quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Santos da casa



Fernando Santos tornou-se no início o novo selecionador nacional, substituíndo assim Paulo Bento, despedido no último dia 11, poucos dias após a derrota em casa frente à Albânia no primeiro jogo de qualificação para Euro 2016. Fernando Santos, apesar de não ser uma escolha consensual, seria provavelmente entre os disponíveis o treinador com maior currículo - mesmo que mais formativo do que propriamente somativo. Com 60 anos de idade e 27 como treinador de futebol, conquistou seis títulos, e cinco deles durante os três anos em que treinou o FC Porto, entre 1998 e 2001. Foi depois de sair dos dragões que foi para a Grécia onde adquiriu um estatuto "de culto", e só se pode entender desta forma, uma vez que o único título conquistado foi a Taça da Grécia em 2002, com o AEK Atenas, o que mesmo assim não o impediu de ganhar o prémio de melhor treinador do ano quatro vezes até 2010, e eventualmente ser considerado o treinador grego (!) da década. Pelo meio ficaram passagens menos bem sucedidas pelo Sporting e pelo Benfica, de onde seria demitido, mas que lhe valeram um raro "triplo", como treinador principal dos três grandes do futebol português. Mas é na Grécia que adquiriu estatuto de super-treinador, e passou a tomar conta da selecção helénica em Julho de 2010, substituíndo o mítico Otto Rehaggel, e ali conseguiu fazer história ao levar o país pela primeira vez à fase seguinte de um mundial de futebol, este ano no Brasil. Estava actualmente suspenso por oito jogos após ter sido expulso contra a Costa Rica.

Pelo que se tem visto na imprensa e pelas reacções em geral, Fernando Santos não aparece como nenhum "salvador", até porque se estivessemos aqui a falar de um naufrágio, teriamos que contar com uma tripulação competente, que não ficasse à espera que o capitão os levasse ao colo, um a um. Após o mundial do Brasil, quando a continuação de Paulo Bento ainda não era definitiva (e não seria, mas por outros motivos), a maioria dos adeptos portugueses gostaria de ter José Mourinho como selecionador. Aqui pode-se aplicar a máxima "sem ovos não se fazem omeletes", e salvo raras expcepções, o sucesso à frente de um clube dificilmente se transfere para as selecções - única excepção de que me recordo ultimamente será a de Vicente Del Bosque, que venceu a Liga dos Campões pelo Real Madrid em 2000 e 2002, e o mundial pela Espanha em 2010. Ao selecionador cabe sobretudo ter conhecimentos técnicos, e avaliar em conjunto com os restantes técnicos nacionais quais os jogadores em melhores condições e selecioná-los.

Infelizmente Portugal, e mais pela sua dimensão do que por outro aspecto, terá inevitavelmente passar por fases de renovação, e ultimamente os clubes grandes (Benfica, FC Porto e Sporting) têm desinvestido nos jogadores nacionais, o que torna a escolha mais limitada, não havendo hoje uma "geração dourada" dos tempos em que o onze nacional era composto na maioria por jogadores de clubes do topo do futebol europeu. Conseguimos uma grande sucesso já neste milénio graças aos jogadores da formação nos anos 90, o que nos permitiu ir já na oitava competição internacional consecutiva, algo impensável há 20 ou 30 anos. A realidade agora é outra, temos o melhor jogador do mundo, mas existe um enorme déficit em várias posições, onde outras selecções têm por vezes um leque variado de opções mas a nossa selecção chega a precisar de improvisar. Por muito que custe dispensar um Verão de dois em dois anos sem apoiar a selecção, é possível que Portugal tenha que passar mais cedo ou mais tarde por uma "travessia do deserto", e ter mesmo que ficar sem disputar um torneio internacional. Olhemos para um exemplo próximo do nosso, a Bélgica, que falhou todos os torneios entre 2002 e 2012. Não é preciso tanto para nós, talvez, mas não seria de todo uma fatalidade - seria apenas "normal".

Outro aspecto muito comentado, infelizmente - e digo infelizmente pelo facto de ser propelado e não haver quem o refute, o que só pode querer dizer uma coisa - é o da forte influência dos agentes desportivos, os empresários dos jogadores. Vivemos num país livre e democrático, cada um tem direito à iniciativa privada, e desde que cumpra a lei pouco importa quem gosta ou não gosta. O que devem os responsáveis da selecção ponderar é se querem os adeptos do seu lado, ou se preferem os cifrões. Se escolherem a segunda hipótese é possível que os muitos portugueses que apoiam sempre a selecção comecem a virar as costas, pois quem joga para ganhar em numerário, não jogará sempre para ganhar em campo. A minha esperança - e recordo que estamos num grupo difícil, com a Sérvia e Dinamarca - é que o problema fosse mesmo Paulo Bento, que já causava um evidente mal-estar. É que só assim quer Fernando Santos, Mourinho ou um sem-abrigo à frente da selecção fará sempre melhor. São os jogadores que correm atrás da bola, e como pessoas são também corrompíveis. Basta fazer esta gestão então, e para Fernando Santos boa sorte é o que todos lhe desejamos.

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