sábado, 15 de fevereiro de 2014

Os sons dos 80: Queen


Os Queen em 1986. da esquerda para a direita: Brian May, John Deacon, Freddie Mercury e Roger Taylor.

Sim, já sei que falei aqui de Freddie Mercury, nome que se confunde com os próprios Queen, e falar da sua banda pode parecer uma redundância. Mas se na década de 80 Freddie Mercury teve uma carreira a solo paralela aos Queen que tem material suficiente para um artigo separado, os próprios Queen deixaram uma marca indelével, e ignorar o trabalho de Brian May, John Deacon e Roger Taylor em parceria com o carismático vocalista. Até porque ao contrário dos Beatles, por exemplo, onde praticamente todos os temas eram da autoria de John Lennon e Paul McCartney, com uma contribuição ocasional de George Harrison e nenhuma de Ringo Starr, todos os elementos do Queen contribuíram com canções para o reportório da banda. Apesar de Mercury ser a principal força criativa, os seus companheiros assumiram a autoria de alguns dos clássicos da banda, e muitos temas são creditados como um esforço colectivo. Falar dos Queen nos anos 70 e depois nos 80 é um interessante jogo de "descubra as diferenças", e já vamos passar a perceber porquê, e com um final trágico que se lamenta.


Depois do sucesso de "The Jazz" em 1979, (todos os discos dos Queen eram um sucesso, maior ou menor), os Queen resolvem adaptar o som para os anos 80, e entram em estúdio para gravar "The Game". A principal novidade deste álbum é o uso de sintetizadores, algo que os Queen sempre recusaram fazer, e deixavam isso claro nos créditos dos discos anteriores. Só que viviamos em plena era da "disco", e o grupo precisava de apresentar um som mais electrónico, e para isso recorreu a um Oberheim OB-X, que era programado ora por Mercury, May ou Taylor, e ainda por Reinhold Mack, o co-produtor alemão que tinha trabalhado com os T-Rex, Deep Purple ou ELO, e continuaria com os Queen até quase ao final da década. Outra novidade era a aparência de Freddie Mercury, que adoptou o seu icónico bigode. Mercury foi abandonado gradualmente a sua aparência efeminada com que surgiu no início da banda, e depois de deixar a maquilhagem, as unhas pintadas ou os cabelos compridos, aparece com um bigode muito "macho" em Maio de 1980 no vídeo "Play the Game". Nos primeiros singles do novo registo, "Crazy Little Thing Called Love" e "Save Me", aparece ainda de "cara lavada". O primeiro, que foi também o último single dos Queen nos anos 70, é uma homenagem ao estilo "rockabilly", e valeu-lhes o nº 2 no Reino Unido e o nº 1 da Billboard norte-americana, bem como noutros países, e era um prenúncio do sucesso que "The Game" viria a obter.


Colocado à venda em Junho de 1980, "The Game" é um dos álbums mais vendidos dos Queen, e curiosamente o mais curto do seu catálogo convencional (já passo a explicar), com 35:39 divididos pelas dez faixas. Vendeu 12 milhões de cópias em todo o mundo, um terço deste número nos Estados Unidos, onde foi nº 1, bem como no Reino Unido. Além de "Crazy Little Thing Called Love", "Save Me" e "Play the Game", já mencionados, produziu mais dois singles: "Another One Bites the Dust" e "Need your Loving Tonight", lançados respectivamente em Agosto e Novembro de 1980. "Another one Bites the Dust" é um som tipicamente "disco", que apesar de não passar do nº 7 no Reino Unido, foi nº 1 na Billboard e em países como o Japão, Argentina, Israel, Guatemala ou Espanha, para citar apenas alguns. O tema é da autoria do baixista John Deacon, e em "The Game" é possível verificar a versatilidade dos elementos da banda; dos 10 temas apenas 3 são assinados por Freddie Mercury: "Play the Game", "Crazy Little Thing Called Love" e "Don't try Suicide", a segunda faixa do lado B.


