sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Os sons dos 80: os orfãos do "punk"


O movimento "punk" surgiu nos Estados Unidos e especialmente na Inglaterra em finais dos anos 70. Na velha Albion o descontentamento era evidente, com uma classe média desiludida, uma juventude sem perspectivas de futuro, um império desempregado e arruinado. Foi aí que surgiram grupos como os Ramones, os Sex Pistols, os New York Dolls, os Clash ou os The Damned, entre outros. A palavra de ordem era "abanar com o sistema", mas o "olho do tufão" seria passageiro, e com a chegada da conservadora Thatcher a Downing Street, foi restabelecida a ordem, ao mesmo tempo que a economia dava sinais de melhoria. Dos contestatários que adediram ao "punk" no início, houve os que se conformaram, e optaram por tendências mais "soft", como o "new-wave" ou os "neo-românticos", enquanto outros procuravam no "heavy-metal" ou no "goth-rock" outro escape para expressar o seu inconformismo ou a sua angústia. Houve quem quisesse manter o "punk" vivo, no seu estado mais puro possível, como foi o caso dos escoceses The Exploited, que em 1981 deram ao seu álbum do estreia o sugestivo título "Punks Not Dead". Não se pode dizer que o "punk" tenha morrido, e a sua influência ainda se faz notar no panorama do "rock" actual, pelo menos em termos de sonoridade. Pode-se dizer contudo que o "punk" foi como que "metido na prateleira", assim como os seus puristas, que insistiram em não se adaptar ao mundo novo dos anos 80. E como foi esta década para os "punks" de outrora?


Os norte-americanos Ramones foram um exemplo de resiliência, e pode-se dizer que só a própria morte os conseguiu silenciar. Pioneiros do "punk" genuino nos anos 70, continuaram fiéis ao estilo durante a década seguinte, e gravaram dez álbums até à dissolução da banda em 1995 - até 1979 tinham editado apenas quatro trabalhos de originais. O que não conseguiram provar foi que o "punk" fazia bem à saúde, e a grande figura do grupo, Joey Ramone, faleceu de linfoma em 2001, aos 49 anos, seguindo-lhe Johnny Ramone no ano seguinte, e Dee Dee Ramone em 2004. O único sobrevivente é o baterista Tommy, que actualmente com 62 anos, deve estar contente por ter sobrevivido aos Ramones. O grande momento deste conjunto nova-iorquino nos anos 80 foi "My Brain is Hanging Upside Down (Bonzo goes to Bitburg)", do álbum "Animal Boy", de 1986. O tema é uma crítica ao presidente Reagan, que em 1985 fez uma visita polémica à Alemanha Federal, onde visitou um mausoleum dedicado a combatentes Nazis, na companhia do chanceler de então, Helmut Kohl. Muito ao estilo do "punk-rock", sem dúvida.


Quem também se transpôs para os anos 80 foram os Clash, mas sem a mesma durabilidade os Ramones. Depois do êxito estrondoso de "London Calling" em 1979, um dos melhores discos da história e considerado por muitos o "canto do cisne" do movimento "punk", regressam em 1980 com o triplo-álbum "Sandinista", uma mescla confusa de géneros, onde piscam o olho a sonoridades como o "jazz", o "reggae" ou o "ska". Em 1982 gravam o seu último trabalho com a formação original, "Combat Rock". Daí saem o clássico "Should I Stay or Should I Go" ou ainda este "Rock the Casbah", cuja temática relacionada com o Médio Oriente e com o petróleo fez com que revivesse a sua popularidade em 1991, durante a primeira Guerra do Golfo. Depois disso, os seus dois elementos mais influentes, Joe Strummer (a voz em "Rock the Casbah") e Mike Jones (o guitarrista Moreno) acentuaram as suas diferenças "criativas", e seria sem Jones e sem o baterista Nick "Topper" Headon que os Clash gravariam o seu último disco em 1985, "Cut the Crap", considerado tanto pelos fãs como pela crítica como o seu pior registo. Jones aderiu a outros estilos e fundou os B.A.D. (Big Audio Dynamite), enquanto Strummer trabalhou com outros grupos (entre eles os Pogues), e viria a falecer em 2000, aos 50 anos de idade.


E quanto aos Sex Pistols, os grandes responsáveis pelo "punk" na sua forma mais pura, britânica, mauzona, estridente e com muito pouco respeito pela autoridade e pelas instituições? Bom, penso que já foi tudo dito pelos inúmeros filmes, documentários e testemunhos de elementos da banda e outros que com eles privaram de perto. Foi dito até demais, para uma banda que gravou 1 (um) álbum, e que em termos de direitos discográficos e de imagem foi espremida até ao tutano pelo "manager" Malcolm McLaren. Fazendo um rápido "o que foi feito deles", sabemos que Sid Vicious morreu, Glenn Matlock e Paul Cook desapareceram de cena, e Steve Jones foi aparecendo aqui e ali, sempre em projectos de outros músicos, normalmente como convidado. Quem se manteve especialmente activo logo a seguir ao fim dos Sex Pistols e ao ocaso do "punk" foi o vocalista John Lydon, vulgo "Johnny Rotten", que em 1978 fundou os Public Image Limited, ou PiL. É difícil explicar no que consiste a sonoridade dos PiL, mas ficou convencionado chamar-lhe de "pós-punk" - seria apenas por causa do vocalista? A verdade é que Lydon manteve o mesmo aspecto alucinado, muito ao seu estilo, muito "punk". Comprovem isso neste "Flowers of Romance", de 1981.


