sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Sushi ó vai-te embora



Hoje fiz uma coisa que se dissesse que nunca tinha feito estaria a mentir, mas posso dizer com toda a certeza que não me lembro da última vez que aconteceu: estava a almoçar com uma "amiga", e já explico o porquê das aspas, e a certo ponto levantei-me, fui-me embora e deixei a criatura a falar sozinha. As aspas, agora. Por "amiga" quero dizer uma daquelas pessoas que conheço e que lá de dois em dois meses, ou nem isso, lá vamos fazer um "update", mais conversa fiada sobre a vida alheia - e nem sequer é nada de comprometedor - como quem "pica o ponto". Foi num restaurante japonês no centro da cidade, e pode-se dizer que a certo ponto o "sushi" começou a azedar. Aliás opto sempre pelo sashimi, que o meu saudoso cãozinho Califa tinha direito a trica de melhor qualidade do que aquela tentativa de arroz que usam aqui no "sushi".

A conversa estava a ir bem, como sempre, "o normal", e o desagravo deu-se por altura do fim da refeição. Não interpretem a minha atitude como um acto de agressão ou falta de cavalheirismo, pois o que eu fiz foi marcar um autogolo para evitar ter que jogar o prolongamento. Já tinha acabado de saciar a larica fazia algum tempo, e a minha companhia teimava em cogitar uma prosa com mais preconceito do que sake e "wasabe" existiam naquele restaurante. E fui-me embora resistindo à tentação de lhe berrar, e fosse aquela uma pessoa que eu conhecesse mal ou não conhecesse de todo, diria até que andava a pedir uma galheta bem dada. É uma jóia de pessoa, mas tem os seus macaquinhos no sótão. E sabe ?, deus dos agnósticos, como me têm calhado tantos brindes desses na rifa ultimamente.

Tudo começou a propósito de alguém de quem falávamos, e comentei a respeito desse personagem que "conhecia mal, mas a sua esposa é deveras atraente". E antes que me esqueça, quero deixar bem claro que tenho confiança com a pessoa com quem falava para tecer este tipo de consideraç­ões na sua presença. Ela insistiu que o fulano isto e aquilo, e eu na minha: "pode ser que sim, mas a esposa dele distrai-me, sempre pronto". Eu não sou nem nunca fui cobiçador da fruta alheia, nem que a mesma caia madura à minha frente. Tenho por convicção que se duas pessoas se gostam, mas existe um compromisso que prende uma delas ou ambas, deve ser dissolvido antes de mais nada. E com isto incluo a mera separação, desde que seja efectiva, pois isso de divórcios, litígios e os outros processos que não correm mas antes jazem nos tribunais, só servem para atrapalhar a vida de pessoas que às vezes só querem andar para a frente com as suas vidas e serem felizes. Quem é separado em processo de divórcio - ou mesmo que ainda não tenha tratado disso - não é um inválido e muito menos um "adúltero". Ninguém é obrigado a fazer um voto de castidade durante meses, ou um ano ou às vezes mais porque os papéis ainda andam de Herodes para Pilatos, e é requerido "fair-play". Mas adiante.

Não deve ter sido por causa do meu comentário sobre "a mulher do próximo" que a minha amiga entrou em "tilt", pois tivemos no passado conversas do mesmo teor ou até mais indiscretas, e nunca aconteceu nenhum "derrapagem" como a de hoje. A verdade é de um minuto para o outro desata como que a insinuar que eu estaria a fazer uma espécie de elegia à promiscuidade, e de como todos os homens não sei quê, "são todos iguais", e de seguida passa para uma sessão do tribunal do Santo Ofício dedicada às mulheres adúlteras, e "aos homens que não se importam de partilhar com outro", e o resto abstenho-me de descrever, pois traria de volta o desconforto gástrico que apanhei logo a seguir ao almoço, que me deixou à beira da indigestão - vocês devem conseguir adivinhar, e de certeza que ficam perto. Interrompi aquele raciocínio que faria uma viúva beata militante tirar notas para mais tarde usar nas suas diatribes contra mulheres normais, saudáveis e felizes, ao contrário dela.

Primeiro ainda optei pela via da diplomacia, e até mencionei o Corão, o tal livro sagrado que segundo alguns hipnotiza quem o lê e causa-lhe uma vontade de se ir detonar levando com ele o maior número de infiéis possível, pois até na lei canónica islâmica é permitido uma mulher arranjar outro marido, logo que cumpra dois ciclos menstruais. E no fundo o que é a menstruação senão isso mesmo que o nome indica, o fim de um ciclo e o início de outro? Essa conversa de que se deixam "impressões genitais" em alguém é conversa de onanistas, falsos puritanos e os muito poucos que o são de verdade, e esses são uns frustradinhos, os "40 year old virgins" desta vida. São esses que para validar a repressão sexual a que foram e ficaram vetados arranjam metáforas imbecis contendo imagens do tipo "carne mastigada" ou sei lá o quê "em segunda mão". Ora essa, é de pessoas que estamos a falar ou de cães que fornicam na rua? Quando alguém bate à minha porta eu pergunto "quem é", e não "quem foi". Os livros da biblioteca é que vêm com uma ficha contendo a quantidade de pessoas que o requisitaram e quando.