Ainda não tinham acabado de saborear o triunfo que foi "The Game", e em Outubro de 1980 os Queen entram em estúdio para gravar a banda sonora de "Flash Gordon", um filme de ficção científica medíocre, baseado numa BD futurística dos anos 30. O filme contava no seu elenco com alguns nomes de respeito, casos do sueco Max von Sydow, o israelita Topol, de "Um Violino no Telhado", ou Timothy Dalton, que mais tarde encarnaria James Bond em dois filmes da série "007", mas a estrela era sem dúvida a música dos Queen. Em "Flash" - assim ficou baptizado o resultado final - os Queen aproveitam a temática para usar e abusar dos sintetizadores, que ainda há pouco tinham descoberto. Queriam mostrar que sabiam fazer o mesmo que todos os outros, só que melhor. O álbum tem menos 35 segundos que "The Game", e isto explica porque me referi a este último como "o mais curto do catálogo convencional" - e "Flash" é tudo menos convencional. Mesmo não sendo um favorito dos fãs dos Queen, conseguiu o nº 10 no Reino Unido e o nº 23 na Billboard, e ainda melhor na Alemanha, onde chegou ao nº 2, e na Áustria, onde foi nº 1, embalados pelo sucesso da música electronica dos Kraftwerk. O único single do disco, "Flash's Theme" (doravante conhecido apenas por "Flash"), da autoria de Brian May, foi nº 15 no Reino Unido, onde venceu 250 mil cópias.


Em 1981 os Queen condensam toda a sua obra, passada e presente, na colectâna "Greatest Hits"@, que recebe dois alinhamentos distintos: em alguns países encontra-se o single de "Flash", e noutros uma novidade, "Under Pressure", um tema com a participação de David Bowie. Isto confunde os fs dos Queen, que pensam tratar-se de um projecto independente de Freddie Mercury com Bowie, e o facto de nem ambos nem qualquer outro elemento dos Queen aparecer no video-clip oficial também não ajuda. Para dissipar quaisquer dúvidas, o grupo inclui o tema no seu álbum seguinte, e torna-se uma das canções mais tocadas ao vivo. "Under Pressure" tem o condão de ser o único tema de toda a discografia da banda onde participa outra voz que não a um dos seus quatro elementos - John Deacon é o único que nunca cantou - e chegou a nº 1 no Reino Unido e outros países, não passando de um discreto nº 29 na Billboard norte-americana. A "bassline" inicial é inconfundível, e foi mais tarde decalcada pelo "rapper" (?) Vanilla Ice no seu êxito "Ice, Ice Baby" - mas as semelhanças ficam-se mesmo pela "bassline".


"Under Pressure" constaria do álbum "Hot Space", de 1982, que por acaso é aquele que consider o menos conseguido dos Queen. Talvez pela presença muito forte do "disco-sound" em temas como "Staying Power", "Back Chat", "Cool Cat" ou "Dancer". Mas nem tudo é mau, pois temos algumas canções "pop" decentes como "Calling all Girls" ou "Put out the Fire", outros mais coerentes com o som dos Queen, como "Las Palabras de Amor (The Words of Love)" ou "Life is Real (song for Lennon)", uma homenagem de Mercury a John Lennon, assassinado em Dezembro de 1980 à porta da sua casa em Nova Iorque, e até um tema de "rock" puro ao estilo de Roger Taylor, "Action this Day". Contudo é o primeiro single, "Body Language", que faz história, muito por culpa do video provocantemente "erótico", se bem que não para todos os gostos. Mesmo assim "Hot Space" originou seis singles, incluíndo o anteriormente editado "Under Pressure", foi nº 4 no Reino Unido e nº 22 da Billboard.


É nesta altura que Freddie Mercury começa a dedicar-se mais à sua carreira a solo, trabalhando entre 1981 e 1983 em alguns projectos com Michael Jackson, e seria também em 1983 que Brian May lança o EP "The Star Fleet Project", com a colaboração de Eddie van Halen e outros músicos. E, 1984 os Queen reunem-se e sai "The Works", o álbum mais "80's" do grupo, e que é um verdadeiro "ninho" de singles. As gravações começaram em finais de 1983, numa altura em que Mercury trabalhava também na música para a nova versão do filme "Metropolis", de Fritz Lang, um dos clássicos do cinema mudo, e nota-se a influência em temas como "Machines (or Back to Humans)" e especialmente do single "Radio Ga-Ga", cujo video-clip retira algumas cenas do filme. Outro singles retirados de "The Works" foram "It's a Hard Life", onde Mercury "rouba" a introdução da ária "Vesti la giubba", da opera "Pagliaci", de Ruggiero Leoncavallo, e ainda "I Want to Break Free", uma contribuição de John Deacon, suportada por um video-clip que se tornou num classic. Uma paródia à teelnovela "Coronation Street", uma das séries da BBC que mais tempo esteve no ar, e onde Freddie Mercury aproveita para deslumbrar com doses maçiças de estravagância. "The Works", que foi nº 2 no Reino Unido e nº 23 na Billboard, termina com "Is This the World We Created...?" , da co-autoria de Mercury e May, e que se torna numa espécie de hino à paz.


