Quando voltei ontem do almoço fui cumprimentar uma colega e amiga, que tinha acabado de voltar das compras. Uma dessas compras chamou-me a atenção: um medicamento da conhecida marca Eu Yan Sang (desde 1879), famosa por vender produtos naturais da “ervanária” chinesa. O medicamento em questão tinha um nome em inglês deveras curioso: “Monkey Bezoar Powder” (猴棗末), que ao contrário do que o nome indica, não é feito com ossos de macaco ou algo que se pareça (não seria uma grande surpresa, contudo).
Trata-se de uma planta da família do jujubá, a
Calculus Macacus Mulattae, completamente desconhecida entre nós. As propriedades expectorantes desta “planta macaca” são conhecidas entre os chineses, e é utilizada sobretudo no tratamento da bronquite e no alívio da fleuma provocada pela gripe. A planta entra em 100% da composição do medicamento, que vem numa pequena cápsula cónica dentro de uma caixa e deve ser tomada diluída em água morna. Uma dose individual custa 200 patacas. Repito: 200 (duzentas) patacas por uma dose deste medicamento natural. Deve ser tiro e queda na eliminação da escarreta.
A minha colega tem uma filha de dois anos de idade, e este medicamento é destinado à pequena, e não à mãe. Outras mães chinesas (as que podem) compram este produto, que supostamente “limpa” os brônquios das suas crias, tornando-se uma alternativa mais rápida e prática do que os xaropes convencionais ou as sessões de vapores medicados – se resultar. O clima em Macau é problemático para as crianças pequenas: húmido e quente no Verão, frio e seco no Inverno, propenso a viroses. Os hospitais apinham-se de bebés engripados e febris, e as idas às urgências chegam a ser frequentes até aos 3 ou 4 anos de idade, mesmo entre as crianças mais saudáveis e robustas.
Há quem tenha uma teoria plausível para este fenómeno: em Macau e Hong Kong uma grande parte das mães chinesas não tem o hábito de amamentar as crianças, optando pelas fórmulas de leite em pó que tanto brado têm dado pela enorme procura por parte de turistas da China continental, que não confiam nas marcas chinesas, e que muitas vezes supera a oferta de farmácias e supermercados locais. A razão é predominantemente estética, pois as mulheres chinesas acreditam que a aleitação provoca a flacidez dos seios. Esta tendência verifica-se mais entre as mães mais jovens, especialmente depois do primeiro parto. Muitas na casa dos 30 anos que têm dois ou mais filhos optam por dar de mamar sem muitas reservas. Afinal a juventude é coisa do passado.
Perdoem-me a ingerência em tetas alheias, mas não existe um substituto para o leite materno, por mais garantias que dê a marca de leite em pó mais cara do mercado, com todos os seus “C+” ou “A+++” acompanhadas de desenhos de bebés segurando diplomas universitários (ridículo…). O leite materno é essencial para que o bebé construa defesas sólidas, um sistema imunitário que lhe garanta um crescimento saudável, resistente aos mais variados vírus que procuram o seu frágil corpinho. A solução mais eficaz para evitar as idas ao hospital a meio da noite é tirar as maminhas de fora, indiferente aos ditames da estética. Algumas mães desculpam-se com o facto de “não terem leite”, mas até elas sabem muito bem que a produção requer estimulação. É um processo da natureza tão antigo como a própria humanidade.
A minha colega ficou com a ampola da tal “erva macaca”, mas deixou-me ficar com a caixa, para que pudesse saber mais sobre este “produto natural” que custa 200 paus o tirinho. Um bebé até aos 3 meses (!) deve tomar apenas meia dose, uma criança ou adolescente até aos 16 anos de idade uma dose inteira, e um adulto deve tomar duas doses, ou seja, nesse caso a brincadeira fica em 400 patacas. Outras pessoas que desconheciam este verdadeiro milagre da medicina ficaram surpreendidas, especialmente com o preço. A julgar pelo sucesso da “erva macaca” e outros produtos bastante requisitados nessas lojas, a vida corre bem aos responsáveis da Eu Yan Sang, uma marca respeitável. E o que penso eu da eficácia do produto? Não sei, mas assim de repente vêm-me à cabeça duas palavras: placebo e crendice. Está tudo na mente…e na carteira.
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