Quem costumava andar na companhia dos Pistols ao mesmo tempo que mantinha o seu próprio projecto "punk" era uma tal Susan Janet Ballion, mais conhecida pelo nome de palco Siouxsie Sioux, líder dos...Siouxsie and the Banshees (!?). Depois da poeira do "punk" ter assentado, este grupo que combina o nome de uma tribo americana nativa com um fantasma da mitologia céltica optou por outra sonoridade, mais sombria, mais negra, tornando-se numa das pioneiras do género gótico, ou "goth-rock". Dessa forma rivalizaram com os The Cure (estes também com um som mais próximo do "punk", no início), e Siouxsie Sioux chegou mesmo a ir em digressão várias vezes com Robert Smith e companhia. O momento alto da carreira dos Siouxsie and the Banshees, que terminaram em 1995, terá sido a gravação do tema "Face to Face" para a banda sonora do filme "Batman Returns", de 1992. Do tempo em que a banda era "só para conhecedores", fica este "Christine", do LP de 1980, "Kaleidoscope".


Os Generation X foram um grupo da era "punk", que apesar de ser menos popular que os anteriores aqui referidos, deu a conhecer ao mundo um tal Billy Idol, a quem já dediquei um capítulo logo no início desta rubrica. O parceiro de Idol nos Generation X, Tony James, tinha ideias muito próprias, e criou em 1982 os Sigue Sigue Sputnik, um nome retirado a um gangue filipino fundado nos anos 60. O grupo obteve algum protagonismo em 1986 com a edição do álbum "Flaunt It", cujo primeiro single era este "Love Missile F1-11". A roupa, os penteados, os adereços e até a agressividade presente no som lembravam a era dourada do "punk", mas era difícil incluir os Sigue Sigue Sputnik num género conhecido. A temática futurista onde a tecnologia "do próximo milénio" seria grandes telas a projectarem anúncios publicitários, "vídeo", "estéreo", e um "planeta televisionado" (?), ao estilo de "1984", de Orwell, fizeram a mensagem do grupo cair no ridículo e tornar-se rapidamente datada. Ah sim, Tony James e os seus amiguinhos "esquisitos" também faziam fé que o Japão, que à época era a 2ª maior potência económica mundial, ia liderar esta "revolução tecnológica". Falando em apostar no cavalo errado...


Mantendo o clima ainda dentro do estranho e do bizarro, falemos do que se fazia na Europa continental em matéria de pós-punk. Falar de "punk" europeu (excluíndo as Ilhas Britânicas, como é lógico) é falar da alemã Nina Hagen, que passou pelo pré-punk, pelo punk e pelo pós-punk, sempre com um aspecto de quem acabou de lhe passar um comboio por cima - talvez devido à dependência de drogas a álcool que marcaram boa parte da sua carreira. Apesar da sua imagem assustar as crianças e as velhinhas e afungentar os animais selvagens, a sua, erm, "proposta", chamemos-lhe assim, foi bem aceite, até pelo público que não dominava a língua alemã. Talvez tenha sido por vénia a esses fãs internacionais que em 1982 gravou um álbum completamente em inglês, "Nunsexmunkrock", onde se podia escutar este curioso tema, "Smack Jack". Isto não é Nina Hagen no seu melhor, nem no seu pior. É simplesmente Nina Hagen.


E para terminar em beleza, falemos de nós. Então e em Portugal, como foi? Como em todo o resto que se fazia no exterior em termos de música, moda ou qualquer outra forma de arte ou expressão, o "punk" em Portugal chegou atrasado, e quase ninguém deu por isso. Os Xutos & Pontapés "beberam" dessa fonte no início, e tinhamos algumas bandas "underground" que tentavam transpôr para português a essência do "punk", como foi o caso dos Kúsdejudas, de João Ribas (mais tarde nos Censurados e actualmente nos Tara Perdida). Contudo em 1986 surge um grupo lisboeta que se inspira nitidamente nos Clash, ao ponto de para o seu primeiro disco terem escolhido uma capa semelhante à de "London Calling": eram os Peste & Sida. A música e o impacto que tiveram no público português era o possível, dentro do que seria de esperar do nosso país há quase 30 anos. Mas desse disco de estreia, intitulado "Veneno", há este "Gingão", um tema dedicado ao famoso bar do Bairro Alto. Levamos boa vida, não?

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