Lord Byron chamava ao café “aquele feijão maroto”, e aproveitava as suas propriedades para produzir mais poesia. No início do sec. XVIII, época de Byron e dos outros românticos, o café era ainda associado a actividades de rebeldia na Grã-Bretanha, onde teria chegado um século antes. A planta do café, cujos grãos se assemelham a pequenas cerejas no seu estado natural, é originária da Etiópia. Depois de torrados, os grãos são destilados e originam uma bebida escura com efeitos estimulantes, graças à presença de um alcalóide, a cafeína, que provoca dependência psicológica. O café terá começado a ser consumido no sultanato do Iémen nos finais do século XVI, e chegou a ser conhecido pela “bebida dos islâmicos”. A companhia das Índias holandesas começou a importar o café para a Europa em grandes quantidades em 1717, vindo de Java, na actual Indonésia. Hoje é uma das bebidas mais consumidas do mundo, e os seus grãos cultivados em mais de 70 países.
Existem muitos tipos e variedades de café. Aquele que é considerado o melhor (e mais caro) é o jamaicano Blue Mountain, mas o mais conhecido é provavelmente o brasileiro, nomeadamente o de Santos, que é há dois séculos o produto mais exportado do estado de S. Paulo para todo o mundo. Na ilha de Sumatra, na Indonésia produz-se o “kopi luwak”, destilado a partir das fezes de um marsupial que engole e digere “as melhores bagas” da planta do café, que depois é tratado, torrado e acaba numa bebida caríssima, que chega a custar 200 patacas por chávena em Hong Kong. O café em geral pode beber-se simples, com leite, com creme, em batidos, e entra como ingrediente em bolos, bolachas, gelados, pudins, gelatinas e outra doçaria. O seu sabor e fragrância são inconfundíveis, e mesmo quem não goste de beber café, não resiste ao seu delicioso aroma.
Apesar de alguns povos higienistas, como os americanos, considerarem o café prejudicial à saúde e acharem impensável dar café a uma criança, para nós chega a ser quase tão natural como respirar, que adquirimos ainda muito novos. É um hábito que os próprios americanos consideram tipicamente “europeu”. Os portugueses adoptaram como bem de primeira necessidade um café curto e forte de origem italiana a que chamou de “bica”, que é servido em qualquer estabelecimento de restauração, pastelaria e padaria por todo o país. Não há refeição que fique completa sem a tradicional bica, e pode-se encontrá-la em qualquer cafézinho de aldeia, por mais rafeiro que seja. Quem é menos tolerante à tal cafeína pode optar pela versão descafeínada, também disponível em qualquer estabelecimento. Eu próprio comecei a consumir café desde muito pequeno, e terei começado a ter o hábito da bica aos 12 anos, e não passo sem pelo menos três “doses” diárias.
O café está tão implantado na nossa cultura que se confunde com o nome do local onde bebemos as nossas bicas, galões ou meias de leite: é o “café”. Quando vamos a Portugal de férias, só temos a certeza que chegámos realmente depois de matar saudades da nossa bica, a melhor do mundo. A primeira coisa que fazemos quando chegamos a um café depois da cansativa viagem que fizemos do oriente é pedir “uma bica, fáxavôr”. Só esta acção já é suficiente para obter alguma satisfação. O empregado, indiferente, traz-nos a bica, como faz centenas de vezes por dia, mas para nós trata-se de uma cerimónia quase religiosa, esta de beber uma bica bem tirada. A tradição é levada tão a sério que caso não achemos que a bica está bem tirada, podemos pedir outra, sem custos adicionais. Com a bica não se brinca.
Em Macau é complicado, senão impossível, encontrar uma bica em condições. Aqui na maioria dos locais onde é servida chamam-lhe de “café expresso”, “expresso coffee” em inglês, ou simplesmente “expresso”. Uma vez estava em Zurique, e já habituado a estes locais onde não existe a cultura da bica, pedi um “expresso coffee” à senhora germânica que estava ao balcão de uma pastelaria. A senhora trouxe-me um café regular e uma bica. Quando lhe disse que tinha pedido apenas “um café expresso”, respondeu-me que “
nein, you asked for ein coffee und ein expresso, ja?”. Já que não falo nazi, encolhi os ombros e dei o café à minha irmã, que vinha comigo, mas não teve piada pagar 5 francos suícos (30 patacas) por cada uma das versões do café.
Quando aqui cheguei habituei-me rapidamente a beber Nescafé em casa, que não sendo a mesma coisa dava para alimentar o vício. Quando “ia à bica”, optava pela antiga Toscana da Rua Formosa, onde se bebia uma versão sofrível, e fui descobrindo outros sítios. Qualquer restaurante português que se prezasse servia a bica, uns melhores que outros, mas muitos como senão das bicas serem tiradas por filipinos, que não eram obrigados a estar a par do nosso exigente gosto. Como trabalhava na Av. Sidónio Pais, tinha à mão de semear bicas mais ou menos aceitáveis no Riquexó ou no café/restaurante que existia ali ao lado, propriedade de um senhor português, o José António. Podia mesmo optar por beber a bica no serviço, pois qualquer repartição estava equipada com café e respectiva máquina. Mas outra vez, nada comparado com a bica que se tira nos cafés em Portugal.
Ainda hoje não há local em Macau onde se beba uma bica igual a qualquer café de bairro em Portugal. Além disso ainda pesa o factor preço; enquanto aqui pagamos 12 patacas ou mais por uma bica, em Portugal paga-se metade disso ou menos. Não sei se o problema aqui é da qualidade do café, ou da água, como já defenderam alguns especialistas, ou se é apenas por sermos uns gajos esquisitos, mas em termos de bica não há melhor que em Portugal. No território chegámos a ter no extinto café Ruby uma coisa mais ou menos aproximada, cortesia do empresário Rui Nabeiro, dos cafés Delta, mas foi sol de pouca dura. Existem duas companhias que se especializam em café, a Tan Heung San e a Chip Seng, mas que de bica percebem muito pouco, e do Starbucks é melhor não falar, deixando-os com os seus “solo” e “doppio” expresso, que não merecem serem chamados de bica.
Os chineses em particular e os asiáticos em geral gostam de café, claro, mas preferem bebê-lo em chávenas enormes e de preferência com leite, para neutralizer a acidez. Consideram o nosso hábito da bica “esquisito”, acham-na “muito forte” (como se a quantidade de cafeína consumida dependesse da quantidade de água) e estranham que paguemos tanto “por tão pouco café”. Pois, não adianta explicar, é mesmo uma coisa muito nossa. Quem nos tira a bica tira-nos tudo.
3 comentários:
Eu como tambem nao passo sem cafe acabei por comprar uma maquina de expressos da Saeco . Vale bem a pena
O que se aproxima da nossa "bica" e sai sempre bem ao nosso gosto, é o "Nexpresso". O problema é que temos de ir a Hong Kong comprar as cápsulas ou mandá-las vir através da Net, mas dá tanto trabalho, que mais vale pedir a alguém que vá a H.K. ou irmos lá nós. Mas compensa, porque sai sempre cremoso!
Boas bicas e bons cafés no "Terra" (Largo de Sto Agostinho) https://www.facebook.com/terracoffee
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