sábado, 19 de janeiro de 2013

Bom português, anda cá outra vez


Como já tenho dito várias vezes neste espaço, é com grande satisfação que vejo cada vez mais portugueses que nos chegam fresquinhos da República ao território. Enche-me de orgulho o peito lusitano com esta vaga de imigração, que no fundo tem contornos diferentes daquela que se verifica para Luxemburgo, Suíça e outros, pois Macau continua a ter o seu “cheirinho” a português, apenas 13 anos que estão decorridos da entrega do território à China. A melhor parte é que muita desta malta que chega, a maioria, é jovem, inteligente, educada e trabalhadora. Que sejam muito bem-vindos, e os que vêm sozinhos possam em breve trazer a mulher, os filhos ou a namorada, conforme o caso. Só interessa que venham por bem.

Quando cheguei a Macau existia uma comunidade portuguesa muito mais heterogénea que hoje. Era malta de todos os estratos e origens, uns gente honesta e trabalhadora, outros nem por isso, uns bem intencionados outros nem tanto. Uma grande parte estava aqui a prazo e sabia disso, outros vinham garimpar uns patacos e depois regressavam. Os que ficaram, e desculpem-me a vaidade, foram os que faziam falta. Não ficou quem quis, ficou quem pôde, se bem que muitos queriam ficar mas foram atirados “borda fora”, como já esmiucei num post anterior. Alguns deixaram raízes e até regressaram à agora RAEM, outros nem querem ouvir falar de Macau, pelas razões mais diversas. Nem é preciso dizer que esses não fazem cá falta nenhuma.

Existia no início dos anos 90 uma elite de portugueses, gente que não cheguei a conhecer muito bem, que estavam aqui a exercer a sua função tecnocrática em comissões de serviço chorudas, debaixo da asa protectora do general e dos seus amigos de quartel. Viviam em faustosas vivendas ou luxuosos apartamentos pagos pela administração portuguesa, davam festas para a gente “bem” onde se comia e bebia do melhor, tinham filhos super irritantes e mal-educados. Moviam-se pelos corredores da diplomacia, da política ou da banca, dependiam dos ventos que sopravam nas velas da República e nos seus respectivos partidos, e não equacionavam outra opção que não fosse regressar a Portugal um dia, com os bolsos cheios, naturalmente. Não os censuro, pois afinal esta era uma administração colonial, se bem que em versão “soft”, e estes eram os seus actores principais. Que lhes tenha feito bom proveito.

E depois tinhamos os outros, a malta que ia fazendo pela vidinha, a maioria empregados também na Administração em cargos médios ou de chefia, ma non troppo. Uns tinham mais sorte que outros, e tal como em Portugal existia aqui também uma boa dose de saloiice e chungaria. Neste particular Macau não diferia do Seixal ou da Bobadela. À medida que 1999 se aproximava iam partindo, dependendo da ambição ou do timing, e outros foram corridos daqui para fora antes que os novos patrões chegassem e não tivessem com eles a mesma paciência que os pangyaos tugas. Muitos foram fazendo os contentores, mandando o dinheiro para pagar a casinha lá na terra, e pronto, Macau foi muito bom mas isto da queda dos impérios e mudança de senhorios tem muito que se lhe diga, e certezas não pagam dívidas. Conheço muitos que se apaixonaram por esta terra, partiram com muita pena e voltaram ou querem voltar. Quem viveu no calmo remanso de Macau alguns anos volta a Portugal e “estranha”. E às vezes não se entranha, de tão intragável que é.