Em 1985 os Queen têm a sua famosa e memorável participação no Live Aid, e no ano seguinte o não menos memorável concerto em Wembley, com o mítico estádio londrino a abarrotar de fãs. E de facto 1986 seria um ano em cheio para os Queen, com mais um disco de originais, "A Kind of Magic", suportado pelo segundo registo ao vivo "Live Magic" - o primeiro havia sido o duplo "Live Killers", em 1979. O primeiro single de "A Kind of Magic" foi "One Vision", que faria parte da banda sonora do filme "Iron Eagle", mas as restantes canções do álbum com a excepção de duas fariam de suporte a outra produço cinematográfica, "Highlander", e delas se destacam o próprio "Kind of Magic" e "Who Wants to Live Forever". As duas excepções foram "Pain os so Close to Pleasure" e este "Friends will be Friends", onde Freddie Mercury aparece numa aparente grande forma e com um porte físico invejável, nada fazendo prever o pior que estava para vir. "A Kind of Magic" foi nº 1 no Reino Unido e nº 46 da Billboard, confirmando alguma indiferença do Mercado "yankee" à música dos Queen. Palermas...


O grupo parte para a "Live Magic Tour", que seria a sua última. Em 1987 começam a circular os primeiros rumores sobre o estado de saúde de Mercury, que gravaria nesse ano "The Great Pretender", um clássico dos Platters, e onde aparece sem o bigode. Em 1988 grava o seu segundo registo a solo com a "soprano" Montserrat Caballe, de onde de destacaria o tema "Barcelona", e no final desse ano os Queen juntam-se em estúdio para graver mais um trabalho de originais, que poderia ter sido o último da banda. Freddie imprime uma enorme energia ao seu desempenho vocal, como é patente neste "I Want it All", como que para dissipar as suspeitas de que estaria a sofrer de SIDA, mas nota-se pela sua aparência que algo realmente não está bem. Outros singles de "The Miracle" incluem o tema homónimo, "Breakthrough", "The Invisible Man" e "Scandal". O album, que que volta a ser nº 1 no Reino Unido mas volta a ser esnobado na Billboard, onde não passa do nº 24, encerra com "Was it all Worth It" ("Valeu e pena?"), que podia ter sido o hino de despedida.


Esse hino ainda estava para ser gravado, e isso viria a acontecer no ano seguinte com "The Show Must Go On", o último estretor de Freddie Mercury. Segundo Brian May, que o escreveu e compôs, levou a canção a Freddie, mas sem esperança que este a conseguisse cantar, pois o seu estado de saúde era já bastante débil. Freddie bebeu um "shot" de vodka e os Queen gravaram o tema num só "take". Impressionante. "The Show Must Go On" é a faixa que encerra "Innuendo", o derradeiro trabalho de originais dos Queen com o seu vocalista de referência. É interessante observar que mesmo entre a vida e a morte, "Innuendo" contém uma variedade de tons vocais, que variam dos taciturnos "Don't Try so Hard", "Delilah" (dedicada à gata de Freddie), "Bijou", ou "Ride the Wild Wind", onde ainda assim o cantor tira algumas notas altas que foram sua imagem de marca, ao "hard-rock" de "Innuendo", "Headlong" ou o já referido "The Show Must Go On", e até ao tema de inspiração "heavy-metal", "The Hitman", passando pelo gospel de "All God's People" e "I Can't Live with You" ou o "nonsense" de "I'm Going Slightly Mad", e como cereja no topo do bolo "Those Were the Days of our Lives", uma canção de amor inspirada, e cujo video-clip seria o último do artista complete que ele era. "Innuendo", nº 1 no Reino Unido (para não variar) e nº 30 na Billboard (filhos da mãe) é um "pot-pourri" de tudo o que os Queen sempre foram. Em 24 de Novembro de 1991, Freddie Mercury sucumbe à doença. Fim de dinastia.

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