Muito se tem dito do que ainda está por fazer em matéria de música, e se ainda resta algo de original, único, novo ou especial. Nos últimos anos são vários os exemplos de artistas que obtêm reconhecimento interpretando temas da autoria de outros, na maior parte das vezes dando-lhes um "corte" mais adequado à época que vivemos. Mas já nos anos 80, década profícua em novos grupos, cantores, géneros e tendências eram comuns as "covers", versões de canções dos outros, a que era dado um novo revestimento noutra sonoridade. Algumas conseguiram ser melhores que o original, outras nem por isso, muitas passaram despercebidas e há ainda aquelas que são simplesmente "diferentes". Já falei aqui de alguns destes "remakes", especialidade de grupos como os UB40 que fizeram versões bem sucedidas de "Red Red Wine", de Neil Diamond, e de "I Got U Babe", de Sonny & Cher, ou ainda dos Pet Shop Boys com o tema "Always on My Mind", de Elvis Presley, entre outros. Da lista que vos apresento ficam de fora muitos outros exemplos, alguns do quais falarei mais tarde quando vier a propósito, mas espero que a minha selecção vos agrade.
A caça ao copianço da canção alheia na década de 80 começou bem, com os Blondie a chegarem a nº 1 dos dois lados do Atlântico com "The Tide is High" - é caso para dizer que a maré-alta chegou às duas costas dos principais países anglo-saxónicos, ah, ah! (desculpem). Bem, este "The Tide is High" é um original dos The Paragons, um grupo jamaicano (isso explica o ritmo "ska"), que o compôs e gravou em 1967. Os Blondie e a sua inconfundível Debbie Harry incluíram este tema no seu álbum "Autoamerican".
Os Flying Pickets são um grupo de cantores "a cappella" que já teve vinte e cinco elementos desde a sua fundação em 1982, e apesar de serem poucos conhecidos, obtiveram um sucesso instantâneo no ano seguinte com "Only You", um original dos Yazoo, que o gravaram originalmente exactamente em 1982. O mérito de gravar uma canção que se ouve bastante bem sem recurso a qualquer instrumento deu aos Flying Pickets a honra de se tornarem o primeiro grupo "a cappella" a chegar ao primeiro lugar do top de singles do Reino Unido. Os rapazes tentaram repetir a gracinha com outros temas de outros artistas, mas sem sucesso. Enrique Iglesias gravou uma versão em espanhol do tema em 1997 com o título "Solo En Ti". Pessoalmente prefiro a versão original dos Yazoo, com os sintetizadores de Vince Clarke e a lindíssima voz de Alison Moyet - de quem vou falar nesta rubrica um dia destes - mas não tenho nada contra os Flying Pickets, apesar das suíças assustadoras do seu vocalista principal.
"Everytime You Go Away" é o maior êxito do cantor britânico Paul Young, e podíamos dizer que é o único, mas isso seria uma maldade, e além do mais uma inverdade. É um facto que é o tema que nos vem à cabeça quando falamos de Paul Young, mas antes de sair este single, em 1985, tinha obtido tripla-platina com o seu álbum de estreia "No Parlez", e teve um bom desempenho nos "charts" até início dos anos 90 com os seus registos posteriors, até se eclipsar pouco depois. E mal dele se "Everytime You Go Away" fosse a única coisa que fez - o tema foi escrito por Darryl Hall, que o gravou originalmente com John Oates em 1980 para o album "Voices". A versão de Paul Young chegou a nº 4 no top de singles do Reino Unido e ao 1º lugar da Billboard.
Ora aqui está uma que tem dado bom dinheiro a ganhar a muita gente. "Spirit in the Sky" é um original de Norman Greenbaum, um músico do chamado "rock psicodélico" gravado em 1969 em pleno "Summer of Love" Escrito durante uma "trip" de ácido (digo eu...é possível) durante a qual
Greenbaum falou com Jesus (outra vez, porque não? usem a imaginação), que lhe disse que esperava por ele quando chegasse "lá a cima" em espírito. A verdade é que Greenbaum ainda cá andam, apesar dos 71 anos a pairar sobre a Terra, e o tema com um sabor "gospel" garantiu-lhe o 1º lugar no Reino Unido e o nº 3 da Billboard. Os Bauhaus gravaram a primeira "cover" 14 anos depois, mas seriam os Doctor and the Medics a chamar a si a versão mais conhecida, em 1986, que voltaria a ser nº 1 em Terras de Sua Majestade. E não seria essa a última vez, e depois de mais algumas tentativas menos bem sucedidas, "Spirit in the Sky" valia a Gareth Gates o seu quarto 1º lugar na tabela de singles britânica. E a canção é bem gira, e deixa-nos num estado de..."spirit in the sky"?