Não me interessa nem quero saber o número de parceiros de ninguém, e muito menos se for da minha parceira, se for esse o caso. Essa mania das melhores só se pode mesmo explicar por algum sintoma persistente dessa doença lixada que é a "dor de corno". Uma relação mal resolvida, ressentimento à brava, e toca a descrever ao pateta que se segue como era o inquilino anterior, em HD, 3D e Surrounding Sound System, não deixando de fora nenhum detalhe, e descrevendo episódios de alcofa em pormenor. A sério, têm muitas saudades, podem ir por onde vieram. Já os homens são mais discretos neste aspecto, o que leva a que as parceiras se mordam de curiosidade quando se encontram com uma amiga dele, e fazem um rol de perguntas parvas quando bastava ir directo à única que não fazem, mas querem fazer: "já comeste esta gaja"? A única pessoa a quem eu confidenciaria o meu historial no que toca a encontros sexuais, quer no que toca à quantidade, preferência e orientação seria ao médico venereologista. E para chegar a esse ponto era necessário ter o corpo todo a estalar com bolhas provocadas por algum caso de gonorreia aguda.

E foi isso mesmo que causou o desconforto durante o tal almoço que até tinha decorrido pacificamente. Pegando na minha dissertação sobre as virtudes do ciclo menstrual como forma de "apagar os vestígios da presença de outros povos", a miúda atira com esta: "ai sim? e a menstruação também elimina coisas como a SIDA, a herpes e outras doenças venéreas?". E foi aí que me passei, sem que primeiro tentasse manter a compostura e explicar à rapariga o que quis dizer exactamente, ao mesmo tempo que lhe demonstrava que aquilo que tinha acabado de afirmar era um disparate dos grandes. Sabendo o que lhe esperava, e mortinha por ter razão quando nunca poderia ter razão alguma, não me deu a palavra, e ficou para ali a barafustar enquanto agitava o último camarão que faltava comer do "tempura" que tínhamos pedido. Como já tinha acabado ia para uns bons 15 minutos, apetecia-me um café e tinha mais que fazer, levantei-me e fui-me embora. Podia-me ter desculpado e pedido licença, explicando-lhe que ia à minha vida, mas como não me deixou, optei simplesmente por lhe virar costas. Atitude pouco digna de um cavalheiro? Se é isso que estão agora a pensar, fico com curiosidade em saber o que chamariam ao discurso que preferi não ficar a escutar até ao fim, sob pena de regurgitar logo ali o almoço.

Não é por nada, mas não devo ser a única pessoa que fica incomodada perante este tipo de presunções, insinuações e juízos de valor feitos com esta desfaçatez por alguém cuja legitimidade moral para os fazer desconheço e nunca poderia conhecer porque não sou mosca, e se fosse haveria certamente outro excremento onde eu preferisse ir chafurdar. A vida pessoal de cada um só a ele diz respeito, e quem faz tanta questão de relatar certos aspectos íntimos, para mim é suspeito (olha, rimou e tudo) -  quem tanto apregoa o que faz, só pode andar a esconder algo que não conta. E isto que acabei de fazer é uma presunção inocente, nem estou aqui a dizer quem ou o que faz, mas no caso daquela conversa abriu-se a jaula dos raciocínios preconceituosos, difamatórios e falaciosos. Quer dizer que quem tem mais que um parceiro sexual ou vários, ou mais que um no mesmo período de tempo, é necessariamente portador de doenças sexualmente transmissíveis? Ora essa, então não posso deixar que chova na minha horta porque a dos outros sofre com a seca? E o que sabem estas pessoas da vida dos outros para proferir estas afirmações camufladas de folhetim de prevenção médica.

E finalmente a cereja no topo do bolo de todo este desagravo que me fez comportar de uma forma que já nem sonhava vir a comportar-me: e por eu não condenar pessoas que têm vários parceiros sexuais, ou não achar a ideia do adultério abominável, quer dizer que aprovo e pratico? Vamos lá ver, não tenho nada contra os tipos que comem no cu, não é coisa em que pense sequer, ou fique a imaginar como é, e se for consentido por ambos (ou vários, conforme a receita) só a esses diz respeito. E isto quer dizer que "aprovo logo também gosto"? Eu prefiro outra dieta, mas quero lá saber o que comem os outros e onde, com quem e com quantos? Porque carga de água tenho que bater palminhas como uma foca que pede um carapau a demonstrações de ignorância e preconceito deste calibre? Imaginem o que seria a autoridade e a lei nas mãos de pessoas que determinam onde cada um deve meter ou levar, com quem, com quantos, e já agora como, porque não? Levanto-me e vou-me embora, acabou-se. Não me quero ouvir? Escrevo. Se leu entendeu agora, a razão porque está tragicamente errada, ó "amiga"?

E encontro este tipo de falácia do tipo "inversão do acidente" em muitas outras situações, como no caso da análise que tenho feito à Islamófobia. Se não apoio aquele arraial de disparate onde se edificam dia após dia monumentos à mentira e à injúria, quer dizer que "sou cúmplice". Ai sim? Então PROVEM! E não vamos por aí, que nem isto é uma troca de galhardetes, nem eu ando a chatear o mundo inteiro anunciando que fulano X ou Y "é inocente" - toda a gente é inocente até prova em contrário. Chama-se "presunção da inocência". Aqui nem sequer entra a questão da opinião diferenciada, ou de como vêem por aí alegando quando vos cortam o pio, "liberdade de expressão": assumir que alguém é um criminoso ou um potencial criminoso baseando essa ideia apenas na religião É CRIME, e está no Código Penal. Sabem o que é um "crime"? Brincalhões...

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