Os III Jogos da Lusofonia realizaram-se entre 18 e 29 de Janeiro em Goa, na India, tendo passado praticamente despercebidos em Portugal e nos restantes países independentes onde se usa o Português como língua oficial, aliás como referi
neste artigo do passado dia 20. Em Macau deu-se uma cobertura razoável aos jogos, pelo menos da parte da imprensa em língua portuguesa, que em alguns casos mandou a Goa um enviado especial. Não sei que balanço se pode fazer deste evento, se bem que a continuidade dos Jogos da Lusofonia está garantida, apesar de existirem dúvidas sobre a capacidade de organização dos próximos, que estão marcados para 2017 em Maputo, Moçambique. Dúvidas essas que já tinham ensombrado esta edição, com a organização goesa a chegar inclusivamente a adiar o início da competição em alguns meses. Isto não pode ser bom, não garantir com um elevado grau de certeza que os jogos se realizam, até porque os atletas têm agendas, programas de treino e de preparação, e neste caso particular não é fácil para tudo para "ir até à India" competir subitamente, ou deixar tudo preparado para ir, e depois cancelar a viagem, deixando um "furo" no calendário de competição. Numa nota positiva, fiquei a saber que países como o Gana ou as Ilhas Maurícias, e territórios como a ilha das Flores, na Indonésia, estão interessados em aderir à ACOLOP e participar nos jogos. Vá-se lá saber porquê.
O problema destes Jogos da Lusofonia é o gritante desinteresse da parte de quem podia torná-los interessantes em termos competitivos. O Brasil mandou meia-dúzia de atletas a Goa, Portugal mandou atletas de segunda linha (desculpem, mas contra factos...), tal como Angola e Moçambique, outras duas potências, pelo menos em algumas das modalidades que compõem o programa desportivo. No fim olhamos para a tabela de medalhas e vemos que a India foi a grande vencedora, com 92 medalhas obtidas, 37 delas de ouro. Isto explica-se por questões de logística, para começar, pois jogavam "em casa", Portugal ficou em segundo lugar, e Macau - pasme-se - terminou na terceira posição do medalheiro, trazendo para a RAEM nada mais que 38 medalhas, quinze delas de ouro! Nem em todas as participações juntas nos Jogos de Arafura a delegação macaense somou tantas medalhas. Mas voltando à India, esteve presente a selecção olímpica do estado indiano? Nada disso. A delegação Indiana era composta sobretudo por atletas locais, da região de Goa e arredores, e a título de curiosidade diga-se que a India "a sério" conta pelos dedos de uma mão o número de medalhas que obteve nos Jogos Olímpicos propriamente ditos nas últimas cinco ou seis edições, e se excluírmos o hóquei em campo masculino, em toda a história. Para Macau é bom que existam eventos onde os atletas locais possam competir e ganhar traquejo, mas falando do aspecto competitivo, estes jogos são uma nulidade.
Daquilo que foi dito sobre estes III Jogos da Lusofonia aqui deste lado, gostaria de destacar o
artigo de quarta-feira do Jornal Tribuna de Macau assinado pelo Prof. Luís Oliveira Dias, e a opinião da jornalista Márcia Souto nas páginas da edição do Ponto Final de ontem. Já vou falar de alguns pontos de cada um dos artigos, mas vou adiantando que fazem uma abordagem positiva desta iniciativa da ACOLOP, talvez porque praticamente não abordam o lado competitivo dos jogos, preferindo olhar para a ideia dos Jogos da Lusofonia no seu todo, especialmente a Márcia Souto. Eu gostava de poder partilhar do entusiasmo e do optimismo de ambos, mas simplesmente não encontro uma molécula que me faça querer aplaudir. Este é um projecto forçado, falhado, sem perspectivas de evoluir a curto ou médio prazo, e tenhas muitas dúvidas que alguma vez possa ser levado a sério. Para que isto acontecesse seria necessário o interesse do Brasil, o maior país da Lusofonia, que demonstrou desde o início que esta mini-olimpíada não lhe interessa - nem como forma de preparação ou teste para as Olimpíadas "a valer". De Portugal, porta-estandarde da Lusofonia, de onde deveria partir a iniciativa em levar os jogos a bom porto, pouco ou nada se aposta nesse sentido. Mas porquê? É qual é a ideia por detrás da realização dos Jogos da Lusofonia?
