segunda-feira, 10 de março de 2014

RTP e você


A RTP está a comemorar os seus 57 anos de emissões televisivas, e eu começo a sentir-me mais velho do que isso, e ainda me faltam quatro olimpíadas para lá chegar. Ainda no outro dia falava com um colega sobre a cantora Madonna - não me perguntem porquê, e eu próprio não me lembro a que propósito - e a certo ponto ele diz-me que a Madonna "é velha", ao que respondo que "terá menos que 55 anos", e aí, contas feitas, "Like a Virgin" foi há 30 anos! Trinta! Ainda me lembro como se fosse ontem a primeira vez que vi esse "videoclip" no sofá lá de casa, e já passaram trinta anos. E lembro-me também de quando a RTP comemorou os seus 30 anos, e na altura ostentava uma "mosquinha" no canto do ecrã para assinalar o evento. E desde essa imagem que retenho das tardes de Domingo quando não tinha nada melhor para fazer e assistia ao "Clube dos Amigos Disney" (vá lá, então? eu tinha 12 anos...) já se passaram 27 anos. Bolas, pá...vinte e sete anos. Jim Morrison, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e quejandos: estejam onde estiverem, leram isto que acabei de escrever? Ou "in English", you read the coiso-e-tal óright gude camone.

Tenho a RTP para agradecer, nem que seja pelo que contribuíu para a minha educação, quando os pais e avós não tinham tempo, ou paciência, ou as duas coisas, e eu sentava-me em frente à caixa que mudou o mundo e assistia a programas em que a maioria dos seus personagens estão já mortos, ou para lá caminham. Recordo-me dos meus seis, sete ou oito anos, e assistir a séries como "A Balada de Hill Street", "Raízes", "Yes, mr. Prime-minister", "Colombo", "Benny Hill", "Devlin's Connection", "Fama", "Barco do Amor", ou a ficção científica de "Buck Rogers no século XXV", "Galactica" ou "Espaço 1999". Ah sim, não perdi um único episódio do "Verão Azul", produção da TVE, irmã mais velha da nossa RTP. Consumia avidamente programação cultural e recreativa, lógico, como o programa do oceanógrafo Jacques Costeau, "O mundo misterioso de Arthur C. Clarke" dos primeiros, e o "Top Disco" (este mais tarde) ou ainda aquele programa de cinema dos Sábados à tarde, cujo nome penso que nunca fiquei a saber. Vejo Fórmula 1 desde que me lembro, recordo-me nitidamente de ver o Keke Rosberg ser campeão mundial em 82, e sabem que idade tinha eu quando vi "Os Sete Samurais" de Akira Kurosawa? Sete anos! Sim, nesse tempo já era um génio em ponto pequeno. Como também era criança, via a programação infanto-juvenil, e é com saudade que record o "Sport Billy", o Dartacão, As Cidades do Ouro ou "Conan, o rapaz do futuro", para não falar de Tom Sawyer ou das séries "Era uma vez...", das quais "Era uma vez o espaço" foi a mais popular.

Da produção nacional eram os concursos televisivos e os programas de humor aquilo que eu mais gostava de ver. Recordo-me daquela bronca do concurso "Toma lá, dá cá", apresentado pelo eterno Artur Agostinho, ou dos primórdios do "1,2,3", que no início nem tinha uma popularidade por aí além, e ninguém percebia muito bem como se jogava e porque é que os concorrentes "perdiam" tantos prémios, ou dos "Jogos Sem Fronteiras", que sim, eram apresentados pelo tal Eládio Clímaco. As tardes de Domingo eram ocupadas pelo "Passeio dos Alegres", de Júlio Isidro, e existia gente que se recusava a passar um Domingo de sol ao ar livre com a família para ficar a ver quantas pessoas cabiam dentro de um "Mini". As telenovelas brasileiras, as tais da Rede Globo, não eram transmitidas com a mesma frequência dos dias de hoje, e a estreia de uma delas eram sempre um momento aguardado com expectativa. Recordo-me bem de algumas, como "O Bem Amado", "Pai Herói" ou "Corpo a Corpo", e de "Vila Faia", a primeira produção nacional, que olhando do alto, deste momento, não era assim tão má - tendo em conta outras que foram feitas depois desta. Para as séries de humor é que sempre tivemos uma queda especial, e do tempo em que se fazia rir "sem malícia" record-me de "Sabadabadu", "Gente Fina é Outra Coisa", que terá agora uma versão 2.0, o menos bem conseguido "O Foguete", com António Sala, Carlos Paião e Michel, o primeiro "Eu Show Nico", e claro, o "Tal Canal" primeiro, e o "Hermanias" depois, com que Herman José revoluciono a forma como se faziam cócegas aos portugueses.

