Welcome to Macau...da má publicidade.
Uma das áreas em que Macau ainda se encontra no Paleolítico é a da publicidade. Desconfio que os talibã conseguem produzir melhores anúncios, campanhas, cartazes e todo o mais que vemos na TV, ouvimos na rádio ou vemos em cartazes e placards um pouco por toda a cidade. Não é difícil fazer melhor, e é seguro dizer-se que no território não devem existir pessoas especializadas nesta área. Se existem, então que me desculpem, mas ou estão empregados noutra área qualquer que não a sua, ou então estão a ser obrigados a ser maus. Não acredito que um publicitário profissional digno desse nome produza o que se ouve, vê e que se lê por aí.
Como não existe em Macau uma tradição na publicidade, algumas companhias privadas optam por outras formas de se dar a conhecer. Não é difícil, uma vez que Macau é pequeno, existem monopólios em alguns serviços, e a população tem uma maneira muito própria de encontrar o que precisa. A melhor “publicidade” é feita de boca em boca, de ouvido em ouvido, e não entra nas estatísticas. No que toca a produtos alimentares, de uso doméstico e afins, basta a publicidade vinda de fora, nomeadamente de Hong Kong – com que Macau tinha muito a aprender. Como o único canal de televisão local é público e uma eventual publicidade paga não teria um retorno a justificasse, são os serviços públicos que ali anunciam. E muito mal.
Já muitas das nossas cabecinhas pensadoras lusitanas referiram alguns dos patéticos anúncios que passam na televisão. Ideias básicas, em algum caso mal estudadas, projectos feitos em cima do joelho e o pior de tudo, que parecem apelar a atrasados mentais. É o caso do “simpático”, da “bonitinha” ou do “gorducho”, que ajudam o IACM a “educar” a população para que seja mais civilizada, o exemplo mais concreto. Não sei como é que se passa uma mensagem utilizando desenhos animados com uma voz tão esganiçada que dá logo vontade de mudar de canal. Depois há aqueles anúncios feitos com gente de carne e osso, sempre sorridente, que dá o lugar aos idosos no autocarro ou que os ajuda a levar um saco de compras, em alguns casos representando mal um argumento mau e que mal se percebe, com uma música atordoante no fundo, que é suposto ser apaziguadora e dar a entender que em Macau toda a gente é boazinha, sempre disposta a ajudar o próximo e que o ruído que mais se ouve no dia-a-dia do território é de uma milícia celestial de anjinhos que tocam harpa e violino.
Existe um anúncio recente que passa quase todos os dias antes do Telejornal que é um verdadeiro insulto à inteligência, cortesia do CCAC. Como se sabe, o Comissariado alargou há dois anos as suas competências ao sector privado, e na versão portuguesa do tal anúncio vemos um empresário chinês, dobrado pelo Hélder Fernando, que nos diz que “a transparência ajuda a nossa empresa a angariar mais negócios”, ou qualquer coisa do género. Portanto em Macau a transparência e a honestidade são condições essenciais para se fazer negócio. Vá lá, não riam disto. É muito triste. Depois aparece um rapazola de dentinhos encavalitados que nos diz: “Achas que agora é mais complicado? Por acaso eu não acho”. Primeiro não sei se o anúncio está a ser sério ou se pretende ser mais descontraído, mas não me agrada muito que o tal jovem me trate por “tu”. Depois diz que a vida é muito mais fácil porque “agora tem directivas a seguir”, e depois vêmo-lo com outro colega a recusar um “lai-si” de um corrupto malvado que ainda não sabe que o CCAC anda agora também de olho nele. A mensagem que o Comissariado quer passar com todos estes floreados é a seguinte: “não sejam espertalhões senão f…m-se, seja no público ou no privado”. Mas assim passam esta vaselina pela mensagem na forma deste “apelativo” anúncio televisivo, para não parecerem tão mauzinhos.
Pelo menos já não vemos mais aquele grotesco anúncio dos Serviços de Saúde que passava há um ano, altura da implementação da lei anti-tabagismo, onde aparecia um anafado e a sua colega com um ar tão profissional e angelical, ambos fiscais “caça-cigarro” dos SS, que surpreendiam um fumador num restaurante. O tipo identificava-se perante o prevaricador, enunciava a lei que este acabou de infringir e puxava da respectiva coima, tudo com um ar de quem diz “você mete-me nojo, e não se perdia nada se morresse aqui e agora”. Entretanto a menina, com um ar grave e sem abrir a boca, tomava notas sabe-se lá do quê. Se calhar estava a fazer um inventário dos pratos, copos e talheres em cima da mesa. Se um tipo destes com este tipo de atitude se apresentasse perante um infractor, arriscava-se a voltar aos Serviços de Saúde com um olho “à Belenenses”.
