quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Nós e o crédito


Quando era puto e consumia avidamente filmes americanos, havia coisas que me deixavam impressionado: os jacuzzis, os telemóveis (literalmente telemóveis, os telefones dentro dos carros) e os cartões de crédito. Aquilo é que eu vibrava quando via um parvalhão de um americano a puxar da carteira cheinha de cartões de crédito, um mais brilhante que o outro, e pensava: “epá este gajo é rico”. Entretanto o irmão mais velho de um amigo meu imigrou para o Canadá, ficou lá dois anos e meio, e quando resolveu ir embora pediu um cartão de crédito. Estoirou a massa toda, foi embora e nunca mais pôs os pés no Canadá. Tornou-se uma espécie de herói lá na rua.

Cresci e apareci, e a primeira vez que tive um cartão de crédito propriamente dito foi em Macau. No dia em que recebi o cartão, novinho em folha, fui “festejar” para o supermercado e gastei mais de mil “paus”. Era uma sexta-feira. Na minha ingenuidade, pensava que se tratava de “dinheiro de graça”, mas tive o discernimento para parar antes que a coisa fosse longe demais, e tal como aconteceu com muitos dos nossos bom compatriotas em Macau, gastasse mais do que tinha. Sim, porque a palavra “crédito” aqui é usada com ânimo leve. Ter “crédito” não é propriamente merecer a confiança, e qualquer um, com algum jeitinho, conseguia um plafond de 50 mil auferindo um vencimento de dez ou quinze mil patacas.

O pior foi depois, na hora de pagar. Ter muitos cartões de crédito não significava ter estatuto. Significava apenas ter a caixa do correio cheia de contas. Quando fui a Portugal de férias em 1998, “descurei” o pagamento de um dos cartões, e quando voltei tinha uma carta muito simpática do banco dizendo qualquer coisa como “temos a certeza que V. Exa. Se esqueceu”. E não é que tinham razão? Só que essa era normalmente a última carta simpática que chegava, isto quando não se seguia um telefonema daquelas agências de cobrança coerciva.

A relação dos nossos expatriados com os cartões de crédito era muito engraçada. O meu episódio favorito passou-se com um senhor que tinha chegado de Portugal há pouco tempo, e mal se apanhou com o dinheiro de plástico nas mãos, “queimou” o crédito todo numa loja de equipamentos de fotografia, comprando tudo do bom e do melhor. De seguida foi à Tailândia de férias (a crédito, claro) e foi assaltado. Não lhe ficou um tripé para a mostra. C'est la vie, terá exclamado o douto senhor. E toca a comprar tudo de novo.

Outros episódios semelhantes iam acontecendo, mas quem ficava sempre a "arder" eram...os bancos. A situação ia-se tornando incomportável, e os portugueses que se desfaziam em compras e viagens diversas antecipando o regresso ao rectângulo (onde a vida é, como se sabe, "mais difícil") acumulavam-se as dívidas e os juros, enquanto os utilizadores insolventes se iam virando para mais instituições de crédito, de modo a continuar a festa. Como os compreendo, contudo. Tempos houve em que puxava do cartão para pagar tudo: contas da farmácia, livros, roupa, sapatos, almoços e jantares, tudo. Chegava a andar sem dinheiro na carteira. Era mais fácil, era uma ilusão.

Nalguns os olhos brilhavam como se fossem crianças presenciando um acto de magia. Como era possível que nos providenciassem bens e serviços sem precisar de pagar em dinheiro vivo? O menos engraçado foi o que se passou na altura da transferência de soberania. Muito boa gente regressou à pátria e “esqueceu-se” de pagar as contas. E não foram apenas os mais pelintras. Muitos senhores e senhoras de bem passaram a integrar a lista negra dos bancos do território. A situação foi de uma gravidade tal que as instituições bancárias desconfiavam de tudo o que é português.

