terça-feira, 4 de março de 2014

Na mesma, tal a lesma


Fernando Chui Sai On anunciou hoje que se vai recandidatar a um segundo mandato como Chefe do Executivo, colocando assim um ponto final no "tabu" que alguns (poucos) vinham comentando nos últimos meses, e terminadno com quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto a uma eventual mudança na nomenclatura que vai perdurando desde o primeiro mandato do seu antecessor, Edmund Ho. Chui vai agora a Pequim, onde se deverá reunir com representantes do Governo Central e certamente anunciar formalmente a sua recandidatura. Escusado será dizer que o actual CE será reconduzido no cargo, e é absolutamente irrevelante a composição do colégio eleitoral, pois a possibilidade do aparecimento de um outro candidato é apenas residual - é possível que apareça o habitual mestre de medicina tradicional chinesa ou algum outro iludido a manifestar essa intenção, mas nunca obterá o apoio necessário para chegar sequer a concorrer. Esperam-se ainda nos próximos dias rasgados elogios a Chui Sai On pelo seu desempenho nos últimos cinco anos à frente do Executivo. Parole, parole, parole.

Fizesse-se política a sério em Macau, e o lugar a que Chui Sai On concorre no final do ano estaria seriamente ameaçado. Não quero dizer com isto que o CE tenha realizado um mau trabalho, e muito menos me atrevo a afirmar que fez um trabalho positivo. Fez o que fez, enfim, mantendo-se tudo na mesma, com o senão da vida dos residentes de Macau ter vindo a piorar desde 2009 - e até antes disso. O actual CE nunca demonstrou qualquer intenção de resolver o maior problema que tem afectado a população do território: a habitação, que se tornou completamente inacessível à classe média. Em vez disso perdeu-se tempo em discussões fúteis como "o que é a classe média", ou quem a compõe, afinal. Pouco importa, pois com os preços actuais, um casal com um rendimento liquido de cinquenta mil patacas - o que é acima da média - sofre com o actual preço da habitação, que devia ser um direito, como bem de primeira necessidade, e em vez disso torna-se cada vez mais um luxo. Tudo o que Chui pode dizer foi que não pode interferir.

Enquanto os orçamentos familiares vão sofrendo um rombo com os preços das rendas, e ainda sujeitos a ter que andar com a casa às costas, ou não tendo outra opção senão pagar hipotecas exorbitantes por moradias que os bancos não ousam financiar nem em metade do valor de mercado, outros problemas ficam por resolver, eternamente guardados na gaveta da indiferença, remetidos ao esquecimento, sob o risco de dali saltarem e ainda irem morder a mão aos grupos de interesses económicos que mandam realmente em Macau. Quem se atreve a dizer que nos cinco anos que duraram o mandato de Chui Sai On melhorámos em matéria de acesso a cuidados de saúde? E de trânsito? E o ambiente? E o preço dos bens de consumo? Acham que têm mais poder de compra agora do que tinham em 2009? Foram feitas reformas políticas de monta? Apareçeram novas caras com novas ideias? Vá lá, respondam, não tenham medo. Não vos estou a pedir para falarem mal do Chefe. Peço apenas que façam esta pequena reflexão.

É estranho que tudo se venha mantendo na mesma como a lesma há quinze anos. Mandam os mesmos, são os mesmos que decidem, são as mesmas caras que vemos na condução dos destinos do território, onde se parecem eternizar e até se nota que envelheceram e tudo. O que parece funcionar aqui, ou que pelo menos serve de justificação, é a teoria da estabilidade como única opção; o clássico "depois de mim o caos". Há um medo tremendo de mexer, não se vá estragar ou partir qualquer coisa, e existe aí um exército de tecnocratas preparados a tomar as rédeas do poder e colocar em pergigo os direitos e as liberdades de que usufruímos - aqueles direitos que pensamos que temos enquanto o actual xadrez político vai enchendo os bolsos. O acesso a uma habitação condigna, a um sistema de saúde comparaável com o que existe no primeiro mundo, e um ar limpo que dê para respirar não estarão incluídos nessas benesses que, graças à estabilidade que vamos tendo, nos são garantidas.

Não contesto a reeleição de Chui Sai On, que a partir do momento em que anuncia a sua candidature toma contornos de certeza absoluta, é tudo uma questão de tempo, a partir de agora. Se até Pequim diz que sim, quem sou eu para dizer o contrário? Ou quem somos nós, afinal, pois eles sabem o que estão a fazer, e convencem-nos que a alternativa "seria pior". O que me limito a fazer é encolher os ombros, e esperar que pelo menos as coisas não piorem muito até 2024. Deve ser essa a data limite para podermos continuar a gozar deste fantástico Macau que temos tido nos últimos anos. Depois disso, abre-se o envelope mistério, e as perspectivas não aparentam ser nada de bom. Queres ver que quando o novo rei chegar, ainda vamos ter saudades desta corte?

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