O artigo do prof. Oliveira Dias dá umas luzes sobre "aquilo que devia ser", o que fica a anos-luz da realidade. Adoro o prof. Oliveira Dias, pessoa pela qual tenho a maior consideração e respeito, para não falar de estima, foi meu professor e tenho todo o tempo do mundo para ouvi-lo e lê-lo. Posto isto, e apesar de respeitar a sua opinião, não posso considerar com a sua abordagem quanto a este tema, pois assenta numa fundação a que sou completamente averso - posso mesmo dizer alérgico: a concepção do "Mundo Português" cunhada pelo defunto Estado Novo. Vamos lá ver, e mais uma ver com a devida vénia e mui respeitosamente, respeito do bom com carradas de Chantilly por cima e uma cereja no topo: todos sabemos muito bem que os naturais das províncias ultramarinas não eram "tão portugueses como os nascidos no Reino", ou depois de 1910, nascidos na metrópole - não importa o que dizia Salazar. Se era realmente como ele dizia, porque não estavam representados os goeses, os moçambicanos, angolanos, timorenses, etc. na Assembleia Nacional, por exemplo? Porque não lhes era permitido escolher que em parte do império "entre Minho e Timor" queriam viver, sendo esse um privilégio exclusivo dos portugueses da metrópole?
Sim, como potência colonizadora até fomos "bonzinhos", pelo menos em comparação com os espanhóis, que se divirtiam a praticar tiro-ao-alvo com os índios meso-americanos, os holandeses, que levavam o que queriam e chau, e até com os ingleses, que só na India têm as mãos sujas de sangue com o massacre de Amritsar, a divisão entre do Paquistão e a grande fome de Bengala - e tudo isto apenas no século XX! A nossa relação com as civilizações colonizadas eram a de pai rigoroso mas não severo, mas a questão é esta: perguntámos-lhe se estavam interessados nesta "adopção", chamemos-lhe assim? Os movimentos independententistas das ex-colónias não foram nenhuma conspiração maligna da parte dos imperialistas "yankee", dos comunas comedores de criancinhas de Moscovo ou dos indígenas com o demónio do corpo; foi deliberada por um comité da ONU, e deu origem à resolução 1514, aprovada pela Assembleia Geral em Dezembro de 1960. Portugal, membro desta mesma ONU de pleno direito, recusou-se a cumprir e casmurrice do Exmo. Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar levou-nos à tal posição do "orgulhosamente sós", deu origem a uma guerra inútil que em 13 anos custou a vida a nove mil soldados portugueses e mais de 15 mil feridos, alguns deles com mazelas que os deixaram incapacitados. A teimosia do Venerado Meretíssimo Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar tinha muito mais legitimidade se fosse ele a calçar as botas e defender "a unidade do território nacional, a bem da nação". Pum! Já foste.
É curioso que se refira a Nehru como "sinistra personagem", ele que foi democraticamente eleito duas vezes pelo seu povo com o propósito de unificar o país, e depois mais uma vez após a tomada de Goa, chegando a morrer no posto de primeiro-ministro que exerceu durante 17 anos, e volto a repetir, democraticamente eleito pelo seu povo. Esse "ladrão invejoso e ignorante" que poupou a vida aos pouco mais de 4000 soldados portugueses capturados durante os incidentes de Dezembro de 1961, quando as ordens do Excelsíssimo Sultaníssimo Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, chegadas de Lisboa, era que "resistissem até ao último homem", frente a um regimento de infantaria Indiana de 45 mil elementos? Contas fáceis de fazer: cada um destes bravos soldados lusitanos "limpava o sebo" a 11 indianos, enquanto a nossa única fragata e três barcos patrulha dizimavam a frota de 1 mini-porta-aviões, 2 crusadores, 1 contra-torpedeiro, 8 fragatas, 4 contra-minas e 42 aviões-caça. Assim até parece fácil. Penso que os sobreviventes ficaram muito mais gratos ao "sinistro" Nehru do que ao Elegantíssimo Faraoníssimo Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar. É que para contar a história não basta ter estado lá; é preciso ter sobrevivido, também. Acho que entre o Pandita Nehru e o Católico-Apostólico-Romano Salazar, prefiro ser Pandita.
Claro que gosto de chamuça, de caril, de bibinca e tudo isso. Não me comovo se vejo indígenas de mãos juntas a orar a um ser invisível de existência não comprovada, mas percebo a "pica" que isso dá, e se estiver no meio da África, da Ásia, das Molucas ou da Amazónia e encontreo um nativo que comunique no meu idioma, melhor para mim. Sim, tenho a maior consideração pelo nosso passado expansionista, cujas possibilidades não aproveitámos e cujos lucros desbaratámos, como é da nossa tez, mas o que lá vai, lá vai. Se daqui a 10 anos da Goa portuguesa restarem apenas vestígios da cidade-portuguesa, é porque assim foi a vontade dos goeses. Não me parece que esta província da India esteja na lista de territórios onde a língua, cultura, tradições e costumes estejam a ser desrespeitados, ou as religiões minoritárias perseguidas, não há notícias de igrejas vandalizadas ou de cristãos impedidos de exercer a sua fé, não há ninguém impedido de aprender o português - aliás, uma pergunta: o que tem Portugal feito para manter o português em Goa? Porque é que os pais goeses não ensinaram português aos filhos? E se as gerações que se seguiram à saída dos portugueses quiseram professar a religião hindu ou outra pagã em vez da católica? Talvez seja porque essas religiões fizeram um esforço maior em angariar fiéis, como fizeram os católicos durante a evangelização destes mesmos povos 500 anos antes. Ninguém se vai tornar católico ao olhar para a linda arquitectura de uma igreja.
