segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Os maiores da nossa rua e arredores


O ano passado fiz de cicerone a alguns amigos de Hong Kong que visitavam Macau pela primeira vez. Levei-os aos locais de maior interesse histórico, e ficaram deveras impressionados com a influência portuguesa no território, desconhecedores de todo que eram da nossa História e dos Descobrimentos. Quando chegamos ao templo de A-Má, expliquei-lhes que o local estava intimamente ligado com a origem do nome de Macau, que os portugueses tinham chegado ao Porto Interior, “deram um tabefe num chinês” e perguntaram como se chamava este local, e o resto já sabem. Os meus amigos acharam graça ao detalhe do tabefe, que acrescentei para dar um pouco mais de sal ao relato, mas também não deve ter ficado muito longe da verdade. As descobertas, colonização e tudo mais não foram propriamentes feitas como muita diplomacia, do tipo “olhe faxavôr seus selvagens, podemos ficar com isto?”. Só que hoje, passados cinco séculos, quem leva um tabefe somos nós. Já temos as bochechas inchadas.

Portugal era a super-potência do século XVI, e olhando para esse passado distante que nos enche de orgulho, fica complicado perceber como actualmente estamos de calças na mão. Se explicarmos a um americano que também já fomos como ele e mandávamos nesta merda toda, ele fica estupefacto. E com algum jeitinho ainda precisamos de lhe explicar onde fica Portugal, que muitos americanos pensam ser uma provincia de Espanha. Quem conhece bem a nossa História sabe dos sucessivos equívocos que nos levaram ao actual estado de coisas, mas num mundo tão diferente do que era, e em constante mudança, ainda acho que somos muito bonzinhos. É por isso que nos pisam em cima e ainda ficamos a pedir bis. Devíamos ser um bocado mais sacaninhas, para o nosso próprio bem.

No outro dia estava a ver aquele programa “Portugueses no Mundo”, uma série muito bem conseguida que mostra a vida dos nossos compatriotas em países um pouco por esse mundo fora. Fico contente que existam tantos portugueses que se dão bem, e pelo menos uma coisa ficou dos tempos em que éramos uma nação respeitável: a nossa enorme capacidade de adaptação. O programa serve também para ficarmos a conhecer cidades como o Dubai, São Francisco, Marraquexe e outras por onde estes emigrantes nos levam, mostram e explicam tanta coisa. É como fazer turismo sem sair do sofá. No Domingo ficámos a conhecer alguns portugueses que vivem em S. Paulo, cidade brasileira com 20 milhões de habitantes, a mais populosa do hemisfério sul e sétima mais populosa do mundo. Alguns destes portugueses trabalham numa empresa de publicidade, e a certa altura um deles pergunta ao seu chefe brasileiro “porque tinha contratado tantos portugueses”. O senhor respondeu que com a crise que está na Europa, “sai barato contratar portugueses”, e acrescentou que se conseguem “três pelo preço de dois”. Ah, ah, que brasileiro tão espirituoso, estará o leitor a pensar. O pior é que o camarada não deu uma única pista de que estava a brincar. Parecia mesmo muito sério. Chamem já o Pedro Álvares para acorrentar este gajo pelo pescoço!

Mas não censuro aquele empresário paulista, que no fundo transborda de uma coisa que daria imenso jeito: pragmatismo. Não conseguimos competir no mundo de hoje onde a economia dita as regras porque somos uns gajos porreirinhos e gostamos de toda a gente. Países que foram no passado colónias ultramarinas do nosso império, como o Brasil e Angola, são hoje economias emergentes, enquanto a nossa jaz no fundo do mar. O caso de Angola é um bom exemplo, um país com que temos laços históricos e culturais bastante fortes, e que hoje é um mercado de trabalho apetecível para tantos emigrantes lusos. Só que não é fácil entrar em Angola, quanto mais encontrar trabalho; só se consegue lá ir com a carta de uma empresa que nos chame, os portugueses secam nas embaixadas à espera de vistos, que mesmo assim nunca são de mais de 3 meses. Quem diria…e nós que sempre fomos amigos dos angolanos, recebemo-los de braços abertos e tantas vezes lhes demos a mão, mesmo depois da independência.

Se Bordalo fosse vivo hoje, representava o Zé Povinho roto com os bolsos de fora de mãos a abanar num gesto de como quem diz “olha, paciência, f…-se…”. Mas apesar de andarmos mais tesinhos que um carapau, não perdemos aquele orgulho besta e a mania de pensarmos que somos os maiores, e que alguns povos ainda são exóticos e “esquisitos”, apesar de terem dinheiro de sobra para nos mandar calar e dançar o vira. No outro dia estava a ver aquela “sitcom” nacional, com o Nicolau Breyner, Fernando Mendes e Ana Zanatti (julgo que se chama “Os compadres” ou qualquer coisa assim), e entrou em cena um chinês que estava disposto a comprar o café que pertence ao personagem do Nicolau. Aparece um chinês, entra logo aquela musiquinha oriental parva, e começam as piadolas étnicas, as referências à tez amarela e aos olhos em bico, e se na China também têm isto ou fazem aquilo, o costume. Nem faltou a referência habitual aos restaurantes chineses. O tuga que se preze pensa que para encontrar um chinês é preciso entrar num restaurante chinês ou numa loja dos chineses. O chinês ficou ali de pé sempre com a mesma cara fechada e sem abrir a boca o tempo todo, e a negociação decorreu entre os personagens e um “tradutor” português que o acompanhava.

Não sei o que nos leva a pensar que a nossa cultura é a melhor, ou que os estrangeiros têm muito a aprender connosco. Se vamos ao Brasil começamos a imitar (mal) o sotaque, como se isto fosse necessário para que os brasileiros se apercebam das nossas boas intenções. Quando investimos num país preocupamo-nos com balelas como a situação dos direitos humanos, em vez de nos preocuparmos antes em sacar de lá maçaroca, por muito manchada de sangue que esteja. Apressamo-nos a condenar governos e regimes sem sequer termos a minima ideia da situação real nesses países. Vai a Catarina Furtado à Índia ou a um país africano qualquer visitar os pobrezinhos nos bairros de lata (sempre pesadamente escoltada, claro), feita Madre Teresa de passerelle, e ficamos todos derretidos. Sai um peditório para uma realidade qualquer distante povoada de gente miserável e de que mal ouvimos falar, e contribuimos sem pensar duas vezes, apesar de metade dos portugueses não conseguir fazer o dinheiro chegar até ao fim do mês. Pelo menos isto serve para darmos graças ao facto de apesar de não termos onde cair mortos, também ninguém nos vai matar, portanto não importa.

Não me entendam mal, não estou aqui a defender que não se deve olhar a meios para atingir os fins, que se justifica explorar a classe trabalhadora, e que os valores humanos devem ser relegados para segundo plano. Nada disso. Só que também o que é demais enjoa, e isso de dar a outra face é apenas uma léria bíblica. Também já fui um tipo muito romântico e idealista, mas neste mundo cão em que vivemos, se não nos equipamos com uma boa dose de pragmatismo vamos andar sempre à míngua e dependentes desses tais sistemas que rejeitamos para nós próprios. Só que se não nos mexemos, arriscamo-nos a que nos imponham algo que não queremos, e sejamos impotentes para o evitar. Devemos arregaçar as mangas e mostrar a fibra que fez de nós a grande nação que fomos um dia. Podemos olhar para o exemplo daqueles tais portugueses no mundo, e fazer o mesmo dentro de portas. E já vamos tarde.

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