã aos 106 (cento e seis) anos.

Em primeiro lugar, Manoel de Oliveira era um "mestre", tal como muitos se referem a ele, e eu subscrevo. Um mestre da vida, isso sim, pois acima de todo o resto que se possa pensar, viveu 106 anos e a sua carreira estendeu-se de 1931, data do documentário "Douro, fauna fluvial", até hoje, dia 2 de Abril de 2015, data da sua morte. Só por isso mereceu o respeito quer dos portugueses, todos eles, quer de alguma crítica estrangeira, para quem era mais conhecido por "o realizador mais velho do mundo em actividade". E não fez a coisa por menos, pois por alturas da sua última longa-metragem "O Gebo e a Sombra", de 2012 tinha 103 anos completos. Se lerem as (poucas) críticas estrangeiras ao filme, vão reparar que começam sempre exactamente com essa menção. A idade de Manoel de Oliveira e o facto de ser o único realizador cuja carreira atravessa-se desde o cinema mudo à era digital relega tudo o que se possa dizer a respeito da sua filmografia para segundo plano - e é difícil chegar a um consenso.

A pessoa de Manoel de Oliveira, e poucos sabem disto, tem uma história que talvez desse um filme muito mais interessante que alguns dos filmes do próprio. Vindo de uma família abastada, com uma fortuna obtida na indústria fabril, muito desse património seria alienado com o 25 de Abril, e Oliveira passaria a partir daí a dedicar-se de corpo inteiro à realização. Só para que se tenha uma ideia, realizou mais longas-metragens entre 1985 e 1993 do que nos 43 anos que se seguiram a "Aniki Bobó", o seu primeiro trabalho fora da área do documentário e da curta-metragem. Tido como um experimentalista e bebendo da influência do cinema francês, recorreu amiúde a autores portugueses e estrangeiros para os argumentos, transpôs para cinema obras de Agustina Bessa Luís e foi buscar inspiração a autores tão diversos como Camões, Goethe ou Nietzsche. A sua resiliência valeu-lhe o reconhecimento internacional, mesmo nunca tendo sido nomeado para um Oscar da Academia, provavelmente um dos poucos da sua geração a não obter esse reconhecimento. Mas aí está, isso levaria-nos a tecer considerações sobre a obra no seu conteúdo, e aqui pode-se dizer que a morte do realizador não terá o mesmo impacto em termos de vendas do que teria um escritor famoso, por exemplo. Mas isso faz parte do todo que foi a pessoa de Manoel de Oliveira, que temos que admirar pela sua persistência, nunca em busca do protagonismo, mas sempre com a sua arte em primeiro plano. Goste-se ou não dela, a ele há que se lhe tirar o chapéu.

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