Passam hoje 35 anos desde que o nobre povo persa viveu um dos dias mais negros da sua história, o início de um pesadelo do qual ainda não despertaram, mesmo que o pior já tenha passado. Foi em 11 de Fevereiro de 1979 que grupos armados radicais com ligações ao Ayatollah Khomeini tomaram o poder, elegendo o clérico que tinha regressado dias antes de um exílio de quinze anos em França líder supremo do país, estabelecendo uma república islâmica, e remetendo o Xá Rehza Pahlevi e a família real ao exílio. O referendo que se realizaria no dia 1 de Abril do mesmo ano (só podia ser nesse dia...) confirmou o que muitos já temiam: o Irão passava de um estado secular de economia liberal a um grande convento, onde o poder ficava concentrado nas mãos de um grupo de fanáticos que submeteram o povo iraniano à escravidão da moral e dos bons costumes, exercendo o escrutínio detalhado de todos os aspectos das suas vidas. O fanatismo religioso saía vitorioso.
Os eventos que conduziram a esta tragédia tiveram início dois anos antes, com uma mole de iranianos analfabetos, empobrecidos, e embrutecidos iniciava uma onda de protestos contra o Xá, sentindo-se excluídos da prosperidade de que o país usufruía graças aos lucros da exploração do petróleo, de que era o terceiro maior produtor e exportador a nível mundial. O Xá não era propriamente um santo, até porque não se inibia de exibir a opulência em que tanto ele, a sua família e os seus protegidos viviam, ignorando a possilidade de existir uma maioria silenciosa descontente com a forma com que governava o país, e especialmente de como distribuía a riqueza. As greves que paralizaram o país em Dezembro de 1978 davam a entender que algo de grave se preparava para acontecer, e aconselhado pelos seus colaboradores directos, o Xá parte com a família para umas "férias" no Egipto, das quais nunca mais voltaria.
A conduta do Xá Pahlavi levou-o à sua queda, muito por culpa própria. A forma com que quis proceder a uma secularização acelarada do país, bem como o apoio declarado ao estado de Israel, fez-lhe perder o apoio do clero xiita. Ao mesmo tempo que irritava os crentes, levava a cabo uma modernização do país a nível da economia, de inspiração ocidental, o que desagradava aos "bazaari", comerciantes da classe média-baixa, e a corrupção endémica, a que se juntou a decisão de ilegalizar o Tudeh, o partido comunista, provocaram a revolta no seio da classe operária. Os meses que antecederam a queda do Xá apontavam para que lhe sucedesse um governo moderado, eleito pela população e de inspiração socialista, mas a radicalização de posições anulou essa possibilidade: ou ganhava o Xá e os seus amigos americanos, ou ganhava o clero xiita radical, para quem era fácil mobilizar a população mais pobre e com menos educação, e por isso mais manipulável.
Mal sabiam os iranianos que neste dia, há 35 anos, estavam a saltar da frigideira directamente para o lume. A esquerda, ou a "esquerdalha", como diz o meu colega Firehead, congratulava-se com a queda do Xá, fosse qual fosse a alternativa, mas enquanto o regime cessante mandava os seus "camaradas" para o calabouço, o Ayatollah mandava fuzilá-los. Mas nem por isso as prisões ficavam às moscas, pois enquanto o Xá mantinha um número considerável de presos politicos, a república islâmica teve o condão de multiplicar por dez esse número de detidos por delito de opinião. Em matéria de direitos civis, as mulheres passaram de livres e com a capacidade de escolher o que vestir, para onde ir e com quem, a múmias enfaixadas com véus e com o dever de obediência aos maridos, que se tornavam seus "donos". Os jovens, que antes podiam ouvir música "rock" e andar montados em Harley's, passaram a ser obrigados a ir rezar cinco vezes por dia.
Tudo o que se podia assemelhar remotamente ao estilo de vida ocidental passou a ser interdito ou clandestino, e logo após a chegada de Khomeini ao poder, deu-se a crise dos reféns da embaixada norte-americana em Teerão, que levou a que Jimmy Carter perdesse as eleições para Ronald Reagan, alterando o "status quo" geopolítico e quem sabe, atrasando em pelo menos uma década a resolução de conflitos armados em vários palcos da Guerra Fria, e dando início a outros. Perdoem-me este pequeno exercício de dedução, mas o que pensam por exemplo os salvadorenhos ou os nicaraguenhos do Ayatollah, que praticamente meteu Reagan e os seus cães de fila da CIA na Casa Branca? Mas nem por isso o Ayatollah Khomeini se livrou da "barra dura", e logo após a islamização do Irão, viu-se a braços com um conflito armado com os vizinhos do Iraque, liderados pelo sunita Saddam Hussein, apoiado pelos norte-americanos. Oito anos de uma guerra inútil e um milhão de mortos. Por muito má que fosse a gestão de Pahlevi, nunca esse sangue lhe escorreria por entre os dedos das mãos.
Trinta e cinco anos, três décadas e meia desde que o Irão passou de um país "normal" a um local pouco recomendável. Nem os anti-americanistas mais radicais têm o desplante de considerar o Irão um local aprazível para se viver, ou acreditam que o seu programa nuclear tem fins pacíficos. O Ayatollah Khomeini morreu em 1989 mas deixou atrás uma máquina capaz de esmagar qualquer iniciativa por parte dos moderados de se aproximar dos padrões ocidentais, e voltar a integrar o Irão no seio da comunidade internacional como participante de pleno direito, sem levantar suspeitas de qualquer natureza. Quem acha bom que o Irão nutra este ódio "saudável" ao ocidente e aos Estados Unidos, pergunte às mulheres, aos homossexuais, aos pensadores livres, agnósticos e secularistas, o que pensa sobre a vida neste país nos últimos 35 anos.
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