Isto leva-me à questão levantada pela jornalista Márcia Souto no Ponto Final de ontem. Em relação à recusa do chefe da delegação portuguesa, Artur Lopes, em falar noutra língua que não o português, penso que ele fez muito bem. Eu faria exactamente o mesmo. Ao ponto que chega o ridículo se nos Jogos da Lusofonia um português é obrigado a falar em inglês para se fazer entender? Era a mesma coisa que o chefe da delegação inglesa ser obrigado a falar outra língua em plenos Jogos da Commonwealth, já pensaram. Muito se iam rir os ingleses de nós se tivessem conhecimento deste episódio, por ousarmos tentar imitá-los. É que reparem bem: TODOS os países que pertencem à Commonwealth falam ingles, e a esmagadora maioria tem o inglês como segunda língua oficial. Se em Goa há pessoas que dominam o português - e sabemos que há - utilizem-nos na organização do evento que supostamente deveria celebrar a Lusofonia. Se não sabem organizar as coisas como deve ser, não organizem, e se nós não temos liquidez para levar a cabo um projecto desta dimensão, o melhor é ficarmos quietinhos com as mãos nos bolsos e a assobiar para o lado, como o Zé Povinho. A Espanha tem um número muito maior de falantes de castelhano e não se atreve a algo parecido. Porquê? Talvez porque os povos latino-americanos que em tempos colonizaram não estejam para os aturar, assim como o Brasil não quer nada connosco nem com a Lusofonia.
Não entendo o que quer a Márcia Souza dizer com isto "A divulgação dos produtos (culturais e não só) dos países da comunidade de língua portuguesa para se fazer alcançar em larga escala precisa ser feita em língua inglesa, espanhola, francesa (e chinesa, árabe, outra)". Quer dizer, lá entender, entendo, se estivermos aqui a falar de cachupa, rendas de bilros ou kuduro, tudo "produtos culturais e não só", mas e a língua? E a Lusofonia? Não foi esse o pretexto para que se tivesse criado a ACOLOP? Repare no que quer dizer esta sigla, ACOLOP: Associação dos Comités Olímpicos de
Língua Oficial Portuguesa? Língua quê? Oficial? Então o que estão ali a fazer outras "línguas oficiais", como sejam o árabe, o chinês, o inglês ou o russo? (sei que não mencionou o russo, mas é tão ou mais importante que o árabe ou o francês). Se a ideia não é criar uma organização que tenha como ponto comum a língua portuguesa e organize um evento desportivo onde o português é a língua
oficial, então mudem o nome de ACOLOP para outra coisa. Acrescentem-lhe um "o" e fica ACOLOPO - ....Língua Oficial Portuguesa e Outras.
É curioso que refira alguns autores em língua portuguesa de Portugal e dos PALOP, ou os números que fazem do Português uma das línguas mais utilizadas na internet, redes sociais e blogues. Este último facto deve-se à população do Brasil, que não admite que Portugal ou a Lusofonia se intrometam no uso que fazem da sua língua oficial - o mesmo não acontece com o Inglês, por exemplo, onde nem os Estados Unidos cometem a ousadia de chamar a si a primazia da língua. Os PALOP tornaram-se países independentes numa altura em que o Português era a única língua oficial, os restantes dialectos meramente residuais, pelo que não tiveram outra escolha. Repare que nos únicos países onde isto não acontece, Guiné-Bissau e Cabo Verde, o crioulo ganha mais falantes - especialmente em Cabo Verde, onde muitos jovens já se expressam nesse dialecto em pretérito do Português. Goa e Macau não se devem excluír da Lusofonia, nem ninguém os quer excluír. Eles é que se auto-excluíem, pois não se tendo tornado independentes, foram integrados noutros países. E logo nos dois mais populosos do mundo, por azar. Se as novas geraçõs de goeses e macaenses quiserem optar por se juntar à uniformização linguística da sua grande pátria e com isso beneficiar de uma melhor integração, so livres de o fazer, e de Portugal continuam a esperar um sinal que seja de que terão alguma vantage futura em falar a língua dos seus pais e avós. E estes Jogos da Lusofonia não são com toda a certeza esse sinal. Mas mais uma vez, tenho pena, e desejo o melhor para o futuro do projecto. Só não acredito em milagres.
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