Os últimos anos antes do handover deram lugar a episódios engraçados. Alguns portugueses que andavam por lá “à rasca” iam chegando pela mão de familiares e amigos, e existiam departamentos conhecidos por os acolher de braços abertos sem qualquer triagem ou sequer o mínimo grau de exigência. Alguns eram bastante sub-qualificados, mas como não lhes era exigido que operassem um reactor nuclear, ficava tudo na paz do senhor e o salário caía lá certinho no final do mês, sem recibos verdes ou outros métodos de tortura medieval. Lembro-me do caso de um indivíduo que tinha apenas a 4ª classe e que substituíu uma chefia que foi a Portugal durante dois meses em licença graciosa, ficando a auferir a bonita soma de 40 mil patacas mensais. E estamos a falar de 1996/1997, mais coisa menos coisa. Dava para tudo, e a malta lá ia cavando os diamantes da mina e assobiando alegremente, quais anões da história da Branca de Neve. Curiosamente este vício da “empregabilidade compulsiva” fez escola, e a actual administração que tanto criticou esta conduta “dos portugueses” foi fazendo o mesmo até recentemente, e às vezes de uma forma pouco discreta. É caso para dizer que só falamos mal da festa se não formos convidados.

Houve muita gente a quem Macau correu muito bem, outros mais ou menos, e a outros a quem correu muito mal, pois em vez de aproveitar a mina de ouro, optou por “brincar com a tropa”, e agora não guarda desta China as melhores recordações. Assisti a um pouco de tudo nos últimos seis anos e alguns meses de admnistração portuguesa em Macau – mesmo depois disso; intrigas palacianas, facadinhas nas costas, saneamentos, caídos em desgraça, enfim, dependia da causa que se pisava. Fiquei triste que alguns dos nossos compatriotas tenham sofrido nas mãos de outros que se “embebedaram” com o poder, em vez de o fazerem somente com a aguardente-bagaceira, o whiskey com soda ou o brandy, que são coisas que nunca nos faltaram para “afogar” os maus espíritos. Alguns que em Portugal nunca tinham passado da cepa torta e mais pareciam plantadores de batatas quando aqui chegaram passaram a ser chamados de “sôtores”, deram-lhes um carro preto e tumba! estavam renascidos, recauchutados e “até parece que ainda são dos Teixeira da Cunha”, como diz a minha amiga Leocardina.

Os que agora chegam têm uma atitude que me agrada. Os tempos são outros, vêm aqui para trabalhar e sabem disso, e fazendo uma análise superficial, Macau tem muito a ganhar com eles. Temos gente que anda em Portugal às apalpadelas no escuro que pode ser muito útil para a RAEM, e o governo local faz muito bem em trazê-los para cá. Não há lugar para preconceitos ou orgulhos bestas, pois se esta administração ainda é jovem e tem muito trabalho pela frente que é preciso fazer, o que importa se os ex-senhorios venham cá dar uma mãozinha? Mesmo os que vêm à aventura são normalmente gente jovem e bonita, que ainda cheira a Universidade e a livros, e pode dar o seu contributo através do seu trabalho ou do seu talento. Para estes todos apenas um pequeno conselho do vosso tio Leocardo: assentem os dois pés em Macau, e esqueçam lá Portugal um bocadinho. Como disse uma vez um grande homem: “não tentem mudar Macau, deixem antes que Macau vos mude”. E olha, sentem-se e apreciem as vistas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Se conseguirem arranjar BIR e souberem falar chinês (pelo menos o cantonense), é fácil. Agora também não deixa de ser verdade que caem portugueses de paraquedas em Macau e que não se dão bem. Ainda assim, para muitos sempre é preferível um Luxemburgo ou uma Suíça.

Anónimo disse...

Na minha opinião,Macau é o paraíso a na terra.Não conheço terra melhor para viver que em Macau com todas as facilidades como bom salários,emprego garantido,boa qualidade de vida etc etc.Conheço malta que em Macau andava de mercedes com motorista privado e a ganhar muito dinheiro todos meses e não fazia quase nada no trabalho.Depois voltaram para Portugal e alguns agora vão de metro ou comboio para ir trabalhar

Anónimo disse...

Pois eu tou apaixonada por Macau sem sequer ainda aí ter ido... Mas é uma questão de tempo. Tenho procurado tudo sobre Macau nestes últimos meses, visto todos os programas de TV e realmente parece-me o paraíso na terra para um português que queira trabalhar fora de Portugal.
Achei graça à expressão "deixem que Macau vos mude...
E o Leocardo escreve bem, tem piada
Parabéns pelo blogue
Susana