No ano 2000 candidatei-me a um cartão de crédito num dos bancos do território, e precisei de provar que tinha habitação própria em Macau, como prova de que não ia na próxima caixa levantar o plafond inteiro e depois dar corda aos sapatinhos! Disseram-me então que era “requisito comum a todos os clientes. Está bem abelha. Só a cara que fizeram quando me dirigi ao balcão de crédito foi suficiente para me tirarem as medidas. Tinha "perigo" escrito na testa. Estava marcado.

Entretanto deixaram de haver os portugueses e os "outros", e hoje as instituições de crédito funcionam lindamente. De tão satisfeitos que estão com a fidelidade e pontualidade na hora do pagamento, os bancos levam a cabo promoções que premeiam quem gasta mais, em forma de cupões de supermercado, senhas de gasolina, pontos que podem ser convertidos em prémios, e outros brindes. O segredo para viver em paz com o nosso amigo de plástico é simples: pague tudo mesmo mês, senão as contas aos juros levam os bancos a fazer gato-sapato consigo. Não existem almoços grátis, e muito menos dinheiro grátis.

15 comentários:

Anónimo disse...

Agora já não se é tratado com a mesma desconfiança pelos bancos porque eles já perceberam que as grandes sanguessugas portuguesas se foram quase todas embora em 1999, quando acabou a mama.

Anónimo disse...

Anónimo das 11:17, olhe que não, olhe que não. Ainda anda por aí muitas sanguessugas portuguesas a solta pela RAEM.

Anónimo disse...

Depois de ler este post do Leocardo acho que seria uma discussão infindável até que ponto os cartões de crédito dos bancos de Macau terão importância para os portugueses.

Anónimo disse...

O Anónimo das 11:31 não tem cartão de crédito de Macau? Ainda estou para conhecer alguém que o não tenha. E se o têm, é porque é importante e não há discussão possível.

Anónimo disse...

" ...sanguessugas portuguesas.."
Isto hoje parece uma conversa de cafe no Solmar.

Anónimo disse...

" nao existem almocos gratis, nem dinheiro gratis..."

Caramba, voce hoje esta inspirado!
Entao e os bailouts e os BCPs e os BPNs,isso e o que?

Anónimo disse...

Eu nao tenho cartao de credito de Macau (nem tildes). Tenho apenas um cartao ATM do BCM que é uma merda, mas também nunca uso.

Anónimo disse...

O rego do Cu do Leocardo é uma ranhura onde o Leocardo dá crédito aos seus clientes, que passam por lá o cartão de crédito, a quem a doida do Leocardo dá crédito!

Leocardo disse...

O homem anda obcecado pela paneleirice. Está a precisar de ir à Tailândia fazer uma recauchutagem, homem. Veja lá se atina.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Cumprimentos o caralho pah! Leocardo, saia de uma vez por todas do armario, seu traveco de meia tigela! Nunca fui a tailandia nem quero ir. Va la voce levar na bilha dos paneleiras, sua avantesma sem vergonha.

Anónimo disse...

Já vi que o anónimo das 6:10 é um felizardo que não precisa de dinheiro, já que nem o cartão multibanco usa. Se não precisa dele, dê-o ao anónimo das 12:25, que esse, sim, precisa de muito dinheiro para ir à Tailândia e fazer a operação física que lhe acalmará a psique.

Anónimo disse...

Anda a tentar ser engraçado, mas coitado...

Anónimo disse...

Eu disse que nao tenho cartao de credito de Macau, o que é verdade, mas tenho cartoes de outros bancos de fora de Macau. Bancos que oferecem melhores serviços e a melhor custo mesmo sendo de fora.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Acredito, desde que se esteja a referir a bancos perto de Macau (Hong Kong, por exemplo). Não é com certeza a cartões de bancos portugueses, que esses nem para limpar o rabo servem, porque são muito duros.

Anónimo disse...

Conheci muitos portugueses que foram embora em 1999 e deixaram contas por pagar, uma vergonha para os portugueses que ficaram por cause deles.