Na rádio também não se faz melhor, apesar da vantagem de não sermos confrontados com o elemento da imagem. No outro dia ouvi uma publicidade nova ditada pelo Jorge Vale, aparentemente também da autoria dos Serviços de Saúde. Um indivíduo com uma voz muito descontraída e trocista diz-nos que “Só gosto carne, e não como vegetais. Bebo duas latas de bebidas gaseificadas por dia. Exercício? Gosto é de ficar a jogar no computador toda a noite. Até às três ou quatro da manhã!”. Depois com uma voz grave diz-nos, qual condenado a caminho da forca: “Hoje fui diagnosticado com doença cardíaca, hipertensão arterial e diabetes”. Fim. O Jorge que me desculpe, eu sei que não foi ele que escreveu aquilo e está simplesmente a cumprir o seu trabalho de locutor, mas isto é suposto querer dizer o quê, exactamente? Quem fala assim, “só gosto de carne e não como vegetais”? Mais valia um anúncio em tom recomendativo, do tipo “Faça uma alimentação variada, comendo peixe e vegetais, não abuse do açúcar, faça exercício e descanse bem, prevenindo-se assim de doenças cardíacas, hipertensão e diabetes”. Qual é o propósito deste disparate que tenta ser tão “cool”? A quem se dirige? A adolescentes que jogam computador, comem no McDonald’s todos os dias e arriscam-se a ter um ataque cardíaco quando chegarem aos 17 anos? E quem é diagnosticado com todas estas doenças ao mesmo tempo? Não sou médico, mas desconfio que pelo menos uma delas vai-se manifestar primeiro. Mistérios que ultrapassam a minha compreensão.
Em quase todos os media que passam estes anúncios em português há alguém que até faz a voz de forma mais ou menos credível, e depois há quem esteja nitidamente a ler, e normalmente é uma senhora que nem deve estar a perceber o que está escrito no guião que executa com dificuldade. Exemplo disso é o anúncio que passa durante a época de tufões (“o mano está seguro, a escola é obrigada a manter os alunos, etc”), ou um outro ainda mais flagrante, dos Serviços de Educação, que visa promover uma página de internet onde alunos locais que vão estudar no estrangeiro podem conhecer e fazer amizade com outros que vão tirar o mesmo curso na mesma escola. Nele ouvimos uma mãe com uma voz adoentada preocupada com o filho, pois lá no estrangeiro “não conhece ninguém, e o seu curso não é popular”. O jovem diz que já conheceu um colega e tal, e a senhora insiste “ó filho, vais ser enganado por alguém”, e o filho responde com pouca cortesia e ainda menos paciência “ó mãe…”, e só lhe faltava acrescentar “…não sejas parva, pá!”.
Dos cartazes publicitários que se vêem um pouco por toda a cidade, há algo que nos chama a atenção: são caros. A sério, a qualidade do papel, do grafismo e tudo mais, dá a entender que está ali uma coisa com qualidade. O pior é o que aparece lá impresso. Recentemente os SAFP levaram a cabo a campanha para o recenseamento eleitoral, e penduraram por aí um cartaz onde se lia: “Vamo-nos recensear todos juntos!”. A sério? Não sei quantas pessoas se recensearam nos últimos meses, mas duvido que coubessem todos na mesma sala, ou no mesmo andar do serviço onde se processa o recenseamento. Depois há os habituais apelos à participação em eventos variados, onde o Instituto de Desporto em particular se destaca pela falta de imaginação. Em todos os cartazes das actividades organizadas pelo IDM vemos idosos ou deficientes sorridentes em posições bizarras executando gestos abstractos e coreografados para a fotografia, ou famílias igualmente sorridentes e de mão dada, com um ar super-saudável e dentinho branco vestidos de forma muito informal e desportiva, que passam a mensagem de que “o importante é que se mexam”. Os únicos cartazes em que vemos competição propriamente dita, com atletas suados, empenhados com um ar profissional são os que anunciam os grandes prémios de voleibol feminino, os torneios de badminton e ping-pong ou a maratona internacional. Para estes o desporto é a sério, até porque há “sponsors” e prémios pecuniários envolvidos. Para o resto da populaça é só uma brincadeira. Ah sim, e não se esqueçam: “tenha uma vida excelente, diga não às drogas”.
Se estes anúncios publicitários e os seus textos e diálogos são supostamente baseados em situações do dia-a-dia, então os seus autores estão completamente desfazados da realidade, e não consideram o receptor muito inteligente. Dão a entender que esta é a mensagem que querem transmitir, e bem ou mal, esta é transmitida, e a mais não são obrigados. Quem não gosta não coma, mas depois não diga que não foi avisado. O pior é que para nós, que não somos crianças de três anos, atrasadinhos mentais ou doentes de Alzheimer, isto é exasperante, e só dá para rir – porque não vale a pena chorar. Se temos meios, se temos dinheiro e se queremos que o propósito científico já comprovado da publicidade se concretize, então entreguem isto a quem perceba alguma coisa do assunto. Não sei o que mais falta, se é criatividade e imaginação, ou se é vontade. Inclino-me para esta última.
Lá Lá Cardo
Há 8 anos
5 comentários:
Mais um excelente texto! E fartei-me de rir! Parabéns pelo blog, é fantástico! Bem escrito, informativo e acutilante q.b. :)
É uma pena que o Leocardo não percebe chinês, senão tinha muito mais que escrever com os absurdos anúncios do canal oumun. Bom post. Abraço.
Obrigado a ambos. O post continha algumas gralhas, que só agora consegui corrigir, pois a minha ligação estava (e está) lentíssima.
Cumprimentos.
Eu não sei o que aconteceu ao Leocardo, mas desde aquela longa paragem do blog que a qualidade da escrita dos textos e escolha dos assuntos melhorou de forma impressionante. Não que antes não fosse bom, mas a verdade é que agora está muito melhor!
Finalmente temos o verdadeiro Bairro do Oriente, "Um blogue de Macau, sobre Macau"!
Parabéns!!
Obrigado, xô António ;)
Enviar um comentário