Depois do êxito da telenovela "Gabriela, Cravo e Canela", inspirada na novela homónima de Jorge Amado no Portugal dos anos 70, as portas ficaram abertas para uma "invasão" de produtos da cultura brasileira. Cultura salvo seja, pois algumas dessas telenovelas eram verdadeiros enlatados que pouco ou nada tinham a ver com a nossa realidade ainda um tanto ou quanto cinzentona, mas outro "produto" que chegava do outro lado do Atlântico era a música. A música brasileira, quer na sua vertente da MPB ou da bossanova, era considerada "subversiva" pelo antigo regime, mas começou a ganhar expressão entre nós nos finais da década da revolução, e por meados dos anos 80 era um fenómeno de popularidade. Os artistas brasileiros chegavam à Portela, onde eram recebidos em apoteose, diziam que "adoravam Portugal", e arranjavam sempre um parente português, mesmo que fosse distante, para ganhar ainda mais simpatia entre o público lusitano. Vamos recorder aqui alguns destes artistas do país irmão.
E começamos logo por cima, com o Roberto Carlos, um cantor que - e pasme-se - tem agora 72 anos de idade, e mais de 50 de carreira. Aquele que foi nos anos chamado de "o rei do ié-ié" era nos anos 80 um charmoso quarentão, e tinha o particular de quase todos os seus álbums terem o seu nome: "Roberto Carlos". Só mudava mesmo era o ano, e um dos seus maiores sucessos no nosso país foi o de 1985, que ficou conhecido por "Verde e Amarelo". Neste tempo o cantor gravava praticamente um disco por ano, com a ajuda "do seu querido irmão Erasmo Carlos" a colaborar na composição. Além dos títulos também as capas dos discos pecavam pela falta de imaginação, e onde aparecia apenas uma fotografia de Roberto Carlos, que no fundo nos queria dizer o seguinte: "deixem-se lá de mariquices com capas e títulos e isso e oiçam antes a música". A estética melhorou ligeiramente em 1989 com o disco que ficou conhecido por "Amazônia", onde Roberto Carlos aparece com o cabelo mais comprido, e uma pena pendurada na orelha esquerda.
Ney Matogrosso, um dos mais imaginativos e interessantes cantores brasileiros, merecia um "post" inteirinho dedicado a ele, mas para não ir além das medidas, falemos desta colaboração com Eugénia Melo e Castro, uma das primeiras entre músicos de Portugal e do Brasil. "Dança da Lua", incluído no álbum "Águas de Todo o Ano", da cantora portuguesa, conta com a voz efeminada e a coreografia exótica do antigo vocalista dos Secos e Molhados, e é um êxito de que todos os que andavam com os ouvidos à escuta no ano de 1983 se lembram com toda a certeza. Pena é a qualidade do video, mas não se pode dizer que não tentei: é directo do canal de YouTube da própria Eugénia.
Djavan, de nome completo Djavan Caetano Viana, é um cantor de Maceio, Alagoas, que se afirmou como surpresa em meados dos anos 70 com o se álbum "Fato Consumado", que continha a canção "Flor de Lis", ainda hoje considerada a sua "assinatura". Não seria até já bem dentro da década de 80 que passaria a confirmação, com o seu som muito "tropical", de apelos à paz e amor, a ganhar-lhe o direito de colaborar com outros grandes nomes da música do seu país e outros artistas estrangeiros, como Stevie Wonder. Entre nós ficou mais conhecido o tema "Lilás", do disco de 1984 com o mesmo nome. Quem não se recorda do refrão? "Eu quero ver o pôr do sol/Lindo como ele só/E gente pra ver e viajar/No seu mar de raio". Bom, quem ainda não tinha nascido, com toda a certeza...
É indiscutível que dos artistas brasileiros eram as mulheres que gozavam de mais popularidade entre nós. Curiosamente alguns "monstros sagrados" da música brasileira nunca vingaram entre nós, como por exemplo Milton Nascimento, Ivan Lins, Cazuza ou Braguinha, e mesmo grandes nomes como Chico Buaque ou Gilberto Gil ficavam apenas acessíveis aos verdadeiros conhecedores. Das vozes femininas, uma que chegou a nº 1 foi Simone, que curiosamente também se chama Simone de Oliveira, como a "nossa" Simone, com o seu álbum "Cristal", de 1985. O tema de apresentação era este "Amor no Coração", bem mexido por sinal, com a participação de Carlinhos de Pilares.
Outras mulheres da música com sotaque do Brasil triunfavam em Portugal, tal como Maria Bethânia - mais ainda que o seu irmão Caetano Veloso - Joana, Gal Costa, a já falecida Nara Leão, entre outras. As telenovelas eram um bom veículo para promover a música dos artistas, e neste aspecto uma das que ficou a ganhar foi Elba Ramalho, que interpretou "Aconchego" para a trilha sonora da novella "Roque Santeiro". Aqui a voz delicodoce de Elba é acompanhada pelo acordeonista Dominguingos.
E para acabar, aquele que foi um dos momentos altos dos anos 80: o dueto de Gal Costa e Tim Maia, "Um Dia de Domingo", que foi nº 1 no top de singles em Portugal. A imperatriz Gal, com uma carreira para lá de respeitável, soube sempre gerir o bichinho da fama, mas já a quanto a Tim Maia, senhor de uma voz poderosa, penetrante, viria a ter a sua carreira prejudicada pelo alcoolismo, e faleceu em 1998 aos 55 anos. Fica aqui este registo para nos deixar a pensar: "faz de conta que ainda é cedo".
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