À saída de mais um curto período de férias fora do território, deixo-vos com o artigo desta semana do Hoje Macau, esta semana um pouco mais cedo que o habitual. Até segunda-feira.
Das
recordações que guardo da infância e que comigo levarei da minha passagem pelo
mundo estão certamente os anos que vivi com a minha avó paterna, e da criacção
de animais de capoeira que mantinha no quintal nas traseiras da sua casa. Tomei
contacto muito próximo com animais desde que nasci, e que me recorde só deixei
de ter um cão já na idade adulta. Agora não tenho cão, não porque não goste de
cães, mas antes pela razão oposta: gosto tanto que não seria capaz de o fazer
infeliz, na eventualidade de não lhe poder dispensar a atenção necessária. Por
outro lado não aceito que alguém negligencie, abandone ou inflija maus tratos a
um cão ou a qualquer outro animal de sangue quente, que sinta dor, tanto ou mais
que um ser humano. Assim sendo penso que qualquer sociedade que se preze deve
dotar os animais de protecção legal contra a crueldade de alguns humanos, os
que persistem em não dar a outro ser vivo um tratamento humanitário. Repare-se
que aqui “humanitário” é no sentido de bondoso, benfazejo, e não significa
necessariamente que se tenha que tratar um animal da mesma forma que se trata
um ser humano. Esta é uma confusão que muitas vezes se tem feito e que tem
levado à perversão de uma ideia inicialmente boa – o que inicialmente foi pensado
para dotar os animais de protecção, tem sido usado pelos humanos como arma de
arremesso contra outros humanos.
Esta forma
de activismo é relativamente recente, datando ao início dos anos 70, pelo menos
de forma organizada. A ideia partiu de um grupo de filósofos da Universidade de
Oxford e ganhou rapidamente aceitação pública, muito graças às imagens fortes
que ilustravam o uso de animais em experiências médicas e científicas, ou a
crueldade dos abates nos matadouros ou ainda a lucrativa indústria de peles,
tudo evidências de que num mundo em situação de relativa paz, existia uma
espécie de “holocausto animal”, causado pela inconsciência e desprezo dos
humanos, com as suas práticas supremacistas que levaram à extinção prematura de
algumas espécies, bem como a danos irreversíveis nos biossistemas. Nos anos 80 o
mundo falava de um tal “buraco” na camada de ozono, de uma “consciência
ambientalista” e estava em marcha a reciclagem, após se perceber finalmente que
retirar da mãe natureza sem dar algo em troca levaria a que os recursos fossem
ainda mais escassos. E é isso que temos feito sempre, retirar da natureza
aquilo que precisamos, desde os alimentos aos combustíveis fósseis, passando
pelos metais, pela madeira e lá está, os produtos animais.
E são
exactamente os animais a face mais visível do consumo da natureza pelo Homem. E
porquê? Porque gritam, porque sofrem, porque sentem dor. Não porque eles nos
dizem, é evidente, e não passa pela cabeça de ninguém que uma vaca ou que um
porco se divirtam enquanto estão sujeitos a uma dolorosa e penosa matança
apenas porque vão ser convidados especiais num churrasco ou num banquete dado
pelos humanos. E é aqui que gostaria de regressar novamente à infância e
ao quintal da minha avó, onde como já se fazia criacção de animais ditos “de
capoeira”, nomeadamente galinhas, patos e coelhos. De todos os bicharocos que
habitavam no quintal o cão, ou neste caso a cadela, era de longe o mais
inteligente, respeitado por todos os outros, pois protegia-os dos intrusos e
colocava um pouco de ordem quando as galinhas se comportavam ... como galinhas.
E é aqui que eu queria: uma galinha não serve para mais nada senão para dar
ovos ou para ser comida; uma galinha não pensa, não faz companhia, não nos
diverte e nem sequer é um animal higiénico ou musical. Se amanhã as galinhas
fossem deixadas à sua sorte rapidamente se extinguiriam, pois nem de um simples
rato se conseguem defender. Já os coelhos, por exemplo, eram um caso especial.
Via-os nascer, crescer, e eventualmente acabava por comê-los. Isto pode parecer
horrível, mas só para quem nunca criou coelhos. Para mim o que estava no prato
feito à caçadora ou de cabidela não era o animal que vi crescer ou com o qual
convivi: era uma carcaça de animal destinada ao consumo dos humanos.
É claro que para se dar essa transformação convém
submeter o animal a uma morte rápida e com o menos sofrimento possível, mas lá
está para que é nos vamos lembrar disto para depois ir fazer comparações
descabidas com o Holocausto nazi? Uma galinha que vê outra morrer não tem o
discernimento de saber que mais cedo ou mais tarde o mesmo vai acontecer com
ela. Não é um animal racional, ponto. Não consigo entender como é que alguém
pode comparar tal e qual a morte ou o sofrimento de um animal com o de um ser
humano. Se me quisesse rebaixar a pensar dessa forma perguntava a estes
activistas e afins se os animais lhes agradeciam. Ai não? Ingratos, todos já
para a panela. É de louvar que alguém opte por ser vegetariano, mesmo sendo
discutível que no geral esteja a contribuir mais ou menos para o equilíbrio
ambiental. Eu não sou vegetariano mas não tenho nem nunca tive carro, e bens
vistas as coisas serei mais ecológico que qualquer vegetariano que conduz um
automóvel.
O problema com as causas, e neste particular o da
preservação das espécies ou do tratamento mais justo dado às mesmas peca por
excesso: quem não adere começa a ser visto como um “inimigo” de quem luta – e
aí está a palavra chave – por essa causa. Quando se chega a um ponto em que se
respeita mais a vida de um animal do que uma vida humana, dá-se a falência do
princípio inicialmente nobre, e gera-se um efeito preverso, com as pessoas que
querem contribuir para um mundo melhor a afastarem-se por não quererem ser
confundidas com fanáticos com queda para o terrorismo. Mesmo algo tão nobre e
justo serve para que os humanos se ataquem, se odeiem, e se acabem ressentidos.
E o que diriam os animais disto, se pudessem falar?
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