sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Os blogues dos outros


O mais longo e mais caro julgamento da história judicial portuguesa conhece hoje mais um capítulo. Que está longe de ser o definitivo. À hora que escrevo estas linhas, estará a ser preparada a leitura da sentença do "processo Casa Pia". No meio de um imenso mar de dúvidas, são muito poucas as certezas. Há a certeza de um processo com largas centenas de páginas, com sete arguidos (o ex-motorista da Casa Pia Carlos Silvino; o apresentador de televisão Carlos Cruz; o embaixador Jorge Ritto; o ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes; o advogado Hugo Marçal; o médico Ferreira Diniz; e Gertrudes Nunes, a dona da casa de Elvas onde vários menores terão sido vítimas de abusos sexuais), que vêm acusados de 900 crimes de abuso sexual de menores, lenocínio e peculato de uso. Há a certeza de terem sido ouvidas 981 pessoas (920 testemunhas, 32 queixosos, 19 consultores técnicos e 18 peritos). Para além destas certezas, matemáticas, chamesmos-lhes assim, existe aquilo que poderemos apelidar de fundadas suspeitas. Desde logo a fundada suspeita, a que só faltará mesmo o pormenor da exactidão matemática para se converter numa certeza, o que deverá acontecer muito em breve, de que, à leitura da sentença se segue uma fase de incontáveis recursos. A serem apresentados, também uma fundada suspeita, por todas as partes intervenientes no processo. Aliás, prevendo essa forte probabilidade, Pinto Monteiro já terá convocado o procurador encarregue do processo, João Aibéo, para uma reunião na próxima segunda-feira. Claramente no intuito de definir a estratégia a seguir no futuro. Também a fundada suspeita de que haverá condenações. Resta saber quem será condenado, e quais os crimes que serão dados como provados. Para além, obviamente, da extensão das penas a serem aplicadas. Depois do que se ouviu a Carlos Cruz esta semana, ameaçando que iria divulgar no seu blogue os nomes de muitas pessoas que ainda não foram envolvidas no processo, mas que deveriam tê-lo sido, também a fundada suspeita que Ricardo Sá Fernandes já terá prevenido o seu constituinte que será um dos arguidos a ser objecto de condenação. Como o deverá ser também Carlos Silvino. Tudo fundadas suspeitas. Num processo que começou em 2002, com uma notícia divulgada pelo Expresso e pela SIC que dava conta de abusos sexuais continuados a que eram sujeitos alunos da Casa Pia, situação que já se arrastava há longos anos, foi muita a agitação e a comoção que atingiu um país aturdido. Não só pelo teor das notícias, mas também pelos nomes envolvidos nas mesmas. Num dos processos que maior atracção provocou nos media, que mais espaço mediático ocupou nos anos mais recentes, as manobras de informação e contra-informação foram constantes. Assim como as convenientes fugas de informação, os julgamentos sumários nas páginas dos jornais, nos microfones das rádios, nos ecrãs das televisões. Um partido político viu a sua cúpula envolvida no escândalo, e a movida popular logo associou todas as ocorrências relatadas a meras manobras políticas (alguma saberemos exactamente o que se passou com os dirgentes políticos envolvidos? Tenho sérias dúvidas...). Os meninos da Casa Pia estavam só a ser usados por ricos e poderosos em reles lutas de poder. Oito anos depois das primeiras notícias, entre o ensurdecedor ruído que se gerou à volta de todo o processo, uma virtualidade terá que ser sempre associada ao processo Casa Pia - a de ter aberto a Caixa de Pandora, a de ter mostrado a um país entorpecido que há miséria, que há exploração, que há exploração da miséria, deboche, depravação, que as árvores do Parque Eduardo VII guardam segredos terríveis. Que, durante muitos anos, ninguém queria conhecer. Hoje vão ficar a conhecer-se alguns. Mas haverá muitos ainda muito bem guardados. E que não sabemos se alguma vez viremos a conhecer. Entretanto, continua a haver crianças na Casa Pia. E noutras Casas Pias que também ainda não conhecemos.

Pedro Coimbra, Devaneios a Oriente

O caso Casa Pia de Lisboa já cheira mal. É possivelmente o facto mais vergonhoso da justiça de um país dito civilizado. Naturalmente, que pouco importa a palhaçada a que se irá assistir hoje com os canais de televisão a emitirem blá, blá, blá directamente do Parque das Nações. A sentença que o tribunal vai ditar pouco importa para o caso. A vergonha de oito anos de espera vai continuar. Ainda ontem, na televisão, um advogado que desistiu de fazer parte do processo, dizia de certo modo envergonhado, que o caso Casa Pia de Lisboa nem daqui a dez anos terá o seu epílogo devido aos muitos recursos que se irão seguir. Simplesmente vergonhoso, chocante e deplorável. O que é bom é continuar a existir pedofilia e Parque Eduardo VII...