De tudo isto me lembro de assistir nos primeiros dez anos de vida do televisor a preto-e-branco dos meus avós, que requeria o uso de um aparelho que dava pelo nome de "estabilizador", e que devia ser ligado pelo menos meia-hora antes da televisão. Quando a imagem dava aquilo a que se chamava de "chuva" (riscos no ecrã acompanhados de uma ruidosa estática), e se esta persistia, o meu avô levanta-se, dava dois safanões na caixa, e se a "chuva" não passava, voltava a sentar-se e diagnosticava, apreensivo: "é de lá". Noutros lares ainda existia uma antena interna, com ligação directa ao próprio televisor, e quando a imagem se apanhava mal, o chefe de família segurava nela e começava a mexê-la lentamente, centímetro a centímetro, que mais parecia um Caça-Fantasmas, procurando a posição ideal. Os que tinham antena externa subiam no telhado, e berravam para os restantes membros do agregado familiar, que o escutavam pela janela aberta: "Agora 'tá bom? Não? E agora?". Os meus avós gostavam de ver aquilo que tinham aprendido a gostar de ver. O meu avô era fã dos filmes de Fred Astaire e Ginger Rogers, e os dois gostavam de fado, que a minha avó assistia com um xaile preto aos ombros e tudo. Lembro-me de uma vez o Marco Paulo ter aparecido num programa qualquer a cantar, e ouvi-la dizer: "este homem é que eu ficava a noite toda de pé a ouvir". O que viamos com gosto juntos era o Festival RTP da Canção, que como vi a Manuela Bravo a dizer no outro dia, "parava o país, com as pessoas coladas ao televisor". E logo a Manuela Bravo, cujo seu "Sobe, Sobe Balão Sobe" é um dos primeiros ficheiros da minha vasta memória.

Tivemos a primeira televisão a cores em finais de 1984, se não me engano. Desde os meus dez anos até à plenitude da adolescência, altura em que deixei de ter tempo (e pachorra) de passar o tempo todo em frente à TV, recordo-me sobretudo de ter assistido pela madrugada dentro ao "Live Aid", que se pode considerar o Woodstock da minha geração - a ida do Homem à Lua pode ter um paralelo na queda do muro de Berlim. Lembro-me das séries "The Knight Rider", ou "O Justiceiro", em português, do "McGyver", da segunda série da "Missão Impossível", dos "remakes" das series "Twilight Zone" e "Hitchcock Apresenta", e claro, do "Alo, Alo". Ai o que a gente gostava do "Alo, Alo". Da produção nacional tinhamos o "Duarte e Companhia", concursos como o "Com Pés e Cabeça", ou aquela novela que prendeu os portugueses durante os meses que se seguiram ao verão de 1986: o "Caso Saltillo". Joaquim Letria saltava para a ribalta com um programa ao Sábado à noite onde aparecia pela primeira vez a versão portuguesa da "candid camera", os "apanhados", enquanto Vítor Espadinha animava os finais de tarde durante a semana com o seu "P'ra Variar", antes de ser substituído pela "Roda da Sorte", apresentada por Herman José. O humorista seria alvo de censura por causa de uma rábula no seu programa "Humor de Perdição", e José Saramago tornava-se no Scorsese português ao ver a sua obra "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" também ela censurada. Portugal era um país que deixava a samarra e a sachola e adoptava o fato e gravata com pasta de cabedal, com a entrada recente na CEE. Era o tempo do cavaquismo, da SIDA, da Perestroika, da discoteca Kremlin, do caso Tomás Taveira, da Cicciolina e dos clubes de video, e a RTP era a TV oficial de tudo isto e muito mais.

Em mais um aniversário, dá-se voz aos "dinossauros" da estação, aos já referidos Herman, Eládio Clímaco e Júlio Isidro, que se estreou num programa infantile em 1960 ao lado de Lídia Franco. A pergunta que todos fazem é a seguinte: por onde anda o engº Sousa Veloso, que durante 30 anos apresentou o "TV Rural", que juntamente com o magazine religioso "70x7" e a Eucaristia Dominical tornavam os domingos de manhã do canal 1 um autêntico suplício. Lá para finais dos anos 80 o canal 2 passou a apresentar um programa dedicado ao campeonato da NBA, e apesar de nos chegar com duas ou três semanas de atraso, era sempre preferível. Do Engº Sousa Veloso, que terá perto de 100 anos de idade, pouco se sabe, a não ser que ainda está vivo - isto a confiar nos motores de busca da internet, onde não se encontra um único "site" que corresponda às palavras "morreu/engenheiro/Sousa Veloso". Este trata-se de um daqueles fenómenos típicos de parvoíce tuga; quando o homem apresentava o programa não gostavam dele nem pintado de ouro, mas agora que já se passaram 20 anos desde que se foi esconder, andam todos numa de "retro", saudosistas, do tipo "o engº Sousa Veloso é que era fixe, meu, ya, podes crer!". Mas pronto, mesmo sem a TV Rural, a RTP continua a ser a TV de Portugal. Parabéns, contem muitos, e obrigado por tudo.

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