Despertar. Outra vez, mais uma maldade, mais um castigo, mais três dias de inquietude, e noites de desassossego insone - a bem-aventurança, a êxtase dos poetas. Só que não sou poeta; que tolice a minha, pretensioso sim, afectado talvez, mas poeta? Nem rimar sei, e que prosa é esta, afinal, tão rasteira, tão reles que não se quantifica, ninguém a quer. Nada mais sou senão um cabotino prolixo, um néscio loquaz, para dândi falta-me de elegante o que se sobra de fanfarrão. Mas tem também pena de mim, deste simplório, tão friável que sem a tua simpatia se esboroa, tão inconstante e volúvel sem o teu sorriso, que de tanto querer, de tanto amar resvalou no descontrolo, na boçalidade que vetas agora ao desprezo. A minha fereza é a de um tigre-de-papel, as corres garridas que ostento desbotam à primeira lavagem, o sangue ferve e daí toda esta imprudência, esta brusquidão, esta paixão louca a que chamas apenas "grosseria". Se do "sim" já perco toda a esperança, resta agarrar-me ao "talvez", e é isso que me segura pelo dias de inquietude e as noites de desassossego, até que as forças se esgotem e o corpo ceda, e mergulhe na letargia que me separa de tudo isto mais uma vez, vezes sem conta, sempre, sempre sem parar. Até ao próximo despertar.
Sem comentários:
Enviar um comentário