quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Os neo-neologismos (com o dedo enfiado)


Quem não domina o cantonês ou não tem umas “luzes” que o levem a entender uma conversação, ou parte dela, consegue pelo menos reconhecer algumas palavras: os estrangeirismos. Aqui ao lado em Hong Kong os locais expressam-se no seu idioma local pontuando as frases com palavras e expressões em inglês (a pronúncia é que nem sempre é a melhor), e isto é facilmente verificável através dos programas de televisão de produção doméstica, sejam séries, novelas, debates, e até filmes. Por muito que isto lhes fira no orgulho, os chineses de Macau e até os macaenses usam e abusam do mesmo expediente, se bem que no caso dos últimos ainda é comum ouvi-los alternar o cantonês com o português, com resultados encantadores.

Quando a minha disposição dá para embirrar com os nativos, pergunto-lhes se não existem palavras na sua língua para os termos que eles teimam dizer em inglês. É o “friend”, o “card”, o “travel”, as “holidays” e muitos outros. Mesmo a palavra local para os morangos, “si tou pei lei”, é uma sonorização do inglês “strawberry”, quando existe uma palavra em chinês para designar esta fruta: “hong mui” (草莓).Eles justificam-se dizendo que algumas palavras são mais “fáceis” de dizer em inglês, ou que na língua chinesa não existe uma palavra concreta para alguns estrangeirismos, mas apenas uma tradução. Se a ideia é simplificar, então não entendo como é que “si tou pei lei” prevalece sobre um simples “hong mui”. Prefiro antes interpretar isto como uma característica que os distingue dos chineses do continente, que é algo em que eles insistem, para “separar as águas”. Não os censuro.

Mas este problema, se é realmente um problema, não é específico dos chineses de Macau e Hong Kong. Mesmo a nossa mui estimada língua portuguesa tem sido invadida nos últimos anos por estrangeirismos mil, e muitas vezes damos por nós a usar palavras e expressões em inglês, que em alguns casos ocupam a maior parte de uma frase. Se Eça se levantasse amanhã do túmulo e ouvisse muitas das conversas dos nossos jovens, ia pensar que os britânicos tinham finalmente concretizado as suas ameaças, e éramos agora súbditos de Sua Majestade. Se no passado a maioria dos estrangeirismos e neologismos do Português eram adoptados do francês (abajour, paté, crochê, ménage-à-trois, etc) hoje é o inglês que dita as suas regras.

E de quem é a culpa? Adivinharam: da internet! Se repararem bem muitos dos estrangeirismos que utilizamos no nosso dia-a-dia são derivados da informática e da navegação na rede (reparem como evitei escrever “web”, ah ah). Na realidade existem termos técnicos para os quais não existe uma tradução para a língua de Camões, e em alguns casos existe uma alternativa que não colhe entre a maioria dos falantes. Os nossos irmãos brasileiros, sempre na linha da frente da corrupção do nosso idioma comum, ainda se esforçam, mas os resultados deixam muito a desejar. Por exemplo, conseguiram traduzir “download” para “baixar” (ex: vou baixar este filme), e conseguiram implantar esta tradução junto do resto da lusofonia . Mas se “download” é “baixar”, o que nos sugerem para o “upload”? Levantar? “Oh Maurício hoje à noite vai no Livro das Caras (Facebook) que eu estou agora “levantando” as fotos da suruba de ontem”.

Há palavras em português que não soam tão bem como a sua original inglesa. Dizer “performance” é preferível a dizer “desempenho”, que maior parte das pessoas pronuncia a rimar com “ranho”. A Apple (maçã?) tramou-nos a vida com os iPad, os iPhone e os iPod, de tradução impossível. É difícil converter “tablet” para português sem nos fazer lembrar chocolate. Aqueles indivíduos cinquentões ou mais velhos, muito chatos que teimam em não se adaptar à modernidade e tratam o mundo virtual com desprezo (porque não o dominam) vão logo fazer piadinhas parvas: “Ai tens uma tablete? Deixa-me dar uma dentada!”. Os “bytes” foram humildemente traduzidos para “bites”, sem que se alterasse a pronúncia original, e este simpático media de onde vos escrevo ficou aportuguesado para “blogue”, do original blog. Traduzir “Random Access Memory”, ou RAM, é uma tarefa ingrata. Memória Acessível Aleatória? O melhor é deixar como está. Portanto é correcto dizer que se têm “não sei quantos bites de RAM”, uma frase que deixaria os nossos escritores clássicos de boca aberta.

