domingo, 16 de março de 2014

Namecarded


Houve quem não tivesse entendido muito bem o artigo do Hoje Macau desta quinta-feira, e houve quem tivesse pensado que se trata de um caso particular. "Namecarded" é apenas um ensaio sobre a dificuldade de socialização dos "oumunyan", dos chineses de Macau, que em muitos casos passam por um processo educacional rígido que os leva a super-proteger o seu espaço pessoal e privado, causando-lhes dificuldades de socialização, e de se relacionarem com pessoas que conhecem pela primeira vez. Aqui está a explicação, para quem não entendeu.

Olga Chan, 30 anos, chinesa de Macau. Solteira e boa rapariga, emprego estável e menina de bem, o seu sonho é encontrar alguém como ela, um “oumunyan” discreto, obediente e previsível, com quem possa partilhar os pontos do cartão de crédito e inscrever-se num concurso para a aquisição de uma moradia económica. Um dia, numa das suas raríssimas saídas, bebia um café numa loja perto de casa, enquanto lia uma revista, quando foi subitamente abordada por um estrangeiro, um americano. Trocaram dois dedos de conversa, menos de cinco minutos, e já de saída o misterioso desconhecido deixou-lhe o seu cartão de visita, com nome, profissão, contacto profissional, número de telemóvel e endereço electrónico, aquilo que em inglês se chama “calling card”, ou apenas “name card”. Pediu-lhe que “o contactasse em breve”, e meio sem jeito, Olga disse-lhe que “sim, que ia tentar”. Naquele momento, a jovem sentiu que havia sido cometido um atentado ao seu pudor. Olga tinha acabado de ser “namecarded”.
Sem coragem para contar aos pais, e temendo a vergonha de uma denúncia às autoridades, Olga decidiu desabafar com as três melhores amigas, outras “oumunyan” como ela:

- “Enlouqueceste? Como foste capaz de estabelecer contacto visual e verbal com um estranho?” – perguntava uma delas.
- “Isto nem parece vindo de uma menina educada num colégio católico feminino” – acrescentou outra.
- “Olha que tiveste sorte…fosse isto na Índia e tinhas sido “namecarded em grupo” – concluiu a terceira.
- “Pelo menos ele usou protecção…o cartão estava laminado” – desabafou Olga, cabisbaixa.

Olga andava deprimida, e a censura das amigas em nada contribuiu para a sua angústia. Cada vez que abria a carteira, lá estava ele, o maldito cartão, e não eram poucas as vezes em que sentia tentada a entrar em contacto com o desconhecido que teve o desplante de se meter consigo naquele dia, apesar de se conhecerem há menos de seis meses. Resistia sempre – afinal podia ser um tarado, apesar do cartão dizer que era gestor executivo de uma conhecida multinacional. Tinha pesadelos recorrentes, onde dezenas de desconhecidos lhe ofereciam cartões de visita, ao ponto de já não poder guardar mais nenhum na carteira. Decidiu então procurar ajuda, e aderiu ao grupo “Namecarded anónimas”, onde conheceu outras vítimas de “namecarding”, que assim a ajudaram a lidar melhor com o seu trauma.
Calcula-se que sejam milhares por ano, as vítimas de “namecarding” na Ásia, na sua grande maioria mulheres, vítimas de indivíduos que teimam em partilhar a sua informação pessoal com pessoas que considerem interessantes, e que valham a pena conhecer. Muitas chegam mesmo a entrar em contacto com o agressor, como é o caso recente de uma jovem em Taiwan que foi “namecarded”, mandou um e-mail para o endereço no cartão, e obteve resposta no dia seguinte. O “namecarder” adicionou-a à sua lista numa conhecida rede social, e contacta-a numa média de duas ou três vezes por semana. Se foi vítima de “namecarding”, não fique em silêncio, e visite-nos na página dos “Namecarded Sem Fronteiras”, em www.namecarded.org. O seu contributo pode fazer toda a diferença.

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