João Severino, Pau Para Toda a Obra

A matéria e o caso de mil tomos chamados Casa Pia dificilmente descansarão em paz, hoje ou em qualquer outro dia futuro. Têm sido postos em evidência os malefícios e perversidades de um sistema de Justiça onde a contradição e a dilação assumem foros proverbiais de labiríntico e kafkiano. E não é por acaso. Há um garantismo hipertrofiado para putativos condenados cujo substrato ideológico se prende mais com custas e custos de que o Estado pretende defender-se a jusante que com qualquer sentido humanitarista à partida. Vemos as vítimas sofredoras a revisitar o seu sofrimento vezes sem conta. Vemos os prevaricadores porventura a empobrecerem, mas resistindo no tempo à derradeira sentença ou então com os papéis invertidos dado que se declaram vítimas dos caprichos de uma acusação caprichosa e, segundo eles, arbitrária por aqueles que excluem. Há, no entanto, nunca o esqueçamos, de toda esta história um efeito positivo e indelével na sociedade portuguesa a replicar quanto à violência contra mulheres, idosos e crianças: o fim do tabu. A pedofilia é um crime intolerável. A sociedade deve permanecer vigilante e exercer a devida profilaxia. Se a Justiça falha e pode parir um hamster, ressalve-se o enorme despertar português para a prevenção de este tipo de comportamentos.

Joshua, PALAVROSSAVRVS REX

Muito antes de ter rebentado o escândalo, o que se passava na Casa Pia era do conhecimento de todos. Por todos, entenda-se: as autoridades. Pelas autoridades, entenda-se: alguns indivíduos que frequentavam certos meios. Por certos meios, entenda-se: locais onde há pessoas. Entenda-se: até ao princípio dos anos 80 havia prostituição juvenil masculina nos Restauradores, na rua, de dia – fora todos os outros circuitos, conhecidos de todos. Entenda-se.

Valupi, Aspirina B

Frases avulsas, que hoje fui ouvindo desgarradamente em diversos locais.

Numa conversa entre homens:

- O rapaz até é bom guarda-redes. Só estava a precisar de escutar os aplausos no estádio.

Numa conversa entre mulheres:

- A Maria também está doente. Também está a fazer hemodiálise.

Numa conversa entre uma mulher (muito mais velha) e um homem:

- O baptismo serve para aproximar as pessoas de Deus. Sempre ouvi o padre dizer isso.

Numa conversa entre um homem (bastante mais velho) e uma mulher:

- As mulheres agora trazem cada vez mais coisas que não são delas. Os narizes não são delas, as bocas não são delas, as mamas não são delas. E no fim ficam todas iguais. Mas você é diferente.


Pedro Correia, Delito de Opinião

Há poucos dias, Moammar Khadafi afirmou que o Islão "deve tornar-se a religião de toda a Europa", frase que deu origem a um oportuno post do Pedro. Poucos dias depois de tão hostil declaração, tomamos conhecimento do vergonhoso beija-mão de José Sócrates ao referido ditador africano. De facto, José Sócrates, sendo desprovido dos valores do Ocidente, não espanta que conviva bem com ditadores. Autênticos déspotas que, nos países que dominam, atacam as liberdades, violam os direitos humanos e recusam o governo democrático: é assim com o beduíno Khadafi, como o é com o louco Hugo Chávez, o czar Putin ou o selvagem Mugabe. E fica a dúvida: este comportamento do primeiro-ministro insere-se numa lógica de Realpolitik de um Governo amoral, resulta da sua consabida falta de formação ou é antes um traço de carácter de ditadorzito não assumido?

