Como os leitores devem ter percebido (até porque não me cansei de dar publicidade a esse facto) estive fora de Macau nos últimos dias, numa sempre retemperadora e recomendável mudança de ares. Apesar de ter-me feito maravilhas ficar na total ignorância sobre o que se passa em Macau durante o primeiro dia e meio, resolvi dispensar meia-hora diária para me inteirar da actualidade da RAEM, e como não podia deixar de ser, as declarações do deputado Fong Chi Keong na AL a semana passada continuam a dar que falar. Por entre o rufar dos tambores da indignação da parte de uns (andamos hiper-sensíveis, pelo que vejo) e o habitual silêncio tácito de outros, surgem notícias de uma manifestação marcada já para amanhã, Sábado, organizada pela Associação Consciência Macau, liderada por Jason Chao, que conta já com o apoio de outras associações, prevendo-se que mobilize alguns milhares de pessoas. A imprensa em língua portuguesa aproveitou para mandar as suas larachas - e o terreno era fértil para o efeito - mas apenas José Rocha Dinis, mesmo que enveredrando por outro caminho, toca no ponto essencial: o factor político e as consequências que as declarações de Fong Chi Keong poderão ter para o homem que o nomeou, Chui Sai On, Chefe do Executivo.
É preciso ter as vistas muito curtas para pensar que se organiza uma manifestação apenas por causa das palavras de um indivíduo que já deu provas de que sofre de algum tipo de retardação mental. Pode ser esse o mote, mas as palavras de ordem que se escutarão amanhã nas ruas serão contra o Executivo no seu todo, e o seu responsável máximo em particular. Já tinha referido
neste artigo em Outubro de 2013 que Chu Sai On estava a dar um tiro no pé quando nomeou Fong Chi Keong - ninguém com o mínimo de sensibilidade política nomeia Fong Chi Keong. É como se o deputado fosse um inimputável, um menor em risco, e é lógico que a conta apareceria sempre na casa do "encarregado de educação". É um facto - como Rocha Dinis aliás destaca - que no passado tivemos deputados nomeados de elevado calibre, e que esta forma de representação no hemiciclo serve (ou devia servir) para equilibrar a sua composição, deixando representados sectores que as vias directa e indirecta deixam de fora. Eu diria mais: seria uma excelente oportunidade para que Chui Sai On elevar o nível da AL, chamando pessoas com capacidade, disponibilidade e valências técnicas que supram as lacunas deixadas pelo (normal) populismo do voto directo e a intransigência dos interesses que os deputados indirectos representam. Ao fazer desta função que a Lei Básica lhe incumbiu uma mera distribuição de assentos pelos que ficaram de fora das outras duas vias, o CE retira-lhe qualquer nexo.
Não estou a ser do contra, e podem interpretar isto da maneira que quiserem: não fiquei chocado e muito menos supreso com as declarações de Fong Chi Keong. Vindo de quem no passado afirmou em plena AL que os jovens de Macau "não prestam", teceu comentários homofóbicos e basicamente acha que está tudo bem em Macau porque a vida lhe corre de feição, e quem se queixa "não tem nada que fazer", espera-se o quê? Engraçado como algumas das suas tiradas até se encaixam no carácter de muito boa gente em Macau, que julga que a sua medida deve ser aplicada a toda a gente como a mais correcta e o exemplo a seguir. Entendo que as senhoras se tenham sentido particularmente ofendidas com esta verborreia que lhes foi especialmente dedicada, mas não vi nenhuma das 7 (sete) representantes do chamado "sexo fraco" presentes no hemiciclo a insurgirem-se contra o deputado. Estariam distraídas? Será que na versão chinesa as palavras de Fong Chi Keong têm menor impacto? Já me disseram que não, mas também me disseram que a cultura Ocidental é muito menos tolerante ao conceito tradicional de "família" exposto pelo deputado. Ou será que "quem cala consente", e quer Melinda Chan, Angela Leong, Ella Lei, Song Pek Kei e companhia até apreciam um toque mais "agreste" nos seus relacionamentos familiares? Duvido. Estavam-se nas tintas, é o que é. Estes diplomas da estirpe do da violência doméstica, dos direitos dos animais ou qualquer com o mínimo de pendor social são um enfado para esta gentinha. Não é para isso que eles ali estão, e os mais atentos sabem disso muito bem. Nem dá para definir sequer o papel social dos deputados da AL, que parecem viver num mundo à parte do resto da população.
Era pertinente - e não me canso de dizer isto - que fosse outro deputado com meia dúzia de neurónios funcionais a questionar a unanimidade com que esta lei passou, sem que se levantasse uma dúvida que fosse à sua aplicação no concreto. É claro que precisávamos de uma lei destas, própria de qualquer jurisdição moderna e com gente que se quer civilizada, mas como é que se vai usar tão precioso bem? Convido-vos mais uma vez a ler o texto da proposta de lei,
aqui, e reparem como o Instituto Acção Social fica dotado de poderes quase equiparados aos de uma autoridade civil. Temos técnicos em Macau com capacidade técnica para analisar cada caso com rigor, e evitar que se cometam injustiças? Quais, os que ainda tão recentemente como no início deste mês disseram "não entender" como foi possível centena e meis de jovens serem aliciadas pela internet por alguém que se fazia passar por agente do mundo da moda? Isto é a instituição da família de que estamos aqui a falar, e se há algo que a pantomimice de Fong Chi Keong veio provar é que a lei é ela própria tintada de preconceito: a mulher é a vítima. Se a "vítima" for um homem, passa por frouxo, e as crianças nem voz têm na matéria. Seria interessante fazer um inquérito entre os menores de 16 anos do território para saber quantos estão a par da votação da legislação contra a violência doméstica - ou se entendem esse conceito propriamente dito.
Mas para já do vendaval político que foram as declarações de Fong Chi Kong - o pretexto, não as declarações "per si" fica Chui Sai On com a casa virada do avesso: menos de seis meses após a sua conturbada recondução no cargo e menos de três meses depois de ser empossado, duvido que Pequim veja com bons olhos um 25 de Maio transformado num 24 de Janeiro. Dificilmente o sr. deputado fala-barato se demite, como sugeriu Rocha Dinis (e como faria qualquer político decente, e aqui estão dois adjectivos que não combinam com Fong Chi Keong), e no máximo arranja-se um acordo de bastidores, como aconteceu com Cheong U. No mínimo não lhe dão a concessão das obras do Governo, como vinha sendo sendo da prache. Vá lá, pronto, dão-lhe só duas ou três. Quem se fica a rir é Jason Chao e a oposição ao Executivo; a oposição-extrema, que Macau é uma terra de extremos. Entre um extremo e o outro estamos nós, uns acomodados, outros nem por isso, e já nem a tábua de salvação que eram as receitas do jogo parece aguentar o peso das "faces" que teimam em nunca se entender na hora de uma dar a outra. Resta-nos então continuar a ver quem coloca a mais bonita faladura. Por enquanto...
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