quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O recado de Furtado



Teve um grande impacto, a recente visita do secretário Alexis Tam às instalações do novo banco de urgência do Centro Hospitalar Conde S. Januario. É de lamentar que tanto se tenha deixado por fazer no que diz toca à saúde pública, ao direito inalienável de pelo menos permanecer vivo, mesmo sem muito bom ar, e o novo responsável da tutela deverá começar já a perceber a dura tarefa que vai ter pela frente - aparentemente o seu antecessor tinha preocupações assim mais...educacionais. Ou seriam educativas? As duas coisas, e ao mesmo tempo nenhuma; olha, queria "cantar loh...dançar loh...comer loh", e ficamos assim. Do muito que se disse, que se especulou, que foi deixado no ar e (não) ficou prometido, destaco as declarações do dr. Rui Furtado, que apelou à substituição do director dos Serviços de Saúde (SS), Lei Chin Ion, que segundo ele está no cargo "ha demasiado tempo". Pela mesma bitola alinhou o deputado Pereira Coutinho, mas num contexto mais relacionado com o desempenho daquele alto responsável da área da saúde. O que foi dito pelo presidente da Associação de Médicos de Língua Portuguesa de Macau, e foi como música para os meus ouvidos teve a ver com a tendência local para manter as mesmas pessoas "ad eternum" em certos cargos públicos - a tal "eternização da entronização" de que já aqui falei antes.

Sobre o que tem Lei Chi Ion em obra feita, desconheço, não por desprezo ou por ignorância, mas por não seguir de perto o que ele. Tenho sempre o máximo de cuidado antes de afirmar que fulano ou sicrano "não faz nada", pois já aconteceu seguir pessoas de quem muita gente dizia o mesmo e afinal parece que falar da pedalada alheia é mais fácil do que acompanhar o seu ritmo. Contudo há muitos bons directores, chefes de departamento, etc. com uma propensão para a asneira tamanha que por muito bem que façam, dificilmente conseguem disfarçar o cheiro a caca que deixaram antes, ou durante, ou ainda depois. Aqui o "ou" dá normalmente lugar ao "e". A verdade é que há muito boa gente com falta de preparação para o cargo que desempenha, e se não consegue disfarçar a inaptidão dotando-se de uma boa equipa que o auxilie, rapidamente se descobre a careca. Mas Lei Chi Ion é fruta de cima do cesto, pois ainda aqui atrasado recebeu do Chefe do Executivo uma medalha-de-mérito-qualquer, daquelas que o CE anda sempre com algumas no bolso no caso de ser necessário encher a câmara-de-ar a um qualquer ego mais incompleto.

Contudo, e assim de repente, recordo-me de um "faux-pas" dos SS, e ainda no ano passado, quando uma funcionária desses serviços permaneceu num local onde não estava autorizada, e para mais a fazer o papel de espiã. Claro que me estou a refirir ao caso do jovem que teve uma queda na escola há alguns anos, e de tanto andar de Herodes para Pilatos da Saúde de Macau, viu a sua situação agravar-se, e requer agora tratamento especializado, demorado e dispendioso que só pode obter aqui ao lado em Hong Kong. Se o dr. Lei Chin Ion não estava a par desta situação porque "não é Deus e não pode estar em toda a parte", não foi com toda a certeza por estar ocupado a resolver os gravíssimos problemas com que se debate a saúde em Macau. Mas enfim, quem sou eu para falar? O dr. Lei Chin Ion recebeu uma medalha de mérito pelo seu trabalho, e a única que eu tenho para ostentar é a nódoa do caril que me caíu na camisa toda branca da Mizuno que tenho ali dentro do guarda-roupa. Portanto, e aplicando o critério "lógico" de algumas cabecinhas pensadoras aqui do burgo, e que vai conseguindo ter uma respeitável adesão, o que o dr. Lei Chin Ion faz é a oitava maravilha, e o que ele diz é o 11º mandamento, e quando eu abro a boca o melhor é vocês fugirem para bem longe, pois nem mil sessões de psicanálise seguida de uma lobotomia e sessões de electrochoques conseguem apagar a asneira que desse esgoto com língua e dentes acabou de rastejar até à luz do dia. (Reparem que me refiro sempre a Lei Ching Ion como "doutor", pois antes de descobrir que ser manga-de-alpaca e espertalhão é mais lucrativo e menos cansativo que trabalhar, exerceu a profissão de médico).

Mas o que o dr. Rui Furtado queria dizer e da forma como eu entendi as suas palavras, isto vai muito para além de Lei Chin Ion ou de qualquer outro indivíduo: é uma questão de deixar a pedra rolar para não criar musgo. O director dos SS podia ser o melhor tecnocrata do mundo, melhor médico que o Dr. House - a prova de que médicos assim não existem, são ficção - que a hora de sair e dar lugar a outro, com ideias senão melhores, pelo menos diferentes,  acabava sempre por chegar. Este é o grande problema em Macau: só se substituí quem faz merda da grossa, e mesmo assim se conseguir manter a asneira em sigilo ou tem as "costas quentes", ainda se consegue safar. Para cumprir um cargo de chefia com 100% de competência e eficácia, basta não fazer nada, na-da, nadinha, nem a ponta de um corno. As subunidades afectas à sua direcção abrem as portas às nove da manhã, mais minuto, menos minuto, e funcionam até por volta das seis da tarde todos os dias úteis? Porreiro. Não saíu nos jornais nenhum escândalo delirante relacionado com o seu consulado? Excelente, grande trabalhor! Toma lá uma medalha!

Pois é, é a tal cultura da "face", que chatice, fica mal ao senhor regressar ao posto que ocupava antes da posição de chefia para que foi nomeado em comissão de serviço, e posto nestes termos até parece que vão-lhe atirar com fruta podre quando estiver a passar na rua. Posto isto temos técnicos estagnados, colados ao lugar, e mesmo sendo gente competente, trabalhadora e diligente, chega a um ponto em que a prioridade é defender a posição dos "invejosos"  que o querem derrubar e usurpar o trono - estes "invejosos" podem ser reais ou imaginários. Reparem que estamos aqui a falar de cargos públicos, os tais em que toda a gente trabalha para o mesmo colectivo, o Estado. Quem se mantém numa posição de decisão e liderança durante 15, 20 ou mais anos vai mudar o quê? O que ele próprio fez? Porquê, está mal feito? O problema não é tanto a falta de experiência, ou quem fez o quê, ou quem tem a melhor ou a pior acessoria, meus amigos: é cultural. Pior do que isso! É mental.

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