Macau foi, é, e pelo andar da carruagem será sempre um ponto de passagem de topo o tipo de gente das mais diversas origens, etnias, nacionalidades, culturas e denominações religiosas. A esmagadora maioria da população é composta por "residentes de Macau", cujo grosso é composto por indivíduos de etnia chinesa, cujos pais, avós ou bisavós nasceram no continente chinês - são os tais "oumunyan", ou "chineses de Macau", que se distinguem dos "macaenses", designação que implica o cruzamento com outra das comunidades que integram a população de Macau, especialmente a portuguesa. A maior parte dos actuais "oumunyan" descende de refugiados da Guerra do Pacífico, em finais da anos 30 do século passado. Uma das características que distingue estes "oumunyan" é o facto de possuírem a nacionalidade portuguesa, que até 1980 era adquirida por inerência - bastava ter nascido em Macau - mas que depois da abertura das fronteiras com a R.P. China passou a obedecer a critérios mais rigorosos. Até ao ano de 1999, data da transferência de soberania, os "oumunyan" e os macaenses, este mesmo sendo uma minoria, eram os legítimos "donos" de Macau; seriam eles as "gentes" que entram na máxima do princípio estabelecido pelo segundo sistema de "Macau governado pelas suas gentes, com um elevado grau de autonomia".
Mais de 14 anos depois da luminosidade do sol da liberdade que despontava no horizonte, e que anunciava pelo menos 50 anos de "elevado grau de autonomia", foi dos próprios "oumunyan" que partiu o prejuízo que Macau tem vindo acumulando, e que um dia se arrisca a pagar de uma vez, com juros e correcção monetária. As tais "gentes", representadas pela mais fina das suas natas, elegeram um filho seu para conduzir os destinos do navio acabadinho de baptizar, e depois de um estado de graça e alguns apertos onde se salvou alguma "realpolitik" bem conseguida, vem o fartote dos casinos de Las Vegas, entra muita nota (muita nota mesmo), e o navio que navegava a todo o vapor bate subitamente num inesperado "iceberg", na forma de um secretário muito guloso, que viria a ser denunciado pelos "invejosos" de Hong Kong. Esses vizinhos desnaturados, que tanta inveja têm do nosso sucesso, e que não perdem uma oportunidade para dizer mal. Vejam só que agora até reclamam com os turistas do continente chinês, que para eles "são demais". Olhem aqui para o vosso lado, meus meninos: em Macau a regra é a da bagageira cheia - apertando cabe sempre mais uma mala. E se a China nos continua generosamente a mandar tantos visitantes, é porque os "oumunyan" e os seus representantes estão a fazer um bom trabalho, isto independente de não se saber muito bem para onde aquele dinheiro todo vai. Há quem suspeite de umas tais britânicas, que são virgens e têm água a rodeá-las por todos os lados. São rumores, apenas. Diz-que-disse, má língua.
O filho do grande homem que liderou os primeiros "oumunyan", um patriota que se opôs ao jugo colonizador do invasor estrangeiro, fazia um bom trabalho, e ao primeiro grande sinal de contestação revelou o seu génio politico, distribuíndo cheques pela população. Ena, ena, upa, upa, que finalmente os "oumunyan" e restantes portadores de BIR puderam usufruír directamente das receitas bilionárias dos casinos. Pouco importa que depois disso a inflação tenha disparado, a compra de habitação própria se tenha tornado proibitiva, o sistema de saúde se tenha degradadado, tal como o ambiente e o trânsito, e que não se encontre solução para a decadência dos bairros antigos. Em vez disso vendeu-se o centro histórico às grandes marcas e aos turistas, empurrou-se a maior instituição de ensino para fora dos limites de Macau, e deixou-se a economia basicamente toda nas mãos dos monopólios e de meia dúzia de empresários. Esses empresários que representam os "oumunyan", os Leonéis, Gabriéis e outros fiéis da nomenclatura dizem-nos que "assim é que está bem", ou que "é isto que Pequim quer". E quem somos nós para duvidar deles, tão bem intencionados e dispostos a gastar o seu precioso tempo a lutar pelos interesses de Macau? E por falar em nomenclatura, a continuidade da mesma ficou assegurada com o novo chefe, estreado em 2009, e que garante que pelo menos até 2019 fica tudo como está, e depois logo se vê, pois para eles há por lá umas virgens a precisarem de ser desfloradas, e os que cá fiquem que se amanhem como puderem.
"Foram-se os piratas, vieram os ladrões", dizem os "oumunyan" com humor. Teria certamente muito mais piada se não fosse pelo facto de pelo menos os piratas, por entre o saque, uma perna de pau, um olho de vidro e uma cara de mau, deixaram algumas pistas de como exercer o tal "elevado grau de autonomia" com que os "oumunyan" foram dotados, e para o efeito até os equiparam com leis mais ou menos bem feitas, e que têm sido executadas com menos eficácia do que mais. Os ladrões são...bem, são ladrões, só isso. Mas o que importa, se o imediato sabe tão bem, e este ano há outra vez cheques? A maior preocupação? Que haja tranalho para os "croupiers" locais, que em matéria de preocupações, deve ser inédita em qualquer país ou território do mundo inteiro. Eleições? Sufrágios directos? A gente não quer saber de política, o que interessa é a Economia - isto apesar de não entendermos nada nem de uma coisa nem de outra. Meus amigos "oumunyan", este chão que os "piratas" vos deixaram, que agora custa dez vezes mais, vale dez vezes menos, e é partilhado por dez vezes o número de pessoas que antes, é vosso. Convém reflectir se trataram bem dele ou não. Se o grau de autonomia é, como dizem, "elevado", resta saber a partir de onde. É que para um anão, um metro e meio e já considerado "elevado"...
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