quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Romance/Hardcore: o regresso do mestre Vieira


Tenho que reconhecer que andei distraído, e o facto de estar aqui e não em Portugal justifica mais ou menos a coisa: o mestre Manuel João Vieira tem um disco novo, “Romance/Hardcore”, com os Corações de Atum. Já ouvi o disco todinho mas ainda gostava de ouvir mais umas dez vezes antes de ter uma opinião concreta. Contudo gostava de deixar algumas primeiras impressões.

“Romance/Hardcore” é um disco duplo, o que é bestial, pois é o primeiro disco de originais de Vieira desde “A Luta Continua” de 2004, com os Ena Pá 2000. Tinhamos saudades. Sendo aqui os Corações de Atum, seria de esperar um disco de temas suaves, estilo piano-bar, à semelhança de “Doutor Lello Minsk & Maestro Shegundo Galarza - Corações De Atum”, o primeiro disco deste projecto difícil de entender de Manuel João Vieira. Digo difícil de entender porque MJV é conhecido pela arruaça e o deboche que são os Ena Pá 2000 e os Irmãos Catitas, e estes Corações de Atum deixam a ideia que não, MJV é um gajo muito sério e um grande músico. Eu cá prefiro os Ena Pá 2000, que dão a MJV a liberdade que o seu génio criativo necessita.

“Romance/Hardcore” são portanto dois discos, um “romance” e outro “hardcore”. As duas faces do mestre: um disco de lindos poemas e melodias, e outro com caralhadas. O mestre explica que por vezes as rádios querem passar os seus temas, mas enganam-se no número do track e às vezes põem no ar canções “obscenas” (um conceito estúpido). Curiosamente aconteceu uma vez na Rádio Macau, quando Hélder Fernando ainda fazia as manhãs de Sábado. Ao passar o tema “Campo de Ourique” dos Irmãos Catita, o disco continuou até à “intro” do tema “Quadrologia Gitana”, que como os mais atentos sabem, é “Cona Cu Broche Minete”. Com “Romance/Hardcore” não existe este problema, pois basta colocar no ar o “romance” e fica-se 100% isento de caralhadas.

O “romance” abre com dois temas temas bastante fortes: “Eu gostava de (gostar de alguém)” e “Gosto de ti (realmente)", muito “radio friendly” (clicar nos links para ouvir as músicas). O resto do disco contém melodias e sambinhas, dos quais destaco “O borracho” e “Samba nº 1”. Existem dois temas comuns aos dois discos “Quando eu ganhar o totoloto” e “Strip-tease”. Bem, os temas são idênticos, mas as letras do lado “hardcore” são mais picantes. Pessoalmente gostei mais dos temas “Cowboy Solitário” ou “Suave é a noite”, canções bonitas que ficam no ouvido. Isto, recordo, para quem está disposto a levar MJV a sério.

No lado “hardcore” é que está o ouro deste disco. Os temas são também muito slow, piano-bar, mas as letras elevam a estética do disco. O mestre no seu melhor. “Euromilhões”, tema que abre o disco, começa com “Quando eu ganhar o euromilhões/vou tratar os outros como cagalhões/Quando tu me vires num topo de gama/Chupas-me a pichota fazes punheta de mamas”. Tudo dito, o disco levanta vôo e pelo ar fica até ao fim. Outros momentos altos são “Felícia a mulher polícia” e a versão “hard” de “Strip-Tease”. Foram recuperados os temas “Zé Gorila” e “O urinol” (que MJV tinha cantado com o King Kong Trio), mas ficaram de fora outros temas que podiam ter sido perfeitamente incluídos, como “Tudo ou vai pró caralho”, "Monte Gordo", “Não me piques pá” ou “Na Arábia Sodomita”. O tema “Máquina de foder” aparece em versão instrumental com o título “Máquina F”.

Mais um rasgo de génio do mestre Manuel João Vieira, este “Romance/Hardcore”. Fico à espera de mais, e de preferência dos Ena Pá 2000. E depressa.

Sem comentários: