terça-feira, 4 de março de 2014

Os sons dos 80: Waterboys


Da Escócia para o mundo: não eram os Johnny Walker, mas chamavam-se Waterboys.

Aqui começo já por confessar que sou tendencioso, pois gostava muito dos Waterboys. Em termos do chamado "rock céltico", este grupo escocês fica muito a dever aos meus ídolos, os Pogues, mas têm o mérito de ter primado pela originalidade. Além disso tinham um líder e vocalista igualmente carismático, bem como bêbado, com várias gramas de álcool a correrem-lhe na veia poética. Assim em 1983 o tal "frontman" de que falo, Mike Scott, um natural de Edimburgo, funda os Waterboys, com músicos escoceses, ingleses e irlandeses. Scott havia pertencido a alguma bandas da sua Escócia natal em finais dos anos 70 e inícios de 80, e durante uma dessas aventuras conheceu Anthony Thistlethwaite, um saxofonista com quem viria a a co-assinar alguns dos temas mais conhecidos dos Waterboys, nome com o qual assinam com a editora Ensign Records, e começam a trabalhar no primeiro álbum de originais. O nome da banda foi escolhida de uma passagem da canção de Lou Reed "The Kids", do seu álbum "Berlin" - I am the Water Boy, the real game's not over here/But my heart is overflowin' anyway/I'm just a tired man, no words to say.


Assim em Julho desse mesmo ano sai o homónimo "The Waterboys", com um som menos inspirado nas sonoridades do "folk" celta, mas mais inspirado em Patti Smith, Bob Dylan e David Bowie. O grupo não queria ser confundido com um número de música tradicional e aproximar-se antes do público mais jovem. O registo de estreia foi bem recebido pela crítica, que elogiou a energia de Scott, bem como o seu talento para a escrita de canções, e chegaram a ser feitas comparações aos U2. Dos temas que compõem o disco destacam-se "December", "I Will Not Follow", ou este "A Girl Called Johnny", que viria a ser também o primeiro single do grupo.


Depois do disco de estreia, os Waterboys partem em digressão pela Europa, sendo Frankfurt, na Alemanha, a sua primeira paragem. Com muitas ideias na cabeça e ávido de deitá-las cá para fora, Scott grava com os Waterboys o segundo álbum logo em 1984, "A Pagan Place", que já estava quase pronto antes da saída de "A Girl Called Johnny" como single. Este é um disco que marca a transição da banda para um som mais próprio, muito singular, com temas locais que facilmente se podiam traduzir a um nível mais generalista e global. Lembro-me de um amigo me ter gravado este disco por volta de 86/87, e fiquei impressionado com a força das duas primeiras faixas, "Church Not Made With Hands" e "All The Things She Gave Me", que me deixaram preso ao resto do álbum. Depois o grupo volta à estrada, e essa é uma das suas principais características: dar primazia à divulaçã ao vivo do trabalho da banda. Era aquilo que Scott chamava de "The Big Music", que por sinal era um dos temas fortes de "A Pagan Place".


A ascensão ao estrelato chegaria em 1985 com o terceiro álbum, "This is the Sea", que contém este "The Whole of the Moon", provavelmente a canção mais conhecida dos Waterboys. Uma curiosidade interessante prendia-se com o estatuto de culto a que o grupo foi remetido desde o início. "This is the Sea" foi o primeiro álbum a entrar no top-40 do Reino Unido, e mesmo este "The Whole of the Moon" não passou do nº 28 da tabela de singles. Talvez seja o meu ouvido que esteja defeituoso, não sei, mas esta é para mim uma grande canção em qualquer parte do mundo. Curiosamente em Portugal o álbum foi nº 2 do top, o que prova que talvez não seja tanto um problema da própria música dos Waterboys que justifique o facto dos ingleses não simpatizarem com eles ao ponto de lhes comprar os discos. Será porque tinham um vocalista escocês?


Este "This is the Sea", que é considerado o melhor disco dos Waterboys, era muito mais que "The Whole of the Moon". Outros temas fortes incluíam "Be My Enemy", o poético "Spirit" ou o tema que dava o nome ao disco, que era também a faixa que o encerrava. No entanto qualquer fã da banda de Mike Scott que se preze tem um carinho especial por este "The Pan Within", que descreve de forma ímpar um encontro romântico. Uma daquelas canções que noutro tom daria um clássico da música "irópita", mas que aparentemente continua a ser um segredo bem guardado - de todos os videos que encontrei no YouTube (não existe um autêntico) o mais visto tinha apenas 230 mil visualizações. Fica só entre nós, portanto.


Seguem-se dois anos de tournés intensas até ao novo registo de originais, que surgiria em 1988. Muito aguardado pelos fãs, "Fisherman's Blues" marca a viragem dos Waterboys para um som mais tradicional, mais próximo das raízes célticas, uma tendência que se viria a acentuar no trabalho seguinte. Scott começava a ser conhecido por "aquele tipo que precisa de um corte de cabelo", e escreve temas dedicados ao mar, como este "Fisherman's Blues" ou "Strange Boat", e uma simpatico dedicatória às namoradas, em "And the Bang on the Ear" (terão mesmo existido, aquelas meninas de que ele fala nesse tema?). Para o disco gravam ainda uma versão de "Sweet Girl", de Van Morrison, e uma adaptação do tema tradicional "When Will We Get Married". A verdade é que "Fisherman's Blues" é o trabalho mais vendido de sempre dos Waterboys, e chegou a nº 13 no Reino Unido, além de uma salutar entrada no top-100 da Billboard, onde foi nº 76.


Em 1990 sai "Room to Roam", uma parada de canções com inclinação "folk", onde de entre algumas canções da caneta de Scott que viriam a fazer parte da galleria das melhores dos Waterboys (aA Man is in Love", "How Long Will I Love You", "The Bigger Picture"), estavam ainda muitos temas tradicionais. Entre estes destaque para "The Raggle Taggle Gypsy", um conto da tradição oral das terras altas que passou para a Inglaterra e para as Américas, e que nos conta o amor entre um nobre fidalgo e uma jovem cigana. A versão dos Waterboys é praticamente considerada a oficial, actualmente, e aqui podemos vê-los a interpretá-la no festival de música céltica de Cambridge, em 2007. Apesar da grande qualidade de "Room to Roam", o impacto nos "tops" fica aquém de "Fisherman's Blues", e é o início do declínio do grupo. É caso para dizer que Scott e os seus amigos são uns génios incompreendidos.


Velhos são os trapos...e pelos vistos os Waterboys, também.

Em 1993 os Waterboys gravam "Dream Harder", que é um fracasso comercial e uma desilusão para os fãs, apesar de tentarem capitalizar em "The Pan Within" com "The Return of Pan" - há coisas em que é melhor não mexer, para não estragar. Posto isto o grupo termina, e Scott tenta uma carreira a solo, mas sem sucesso, e volta a reunir o grupo em 2000. Os Waterboys vão continuando a graver esporadicamente, e a dar concertos - especialmente isso - apelando à memória dos que nos anos 80 se recordam destes irreverentes e originais rapazes sediados na Escócia.

1 comentário:

Miguel disse...

Do melhor som que se fez nos anos 80! E, sim, o Pan within é dos grandes hinos da minha juventude! Gracias por relembrares neste espaço este sonoro que, num dia destes triste e cinzento, soa maravilhosamente bem!