Parece que estes "filhos" foram deixados na Casa Pia do "rock".
A TDM tem passado ao Domingo à tarde (ou será ao Sábado?) a série da RTP "Os Filhos do Rock", uma dramatização dos primeiros tempos da grande vaga do "rock" nacional. É em boa hora que o Canal Macau transmite uma programa de produção portuguesa tão "dentro do prazo", uma vez que algumas séries e outra programação tem chegado cá com um atraso de vários meses, senão for de anos, como já tem sucedido, especialmente com as telenovelas. Às vezes dá a sensação que existe uma certa cerimónia em apostar nos conteúdos importados de Portugal, e desculpem se isto soa a alguma "teoria da conspiração", mas à conta disso temos perdido alguns programas de grande qualidade, enquanto levamos com outros de qualidade mais que duvidosa, como aqueles aqueles enlatados americanos do tipo "Castle" e outros que tais. No caso de "Os Filhos do Rock" no entanto, basta ter um pouco de sorte e apanhar um episódio na RTPi. Como tenho a TV sempre ligada quando estou em casa, e com excepção do período entre as 8 e as 10 da noite, sempre na RTPi, tenho apanhado quase todos os episódios, felizmente. Ou será mesmo felizmente?
"Os Filhos do Rock" vem no seguimento de outras duas series recentes, "Conta-me como foi" e "E depois do adeus", e se as "empacotarmos" juntas, temos aqui o retrato do Portugal dos últimos 50 anos. Bem, pelo menos até ao início dos anos 80, mas passados mais de 30 anos, esta começa a ser uma realidade que a nova geração desconhece por completo. No caso de "Os Filhos do Rock", é sobre a minha geração, mais coisa menos coisa. Só que enquanto "Conta-me como foi" era excelente, "E depois do adeus" era um retrato mais ou menos fiel do período seguinte ao 25 de Abril, esta nova série falha na missão de reproduzir aquele momento particular da nossa história contemporânea. É tudo muito retro, muito cinzento, muito pessimista. Os personagens que representam os "roqueiros" da altura mais parecem saídos de Woodstock e chegados na Harley do Peter Fonda do que pessoas dos anos 80. O que me dá a entender é que exageraram no retrato, que no fim acabou por sair uma caricatura. Os anos 80 não foram há tanto tempo que ninguém se lembra, nem as pessoas que o viveram estão todas mortas ou a morrer, com 90 e tal anos e ligados ao soro.
É verdade que quando saíu o disco "Ar de Rock", de Rui Veloso, que deu início ao "boom" do rock português, eu tinha apenas cinco anos, mas recordo-me com nitidez de vários momentos desse tempo, e com mais clareza dos dois ou três anos que se seguiram. Conhecia muitos adolescentes, que eram meus vizinhos, irmãos mais velhos dos meus colegas ou dos meus amigos, filhos dos amigos dos meus pais, malta que ia jogar "flippers" para o café, todos intervenientes directos e testemunhas privilegiadas da chegada daquele fenómeno. Eram pessoas normais, não ficaram enlouquecidos, e a chegada do "rock" português não foi certamente nenhuma revolução. Foi uma novidade, claro, mas nada de memorável, e olhando para trás foi até algo de muito "kitsch". A música moderna portuguesa só veio a adquirir a sua maturidade bem depois, já nos anos 90, e em alguns casos até mais tarde. Lembram-se como eram as bandas portuguesas de "metal" antes dos Moonspell? Lembram-se dos Iberia, e dos Ramp? Até parecia que estavam a fazer pouco de uma realidade que não tinha nada a ver com a nossa.
Como qualquer pessoa minimamente informada já deve saber, o "rock" não chegou a Portugal caído do céu aos trambolhões com o Rui Veloso. Já se fazia, antes, só que não tinha audiência. Até às bandas que se seguiram a 1980, fazer "rock" em Portugal e em português dava prejuízo. Perguntem ao Jorge Palma, coitado, um dos pioneiros do "rock" em português, em meados dos anos 70, que não tinha dinheiro nem para fazer cantar um cego - tinha que ser ele mesmo a cantar. Esse foi um dos motivos de mais este atraso, entre os muitos que temos no nosso país: o complexo de inferioridade. Ninguém pensava que se pudesse fazer "rock" noutra língua que não o inglês. Os Sheiks e os Green Windows, os dois maiores grupos de "rock" portugueses, cantavam em inglês. Os Tantra, uma banda de "rock" progressivo dos finais dos anos 70, gravaram o primeiro disco em português, e depois desistiram e mudaram para o inglês. O próprio "Ar de Rock" era inicialmente um álbum completamente em inglês, e as letras em português foram feitas à pressa, em poucos dias. Sabiam desta? Quem escrevia canções em Portugal fazia-no para o nacional-cançonetismo, para o fado ou para a música dita de intervenção. O "rock" não se inseria no âmbito da poesia.
E é claro que outro obstáculo que o "rock" teve que enfrentar foi o das mentalidades, e isto revelou mais uma das nossas características tipicamente lusitanas: a teimosia. Éramos (e somos) uns tipos orgulhosos e casmurros, e tivemos sempre receio da novidade, pois não queremos assumir com humildade a nossa ignorância sobre qualquer assunto que seja. Se ninguém sabia o que era o "rock", era porque não tinha interesse, e estávamos muito bem servidos com aquilo que tinhamos, pronto. Graças à chegada do "rock" português, que veio "ao empurrão", deu-se uma deslocação espácio-temporal nunca antes vista no conflito de gerações. Quem ouvisse em 1984 certas convsersas de pessoas de 40 anos com outras de 20, parecia que eram avô e neto um do outro. Mesmo muitos dos jovens esnobavam o "rock" português; ouviam os Xutos, os GNR ou os Heróis do Mar, entre outros, mas isso era uma "cosanostra", e o que era considerado "bom gosto" era ainda o que se fazia lá fora. Os "tugas" eram para consumo interno.
Posto isto, penso que "Os Filhos do Rock" acabam por ser uma oportunidade perdida. Aqueles foram tempos de festa, de cantoria, de malta que berrava coisas do género "Cristina, não vás levar a mal/mas beleza é fundamental", e os pais diziam-nos: "o que é isso, perdeste o juízo?". Cada dia era uma novidade, e apesar de ser "kitsch", como já referi, e bastante primitivo, sempre foi um começo, e acaba por ser uma memória engraçada. Os artistas que deram o arranque ao "rock" português não eram múmias deprimidas, que se estavam a juntar a um qualquer culto, como a série dá a entender. Eram uns tipos descontraídos, uns "ganda malucos". Mas olhando bem para o que temos hoje, passados mais de 30 anos, sinto cada vez mais que o "rock" não fez lá grande coisa por nós no que toca às mentalidades. Somos ainda muito "pop-chula", e pouco "rock'n'roll". E é pena.
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