Já aqui falei dos anos 80 na Eurovisão, mas e a nível doméstico, em Portugal? Depois de ser considerado o maior evento musical anual do país nos anos 60, época de ouro do nacional-cançonetismo, e ter atravessado um período de estranhas mudanças após a Revolução dos Cravos, o Festival RTP da Canção chegava a 1980 com um estatuto de evento "assim-assim" no que dizia respeito a revelar novos talentos. Mesmo assim durante a década dos oitenta foram muitos os artistas que se "fizeram" no Festival, e chegam a haver muitos momentos interessantes. Vamos então recuar mais de 30 anos na auto-Estrada da memória e ver o que encontramos.
José Cid era à altura da sua vitória no Festival RTP da Canção em 1980 um nome conceituado. O ex-vocalista do Quarteto 1111 e dos Green Windows tinha já uma respeitável carreira a solo, e em meados dos anos 70 gravou o disco "10.000 anos depois entre Vénus e Marte", que é hoje considerado uma obra-prima do rock sinfónico. "Um grande, grande amor" obtém a preferência do júri nacional e vai representar Portugal no Festival da Eurovisão em Haia, obtendo um honroso sétimo lugar - a segunda melhor classificação de sempre para o nosso país.
José Cid regressa em 1981 ao Festival com o tema "Morrer de amor por ti", mas não vai além do 2º lugar, a 41 pontos do vencedor, um tal Carlos Paião. "Playback", considerado por muitos um dos temas mais icónicos da história dos festivais, não foi além do penúltimo lugar em Dublin, onde se realizou a Eurovisão nesse ano, mas consagrou Paião como um dos maiores génios da música ligeira em Portugal nos anos 80. A sua carreira ficou tragicamente encurtada em Agosto de 1988, quando perdeu a vida num acidente de viação no regress de um concerto no centro do país. Tinha 30 anos. Neste "Palyback" é possível identificar a comediante Ana Bola como um dos elementos do coro.
Em 1982 ganham finalmente as Doce, com "Bem Bom". Digo finalmente porque o quarteto feminino composto por Fátima Padinha, Teresa Miguel, Lena Coelho e Laura Diogo tinha ficado em 2º lugar em 1980 com "Doce" e em 4º lugar em 81 com "Um homem das Arábias". Com este "Bem Bom", que bateu "Trocas e Baldrocas" de Cândida Branca-Flor no Festival RTP, a primeiríssima "girls-band" portuguesa vai até ao Luxemburgo participar na Eurovisão, de onde traz um 13º lugar.
O Festival da RTP de 1983 foi bastante disputado, com a vitória a pertencer a Armando Gama, com "Esta Balada que te Dou", que termina à frente de Herman José, com "A cor do teu batôn". Outras entradas incluíam Alexandra, Jorge Fernando ou os Broa de Mel, e ainda um dueto entre Cândida Branca Flor e Carlos Paião, "Vinho do Porto, Vinho de Portugal", que se quedou pelo 4º lugar. Armando Gama representou as cores nacionais em Munique, e repetiu o 13º lugar das Doce no ano anterior. Armando Gama viria a fazer a sua carreira musical ao lado de Valentina Torres, locutora da RTP com quem casou em 1986.
Em 1984 a RTP aposta forte em melhorar as fracas classificações na Eurovisão dos três anos anteriores, e realiza uma final do Festival, seguida de uma finalíssima, com as seis melhores classificadas. Nessa finalíssima participam nomes como Paco Bandeira, António Sala, Samuel ou Adelaide Ferreira, mas a vencedora é a pianista clássica Maria Guinot, com "Silêncio e Tanta Gente", que bateu Samuel por 10 pontos. No Luxemburgo, país que acolheu a Eurovisão nesse ano, Maria Guinot obteve o 11º lugar entre 19 concorrentes. Neste vídeo que aqui deixo, reparem bem no penteado da então jovem Manuela Moura Guedes. Outros tempos, outros tempos...
Em 1985 ganha Adelaide Ferreira, uma mulherzinha irritante com tiques de roqueira, que levou o seu "Penso em to (eu sei)" a um mediocre 18º e penúltimo lugar na Suécia, onde se realizou o Festival da Eurovisão esse ano. Em retrospectiva, pode-se dizer que Adelaide Ferreira foi uma má escolha, num ano em que o júri nacional parecia estar um pouco duro de ouvido. O 2º lugar foi para uma tal Eduarda, e o terceiro para os jovens Nuno e Henrique Feist, enquanto a melhor canção da noite, este "Umbadá" de Jorge Fernando, não vai além do quarto posto. Penso que é consensual que "Umbadá" é de longe uma canção melhor que "Penso em ti (eu sei)". Curiosamente o último lugar do Festival RTP desse ano foi para os Delfins, na altura uma banda recém-formada, com o tema "A casa da praia".
Em 1986 o Festival da RTP adopta um método de selecção esquisitíssimo, com três canções a serem selecionadas para uma votaço final, das 12 iniciais a concurso. Num ano em que concorreram nomes como Gabriela Schaaf, Carlos Alberto Moniz, Luís Bettencourt, Né Ladeiras, Sergio Borges (vencedor em 1970) ou Lara Li, os finalistas são o grupo Rimanças (!) com "No vapor da madrugada", um tema de raíz popular, os portuenses Trabalhadores do Comércio, com "Tigres de Bengala", uma canção com uma nota humorística, e aquela que acabaria por sair vencedora, Dora, com "Não Sejas Mau P'ra Mim". O tema era razoavelmente festivaleiro, e foi até à Noruega obter um 14º lugar entre 20 concorrentes. Na retina ficaram as botas que Dora usou nesse dia, a combinar com a saia de couve-galega e o penteado eléctrico. Vamos recordar esse pitoresco momento.
Dora regressaria à Eurovisão em 1988 com "Voltarei" (e voltou mesmo), tornando-se a par de Simone de Oliveira a única representante portuguesa a repetir a presença no certame europeu como acto principal (José Cid participou em 1998 com os Alma Lusa). No ano anterior, em 1987, e num dos festivais mais fraquinhos de sempre, venceu o Duo Nevada com "Neste barco à vela". A década de 80 ficaria concluída com a vitória dos pirosíssimos Da Vinci, que em 1989 terminaram à frente de Marina Mota numa final que teve apenas cinco concorrentes. "Conquistador" foi a Lausanne, na Suíça, e não foi além de um modesto 16º lugar na Eurovisão, entre 22 concorrentes. "Já fui ao Brasil, Praia e Bissau, e à Eurovisão, onde fiquei mal..."
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