domingo, 22 de maio de 2016

O povo é sereno, mas não é manso (nem parvo)


O Chefe do Executivo anda a ser mal assessorado. Pronto, já disse, e até se pode dizer que fui bastante simpático. Contudo, sorte a minha que não exerço funções numa instituição privada que faz questão em manter a bunda do poder bem ensaboada, temendo perder certas contrapartidas caso não o faça - é "cultural", já sabem. Ah, ah, mas trabalho para o Governo! - Diria o sacripantas mais zeloso e fdp, anunciando o que toda a gente sabe julgando assim que me consegue intimidar. Pois é, trabalho para o Governo, e o CE também! E a quem tenho eu que dar contas quando piso na bola? Ninguém em especial, garanto, ou pelo menos não é a Pequim, não senhora. No caso da doação dos cem milhões de patacas que levou na última segunda-feira cerca de três mil manifestantes às ruas, o problema volta a ser o mesmo: confunde-se povo sereno com povo manso. A malta encolhe os ombros a certos trambiques, e em alguns casos até inveja, e admira os artistas que se colocam em posição de executar tão arriscado quanto complicado truque, como é esse de fazer desaparecer misteriosamente uns milhõezitos. "Se fosse eu, só me arrependia do que não sacasse", diriam mesmo alguns. Pois, mas agora assim, 100 milhões para uns gajos do lado de lá apenas "porque sim" é que não pode ser nada. E ainda por cima numa altura em que o discurso é de contenção, devido ao abrandamento da economia (leia-se "redução ligeira da velocidade vertiginosa a que circulava"), e quando cada vez mais se ouve falar em "transparência", "rigor", e outros ornamentos vocabulares que no fim só dão mesmo vontade de rir, que sempre é preferível a chorar. Mas existirá um limite para o ridículo, afinal?


Já sei, já sei o que estão a pensar, mas acontece que censurei esta imagem apenas para "não assustar idosos e crianças". Yep, parece que o critério para aquilo que assusta pessoas sensíveis é muito variável, e segundo um certo deputado, exercer o direito à manifestação, que paradoxalmente considera "legítimo", ostentando caricaturas e "atirando aviõezinhos de papel" é "ofensivo", e "censurável", e ainda "será que esses manifestantes não têm famílias???" Eu respondo: famílias têm, o que não têm é acesso a 100 milhões para dispor assim por dá-lá-aquela-palha, sem dar satisfações a ninguém, mas isso não ofende ninguém, não senhora. Eu já tinha dado uma risota quando ouvi a justificação das autoridades para não autorizar a passagem da manifestação pela praça onde está situada a Assembleia Legislativa: "é uma zona verde protegida" - deve ser pelas aves raras que ali habitam de vez em quando. Mas isto é demais. Eu até entendo que o figurão aí venha defender  a sua dama, ou neste caso cavaleiro, e quero dizer literalmente, uma vez que foi este quem lhe arranjou o tacho, mas isto é um exagero, sinceramente. Aqui quem fica ofendido sou eu, e possivelmente qualquer pessoa com o mínimo de pudor que detecte sem muito esforço o atentado à inteligência que este indivíduo levou a cabo. E estava a falar para quem, no fim de contas? Alguém secundou aquela palhaçada? Mais valia ter ficado calado, como por exemplo...


Aqui, no editorial/comentário/o que vocês quiserem que ficou por escrever sobre o assunto, o que seria muito estranho, uma vez que esta temática costuma ser prato do dia na publicação aqui ao pé de casa, e que habitualmente toma posições a favor "da casa". Pois é, há limites para tudo, e há injustificáveis que são mesmo impossíveis de justificar. Mais vale, sei lá, falar dos táxis? Dos 50 anos da Revolução Cultural? Ou se calhar faz-se um descargo de consciência, assim em jeito de texto tão ambíguo que é impossível de se decifrar, dedicado ao vírus das vacas loucas (?). Não quero insinuar nada, entenda-se, e a referência deve-se apenas ao "timing", sei lá? 'Bora lá falar de outra coisa, pronto, dos juristas que não pescam nada sobre Direito de Macau, e obtêm os canudos na Farinha Amparo, por exemplo. Isso sim, é grave (fora de brincadeiras, é mesmo). Cem milhões? Pff...e o vento levou.



Mas voltando ao início, quando digo que o nosso CE é "mal assessorado". De facto, em vez de uns pacóvios que se limitam a dizer "depois as pessoas esquecem", tomando o mundo todo de parvinho, dava muito mais jeito ter este indivíduo ali em cima na imagem para desatar estes nós. Um hipnotista, sim, que convencesse o povão que "sim senhor, justifica-se a doação de 100 milhões à tal Universidade de compadres lá do tai-lok", e que é mesmo uma evidência de que "formam a maioria dos médicos de Macau", e até se podia ir mais longe, acrescentando que "se não fosse por eles, estávamos todos mortos", e que tal? Na falta do encantador encantador (nos dois sentidos, portanto), temos jovens completamente insuspeitos a participar numa manifestação, onde ainda por cima dizem coisas como "o dinheiro é da população, e não deve ser usado assim sem mais nem menos", quando lhes metem o microfone à frente. Epá, e que tal dizer que os putos que disseram aquilo estavam combinados com os democratas, esses malvados? Na, é melhor não, que isso era a mesma coisa que mandar um secretário justificar-se a toda a hora de uma coisa que ninguém perguntou, como aconteceu recentemente com um lamentável infortúnio, que no fim custou a alguém a vida. Aqui foi mais um tiro no pé, pronto, e quanto vale ter quer andar por aí, assim, coxo? Cem milhões, chega?

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