Quem se lembra dos anos 80, lembra-se com toda a certeza dos Communards, o grupo liderado pelo carismático Jimmy Sommerville. Este rapaz escocês de Glasgow formou em 1980, com apenas 19 anos, os Bronski Beat, "o primeiro grupo britânico assumidamente homossexual", e numa altura em que isso estava muito longe de ser considerado "normal". Em 1985 baralhou e voltou a dar com os The Communards, que existiram apenas durante três anos, mas deixou uma marca nos anos 80 com este "Don't Leave Me This Way", um original de Harold Melvin & The Blue Notes, de 1975, que liderou a tabela de singles do Reino Unido durante quatro semanas em Setembro de 1986, mas que não passou do nº 40 na Billboard. A indiferença dos norte-americanos talvez se ficasse a dever ao facto do mesmo tema ter já sido gravado em 1976 pela cantora de R&B Thelma Houston, que lhe imprimiu um ritmo "soul", e ao mesmo tempo dançável. Contudo nesta versão dos Communards, o "falsetto" de Sommerville acrescentado da espiritualidade da cantora "jazz" Sarah Jane Morris valem ouro, e faz desta - pelo menos na minha opinião - a melhor rendição de "Don't Leave me This Way".
Se os Flying Pickets foram lestos em pegar no tema dos Yazoo e dar-lhe um tratamento "a cappella" e os Doctor and the Medics reavivaram um hino religioso, os Housemartins combinaram as duas coisas com este "Caravan of Love", um tema gravado em 1985 pelo grupo Isley-Jasper-Isley. Os quatro rapazes de Hull levaram a sua versão vocal ao nº 1 do Reino Unido em 16 de Dezembro de 1986, e só não passaram o Natal no topo porque foram destronados na semana seguinte por "Reet Petite", um clássico de Jackie Wilson, um dos "grandes" do R&B e da "soul", falecido três anos antes depois de nove anos em coma. Os Housemartins foram um grupo com uma breve mas interessante carreira em meados dos anos 80, e de onde constavam Paul Heaton, que formaria logo a seguir os Beautiful South, e Norman Cook, que se tornaria mundialmente famoso como "Fatboy Slim".
Os Everything But The Girl eram um duo britânico composto por Tracey Thorn na voz e guitarra, e Ben Watt na outra guitarra e restantes instrumentos. Tal como os Housemartins, eram originários de Hull, e juntaram-se em 1982, e que deve o seu curioso nome a uma vez que entraram numa loja de instrumentos musicais, e ao perguntarem se tudo o que se encontrava no expositor estava à venda, responderam-lhes "tudo menos a rapariga" (everything but the girl), referindo-se concertezaa uma das empregadas do estabelecimento. Em 1988 gravaram esta versão de "I Don't Wanna Talk About It", um original de Danny Whitten, que escreveu o temaem 1971, que seis anos depois seria um dos maiores êxitos de Rod Stewart. Para os Everything But The Girl esta (linda) interpretação value-lhes o 3º lugar na tabela de singles do Reino Unido, feito que repetiriam em 1994 com o single "Missing".
E para acabar em beleza, chegamos a 1989 e aos Simply Red, um grupo de que falarei também quando chegar a oportunidade (os anos 80 são sem dúvida um tema que dá pano para mangas). A banda de Mick Hucknall tem uma folha de service respeitável no que diz respeito a material original durante os 25 anos que levaram de carreira, mas para o álbum "A New Flame" cometeram um pequeno "roubo" e gravaram "If You Don't Know Me By Now", um original de 1972 de Harold Melvin & The Blue Notes - os mesmos de "Don't Leave Me This Way". Foi o segundo single dos Simply Red a chegar ao nº 1 da Billboard, depois de "Holding Back the Years", e nº 2 no Reino Unido. A cantora "soul" norte- Americana Patti Labelle incluíu uma versão de "If You Don't Know Me By Now" no seu álbum "Patti", de 1985.
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