Rui Crull Tabosa, Corta-Fitas

Se a alva e meiga Senhora que, há cerca de noventa e três anos, poisou numa azinheira, vestida com um manto de luz, para gáudio de três inocentes pastorinhos, por erro de navegação celeste houvesse poisado numa azinheira errada e encontrado um só pastor, mancebo de vinte e tantos anos; se a falta de energia lhe tivesse apagado o manto, sendo a beleza tanta quanto dela disseram as criancinhas, e entre o manto e o corpo nada houvesse, como é de crer, por ser a luz que resplandecia o único vestido que a cobria, poderia o dito pastor chamar-se José, como o humilde e humilhado carpinteiro de Nazaré, e a história seria outra. Se o dito pastor, mancebo de vinte e tantos anos, na flor da idade e do desejo, impelido pelos sentidos, fosse tão rápido e eficaz a tomar a dita Senhora como o era a conduzir o rebanho, não seria o papa, muitos anos depois, a entrar em êxtase; seria ele, pastor, ali e então. E, em vez de serem criancinhas a ouvir “eu sou a Nossa Senhora”, pitoresca apresentação que só ouvi a um Sargento, apresentando-se aos soldados, “eu sou o nosso primeiro Vieira”, em vez dessa apresentação que os exegetas atribuem à Virgem Maria, teria ouvido o pastor, mancebo de vinte e tantos anos, mais afeito ao rebanho do que ao corpo feminino, à guisa de apresentação e despedida, com voz lânguida e conformada, eu sou Maria. Tudo leva a crer que a referida Senhora, de tão rara beleza, teria esquecido a conversão da Rússia, poupado o dito pastor à oração e, em vez de duas ou três aparições, poderia tentar outras, sabendo embora que não era a azinheira certa aquela em que poisava, mas adivinhando à sua sombra o pastor, mancebo de vinte e tantos anos. Diz-me um amigo que o País devia duplicar o número de azinheiras para igualmente duplicar as probabilidades de novas aparições. Tenho a esse respeito opinião diferente, tese igualmente respeitável, embora nestas questões pouco valha a dialéctica, impossível que é formular a antítese, pois a ciência certa nunca a teremos. Penso que o caminho, o caminho correcto, está em duplicar o número de crianças que prefiram à escola a oração e se dediquem à pastorícia, de preferência longe dali, que os milagres raramente se repetem perto, e se acontecem, como há sobejas provas na Ladeira e noutros sítios, nunca são reconhecidos, por se desconfiar da abundância e se temer a concorrência. E se no futuro apenas houver pastores crianças, com joelhos no chão e olhos no Céu, nunca mais haverá qualquer pastor na flor da idade e do desejo, mancebo de vinte e tantos anos, a ofender a virtude e a mudar o sítio às azinheiras, a perturbar a circulação celeste e os milagres.

Carlos Esperança, Diário Ateísta

Diz que há gatos que prevêem a morte. Eu acho que há moscas que prevêem quando uma pessoa deve tomar banho.

João Moreira de Sá, Arcebispo de Cantuária

2 comentários:

Anónimo disse...

Hoje li o editorial do CMJ no HM e estou certo que foi a maior e a mais bem escrita porrada no batráquio invejoso.

É DITO, desde os Antigos, que a inveja faz enverdecer. Como faz diminuir a talha. Com efeito, o invejoso sente-se mais pequeno, diminuído, e isso acaba por ter reflexo numa postura corporal encolhida. É por isso que muitas vezes os apanhamos em bicos-dos-pés.
Mais bizarro é o advento do verde na pigmentação. Porque razão se atribui ao invejoso, desde tempos primevos, uma tonalidade esverdeada? Há quem assegure que a inveja prejudica o fígado e provoca a emanação de um excesso de bílis, podendo também, de quando em vez, alourecer o cabelo.
Outros, porém, descartam por completo esta hipótese, por lhe faltar um real raciocínio científico. Pouco fisiognomonistas, estes sábios afastam radicalmente qualquer possibilidade de relação entre a inveja e qualquer degeneração física, chamando mesmo a atenção para o facto de existirem invejosos de todos os calibres, tamanhos e feitios.
Seja como for, por mais que lhe falte a pujança científica, a teoria do esverdeado pequeno, afinal baseada no senso comum da observação quotidiana, continua a atrair numerosos adeptos.
Um dos tiques comuns nos ataques dos invejosos é a tendência para a identificação com o objecto da sua inveja. Por exemplo, insinuar que o outro obedece a determinada prática de que afinal é ele próprio devoto, ou seja, transferir para os outros os seus próprios defeitos. Neste ponto, a razoabilidade esvai-se e o argumento torna-se impossível.
É muito desagradável ser alvo de inveja. Dantes dizia-se ser vítima de mau-olhado porque, supersticiosamente, acreditava-se que o invejoso, investido de sagrada bílis, poderia realmente afectar a vida alheia. Aliás, é próxima a relação da inveja com o olho: diz na Bíblia, citada por Francis Bacon nos seus Ensaios, que a inveja é uma “ejaculação do olho”. Ora como se pode compreender não é simpático ser alvo de “ejaculações” alheias. Ou seja, a inveja é chata e acaba por incomodar.
Os portugueses têm uma relação particular com a inveja. Não será por acaso que Camões a utiliza como palavra final da epopeia. O poeta reconhece-lhe certamente um valor fulcral no ser português para, sem pejo, encerrar “Os Lusíadas” com tão estranho sublinhado. Com sobejas razões de queixa, Luís Vaz sublinha, mas as lamúrias de um poeta parecem pívias quando comparadas com as catástrofes motivadas pelo facto de “a galinha do vizinho ser melhor que a minha”. É na disputa das insignificâncias que o ser invejoso melhor expõe a sua excessiva altaneirice saloia, acidez e mediocridade.
Contudo, existe uma excepção. Num pequeno enclave, situado no sul da China, a inveja, mesmo entre a comunidade portuguesa ali moribunda da História, não medra. Não, aqui a inveja não tem lugar. Ainda que às vezes, em noites de mais intenso luar, a imaginação nos proporcione às vezes a visão de um ser enfezado e verde. É mentira: ele não está lá.

Anónimo disse...

este é um bom exemplo para o severino ver como devia ter sempre escrito sem mencionar o nome do batráquio e do patrão.