domingo, 27 de janeiro de 2013

Por uma cabeça de leitão


Fui hoje ao final da tarde ao supermercado aqui atrás de casa, e passei pelo Beco dos Colonos, onde se encontra um pequeno mercado que vende fruta, legumes, ovos, peixe e mariscos fresco e carnes secas, congeladas ou assadas. Um pouco de tudo. Atravessar esta transversal entre a Rua dos Colonos e a Rua 5 de Outubro é uma oportunidade rara para observar o pequeno comércio tradicional, onde os residentes deste bairro podem adquirir os ingredientes frescos para o jantar, opção que normalmente fazem em deterimento dos congelados ou pré-cozinhados. Um cenário que nem todos apreciam, especialmente os que se impressionam com as peixarias onde as cabeças de peixe completamente decepadas do resto do corpo ainda mexem vigorosamente as guelras, sugerindo uma morte dolorosa e horrível. Coisas da cruel mãe natureza.

Passando por uma loja de carnes assadas, onde normalmente se compra “char-siu” ou “siu ngap” (pato assado), reparei numa cabeça de leitão assada dentro de uma daquelas caixas de esferovite. Enquanto estava no supermercado fiquei a pensar na suculenta mona do porco, e determinei-me a adquiri-la no regresso. Permitam-me o delírio, mas desconfio que o suíno me piscou o olho, apesar deste ter sido vazado juntamente com o seu par antes do bicharoco ser levado ao forno. Quando lá chego, “domage”, tinha desaparecido! Perguntei à senhora da loja se aquele belo exemplar de cachola tinha sido vendido, e de facto houve alguém que se antecipou, para meu infortúnio.

Com um sorriso de orelha a orelha, a simpática talhante anunciou-me que “outra cabeça vinha a caminho”, e sugeriu que seguisse a sua filha – uma adolescente com avental e botas de borracha que ajuda a mãe na loja – até ao local de produção de leitões assados. E lá fui, seguindo por outros becos e travessas, até chegar a uma espécie de talho onde eram cortados e processados os cadáveres de suíno. Fui mandado ficar cá fora à espera, como quem aguarda um produto ilegal, mas menos de um minuto depois a moça sai com uma carcaça completa de leitão assado, espetada num engenhoso garfo comprido e com as orelhas cobertas de folha de alumínio, cuidando que não carbonizem durante a assadura. A atenção ao detalhe…

Regressámos então á loja onde a proprietária separou a cabeça do resto do leitão, embrulhou-a num papel e entregou-ma dentro de um saco, em troca da módica quantia de 20 patacas. Soube-me muito melhor depois de testemunhar uma parte importante do processo. Menos sorte para quem levou aquela cabeça que me aguçou o apetite, pois faltava-lhe o principal ingrediente: o amor.

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