Por falar em abuso de menores, estava hoje a assistir ao programa Portugal no Coração (era o que tinham na RTPi, não foi de propósito), e quem é que aparece como um dos convidados musicais? O "pequeno" Saúl, o jovem que ficou (tristemente) célebre nos anos 90 pelo clássico do "pimba" que tinha um título muito sugestivo. Este pobrezinho natural da Figueira da Foz tinha ficado conhecido no Big Show Sic aos seis anos, onde ganhou um concurso de talentos como "imitador" de Quim Barreiros. Em 1996, com apenas oito anos, foi triplo disco de platina com um tal "O bacalhau quer alho". Quem se recorda daquele sensacional êxito bem português, lembra-se de ver o rapazinho vestido com uma samarra alentejana, a lanchar com os amigos e a zurrar "o bacalhau quer a-alho, é o melhor tem-pero-ro, quem comer alho fica rijo como um pêro". Tenho a certeza que o rapazote estava a par da breijeirice implícita à expressão "o bacalhau quer alho", mas não se deve ter importado muito em fazer aquela triste figura. As pessoas achavam graça, e a sua professora da escola primária metia a turma toda a cantar, portanto tudo bem, "no hay problema".
Quem também ficou muito satisfeito foram os pais de Saúl, então conhecido carinhosamente por "pequeno Saúl". Sendo este um menor, aquilo é que foi contar notas de conto (o euro só chegava depois), fruto da venda dos discos com a editor Vidisco, e os concertos que o miúdo ia dando um pouco por todo o país, durante esse "summer of Pimba" que foi 1996. Entretanto o pequeno Saúl foi crescendo, e quando já sabia assinar cheques, descobriu que os paizinhos tinham desbaratado todo o dinheiro que ele fez com o "bacalhau". Em vez de meterem o dinheiro do rapazote a prazo para depois lhe pagar os estudos ou lhe abrirem uma conta poupança-habitação, andaram a gastar tudo em BMWs, férias em Punta Cana, fins-de-semana em Paris, cocaína, modelos russas e bailarinos cubanos - não sei se foi mesmo assim, mas normalmente é o que acontece com aqueles pindéricos que nunca tiveram cheta e de repente se apanham com mais dinheiro do que alguma vez gastaram na vida. Os parvalhões.
Quando percebeu que não ia passar o resto da vida a viver dos rendimentos do "bacalhau", e não sabendo fazer mais nada, o Saúl foi cantar, que remédio, e como já não tinha voz de puto reguila, passer a ser conhecido pelo respeitável nome de Saúl Ricardo. Mantendo-se fiel ao género que o celebrizou, gravou vários álbums, alguns com títulos curiosos, como são os casos de "Espeto um Prego", "As Bolas do Snooker", "Saul (Sem dinheiro nem cueca)" - este deve ser autobiográfico - e mais recentemente "Fábrica de Chouriça". O impacto nunca foi o mesmo dos tempos do "bacalhau", pois em Portugal quando um miúdo de seis ou sete anos diz caralhadas, é engraçado, mas se for um adulto, é um ordinário. Já que optou pela carreira musical, podia pelo menos ter evoluído e optado por outra direcção que não o "pimba", mas isso pouco importa. Se calhar era o destino, e há males que vêm por bem.
Mas eis que como num segundo fôlego, o Saúl Ricardo volta a trilhar o caminho do sucesso com o seu registo de 2013, "O Meu Rafeiro", que nas palavras do próprio, "tem vendido muito bem, graças a Deus". O tema que o Saúl apresentou no programa do Malato e da Isabel Angelino foi exactamente "O Meu Rafeiro", que dá nome ao álbum. O tema trata de algo tão trivial como ter um cão, um rafeiro, hmmm...pouco mais há a dizer quanto à mensagem que o artista quer transmitir. No início o Saúl diz que sempre teve animais de estimação: "um canário, uma tartaruga, e até à gatinha da vizinha dei comer". Esperem lá, quem é que falou aqui em "comer". Adiante. Chegados ao refrão, confirmam-se as minhas suspeitas quanto à pobre qualidade literária da canção: "o meu rafeiro/é tão matreiro/dou-lhe comida nova mas só quer comer a velha/o meu rafeiro/é tão matreiro/come a comida nova mas come a velha primeiro. O quê? Pardon, monsieur?
Já sei que estas canções "pimba" não são escritas pelo António Lobo Antunes ou pelo Manuel Alegre, nem sequer pelo Pedro Abrunhosa, que até é um bocadinho "pimba", também, mas isto? Quer dizer, podiam esforçar-se um bocadinho mais, e se não conseguem pensar num duplo sentido, tentem pelo menos fazer sentido. É que uma coisa destas não consegue ser normal, nem no ramo da veterinária. Porque diabo o cão não come a comida que tem no prato, mas quando lhe dão ração fresquinha prefere a que já lá estava antes? E é "matreiro" por este motivo? Duvido que um cão tenha o conceito de "ironia", e mesmo que tivesse daria-lhe outro uso que não este, que é um bocado pateta. E que dono é este que põe comida nova ao animal sem ele ter comido a outra? É burro ou quê? E quem é a velha de que se fala? Se "comer a velha" é suposto ter um duplo sentido, se é "malandrice", cai em saco roto, pois não há qualquer outra referência a uma velha ou senhora de meia-idade em toda a canção.
O veterano Quim Barreiros, que foi o "guru" de Saúl no começo, ainda tem a arte de sair de vez em quando com algo de remotamente inteligível, como "A Garagem da Vizinha", que é viúva, e ele estaciona o carro dele na sua garagem "apertadinha", "que doçura de mulher". Isto sim, é breijeirice, ao contrário da tal velha anónima de origem desconhecida que é supostamente comida pelo rafeiro. Isto não passa de parvoíce, e duvido que uma criança semi-alfabetizada de um qualquer bairro social que passa o dia inteiro a snifar cola lhe ache o mínimo de piada. O Saúl parece ser bom rapazinho, apesar do penteado idiota, mas precisa de melhorar a qualidade do seu material, ou no dia em que os atrasados mentais que lhe compram as cassetes e vão aos seus concertos morrerem todos, vai passar fominha, e nem uma "velha" vai ter para lhe encher a barriga. E se este disco está a vender bem "graças a Deus", penso que está na hora de Deus publicar um desmentido, e negar qualquer ligação a este desastre.
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