Terminam hoje os Jogos Olímpicos de Pequim, a terceira olimpíada realizada na Ásia, e discutivelmente a melhor de sempre. Não por ter sido na China, já lá vamos, mas pelas marcas conseguidas, pelos recordes batidos, pela competitividade, pelas expectativas, surpresas, e todos os
fait-divers que lhe deram cor. De Pequim saíram novos heróis, outros que podiam ter sido e não foram, histórias de sucessos inesperados, e outros fracassos ainda mais inesperados, um pouco de tudo. Confesso que nunca segui um olimpíada tão de perto, mas também foi a primeira a merecer uma cobertura televisiva quase total, e logo no mesmo fuso horário em que me encontro.
Os jogos foram realizados na China, o que mereceu a crítica do Ocidente, de alguns ocidentais, de opinistas de todos os quadrantes. Li alguns que me põe de boca à banda. Argumentos que passam pela “demonstração de força” da China, pelo exibicionismo do “poderio militar” ou organizativo, pela “vontade de ganhar mais medalhas”, todos os paus serviam para bater. Primeiro congratulo-me que a China tenha organizado uns bons jogos. Se a China tivesse falhado, não percebo para quem isso seria bom. Quem ficava a ganhar se a China tivesse organizado mal os JO? O Tibete? Os direitos humanos? A liberdade de imprensa? A Falun Gong?
A questão do militarismo provoca também divisões. Em relação à cerimónia de abertura, por exemplo, onde se vasculhou debaixo do tapete à procura de todas as nódoas. Fico feliz que enquanto as outras potências mundiais tinham as suas tropas no Iraque ou na Geórgia, a China tinha o seu exército a ajudar nos Jogos. Se estavam lá a mais ou a menos, é apenas uma questão de gosto. A questão da "visibilidade" tem sido das mais mencionadas: "a China ganhou visibilidade aos olhos do mundo". Vê isso quem quer ver os Jogos como uma oportunidade de fazer propaganda. E os restantes países que os organizaram? Queriam só fazer um favorzinho ao COI?
Quanto ao facto da China ter vencido mais medalhas de ouro, é normal. É perfeitamente natural que o país mais populoso do mundo, que gosta e investe no desporto, tenha mais medalhas que os restantes países. A China era já a segunda potência em 2004, à frente de “clássicos” como a Rússia, a Alemanha e a Austrália, e só não o foi antes porque passou anos na obscuridade até à década de 80 do sec. XX. Como disse muito bem o Hélder Fernando, então a partir de agora com estas infra-estruturas, serão imparáveis. É verdade que nos últimos anos os chineses trouxeram especialistas estrangeiros para melhorar nas modalidades em que são menos fortes, mas e depois? Isso é censurável? Que desportivismo é este em que se aponta o dedo a quem quer ganhar?
O meu colega Nuno Lima Bastos levantou uma questão interessante. Não seria melhor que o COI atribuísse os jogos à China
depois dos chineses se aproximarem dos padrões ocidentais de democracia em vez de lhes entregar os jogos de mão beijada e esperar que isso acontecesse naturalmente? Nunca, mas nunca o COI entregou ou vai entregar a organização dos Jogos a um país completamente inocente, ou de quem toda a gente goste. E curiosamente em Pequim estiveram todas as delegações inscritas no comité. Todas as 204.
Primeiro é preciso analisar a frieza dos números. Não é fácil organizar os jogos, quer em termos de investimento, quer em termos de retorno. Montreal organizou em 1976 e só os acabou de pagar em 2002. Barcelona organizou em 92 e ainda os está a pagar. Não sei qual a situação de Atenas, que organizou em 2004, mas não deve ser muito melhor. Mesmo em Portugal, quando se levantou a hipótese de organizar em 2020, muitos ficaram de cabelos em pé.
É verdade que candidatos nunca faltam à organização dos Jogos, mas são quase sempre cidades norte-americanas, europeias ou japonesas. Tivemos vários exemplos de organizações associadas com regimes pouco simpáticos. Nem falando dos jogos de Berlim em 1936, com que se faz uma – grossa, diga-se de passagem – comparação com estes jogos. A Argentina do ditador Videla teve o Campeonato do Mundo de Futebol em 1978, em Moscovo realizaram-se dois anos depois os JO de todos os boicotes, e aparentemente só a Colômbia dos cartéis renunciou à organização do Mundial de 1986, que acabou por ser no México. Foi assim e assim vai ser sempre. Preparem-se para que a “nova Rússia” apareça um destes dias com uma sede de organização de eventos desportivos sem igual.
Depois há a questão do Tibete. Estes Jogos marcaram o nascimento de um novo desporto radical: pendurar faixas de apoio ao Tibete na Praça Tiananmen. Cansados da indeferença do Governo norte-americano às demonstrações de repúdio à Guerra do Iraque em frente à Casa Branca em Washington, os adeptos deste desporto encontraram em Pequim a sua Meca. Agora que acabaram os Jogos, como vai ser tratada esta questão? Com a mesma intensidade? Uma sugestão: e que tal começarem a preparar a romagem a Londres 2012 onde podem protestar contra a situação na Irlanda do Norte, ocupada pelos ingleses? Proponho uns chavões: “Libertem o Ulster”, “Uma só Irlanda” ou “Irlanda para os irlandeses”.
E depressa, já que pecaram pela ausência em Sydney em 2000, onde podiam ter melhorado o mundo protestando contra o tratamento desumano que é dado desde sempre aos aborígenes da Austrália. Se calhar tem mais piada ir à China, onde existem leis contra este tipo de manifestações. A adrenalina sobe mais quando se visita um país e desrespeitam-se as leis desse país. É como besuntar-se completamente de mel e passear numa floresta repleta de ursos.
Uma nota final para a população e o público chineses. Receberam bem os jogos e os seus visitantes, não se registaram incidentes de maior. Em competição demonstraram um enorme desportivismo, aplaudiram os vencedores e vibraram intensamente com os feitos, independente da sua origem e nacionalidade. Não se apuparam atletas nem se assobiaram hinos. Houve muito boa gente que terá ficado desiludida...