Muitos dos programas da Microsoft (micro-suave?) que utilizamos frequentemente não carecem de tradução, e desconfio que devo ser um dos primeiros a lembrar-me disto. Já alguém pensou em rebaptizar os programas do Microsoft Office, ou “Microsoft Escritório”? O Word passava a ser o “Palavra”, o Excel passava a ser o “Sobressair”, o Paint passava a ser o “Pintura” e por aí fora. Aliás porque é que o acesso aos programas em geral no nosso computador são feitos em inglês? Porquê Notepad e não “Bloco de Notas”? Porquê Games e não “Jogos”? Porquê Reboot e não “Reinicializar”? Bad, bad…quer dizer: Mau, mau.

Algumas das traduções vigentes destas novidades tecnológicas são de um modo geral acatadas pela maioria dos portugueses, mas algumas ainda me fazem confusão. As mais antigas ainda consigo aceitar sem reservas, como teclado (keyboard), rato (mouse), colunas de som (speakers) ou ecrã (screen). O que é passível de segundas leituras são coisas como “disco duro” (hard-disk), que faz lembrar prisão de ventre, ou “ficheiro” (file), que mais parece uma referência aos arquivos da PIDE. Cada vez que oiço alguém dizer que vai abrir o “correio electrónico”(e-mail), fico a pensar que ainda se arrisca a apanhar um choque. Aquelas coisinhas muito compactas e práticas que dão para levar a nossa música, fotografias ou documentos para toda a parte dentro de um bolso, as “pen drives”, ficaram traduzidas para “dedos”. Isto é que me deixa lixado. Cada vez que oiço dizer “enfiar o dedo” despertam-me os instintos sexuais mais primários. Enfia-se o dedo quando se quer atestar a lubrificação da catota antes que se enfie algo mais que um dedo (ou dois…). Percebem onde quero chegar? Ainda bem que a forma das “pen drive” não lembra uma língua, senão...

Mas o melhor é não hesitar em utilizar a versão inglesa das palavras cuja versão portuguesa custa a aceitar. Quem for minimamente civilizado vai perceber. Não é necessário traduzir Yahoo! para “Ena!”, Google para “Lente” ou Firefox para “Raposa de Fogo” para que nos demos a entender sem dificuldade. Agora ide, continuai a navegar na “entre a rede” (internet), vejam os vossos videos no “TuTubo” (YouTube), “baixem” os vossos filmes, leiam os vossos jornais “na linha” (online), e cuidado com os virus, nomeadamente os “troianos” (trojans). Se forem puristas e não se quiserem adaptar a esta novidade, então culpem o nosso atraso crónico que levou a que outros tivessem inventado a internet antes de nós. Seus “crazies”…

1 comentário:

Unknown disse...

Artigo engraçado.

Devo no entanto dizer que os nomes próprios nunca se devem traduzir, o que incluí os exemplos apresentados do Facebook, Google ou Microsoft, etc.

Para traduzir "download", usa-se em Portugal "descarregar". Pode não soar tão bem, mas sempre soa melhor que baixar (aos portugueses, é claro, provavelmente os brasileiros não partilham desta opinião) e "carregar" para upload o que tem um ligação com, por exemplo, carregar ou descarregar a carrinha xD

Eu por acaso digo sempre desempenho em vez de performance... parece-me uma tradução rigorosa e não vejo problemas nenhuns com a palavra portuguesa.

Tablete para mim é que não pega. Realmente só me vêm à cabeça chocolates.. Agora não me estou a lembrar de nenhuma tradução melhor, pelo que acho que utilizaria a palavra inglesa "tablet" com a pronúncia inglesa.

Atenção que bytes e bits são coisas diferentes. Em Portugal, tanto quanto sei, usam-se os termos ingleses, isto é, dizemos "baites" e "bites" respectivamente.

Basta o sistema operativo ser instalado em Língua Portugesa para passar a ter "Bloco de Notas", "Jogos", "Reinicializar", etc.

Eu uso mais a palavra monitor do que própriamente ecrã (que vem do francês ecran) mas considero ambas correctas e há muita gente a usar ambas. Disco duro é mais usado no Brasil, em Portugal diz-se geralmente disco rígido. Correio electrónico parece-me uma boa tradução, só que não é nada prático por ser longo, pelo que me fico por "e-mail" já que "correio-e" é que não me soa nada bem.

Chamar dedos às pens é que nunca tinha ouvido! Foi uma grande surpresa.