Conversava esta manhã com uma colega sobre empregadas domésticas. Fiquei a saber que a minha colega, ainda relativamente jovem mas já mãe de dois filhos, tem uma empregada filipina em regime de “stay-in”. Ou seja, a empregada almoça, janta e dorme lá em casa, tendo ordem de soltura ao Sábado ao final da tarde e regressando no Domingo à noite, que segunda-feira é dia de trabalho e há criancinhas para tratar. Franzi o sobrolho, e perguntei-lhe se não lhe incomodava ter uma estranha (ou praticamente estranha) a repartir o lar, que terá no máximo uns 70 ou 80 m2. Ela disse que não, estranhou a minha pergunta, e até me pediu para lhe apresentar alternativas.
Claro que há sempre, ora um infantário, ou um familiar, e como Macau é pequeno não existe o problema de demorar horas a chegar de um sítio para o outro. A minha colega ainda sublinhou o facto de lhe pagar 2800 patacas mensais. Ou seja, além de cama e comida, ainda lhe pagava mais 300 patacas que o mínimo obrigatório por lei! Tanta generosidade e apenas em troca da independência de alguém, que praticamente não tem vida privada, a não ser durante 24 horas semanais entre Sábado e Domingo à tarde. É a escravatura moderna. Mas é este o princípio que subjaz na contratação (ou aquisição) de uma empregada doméstica filipina ou indonésia: são um utilitário, assim como um automóvel ou uma máquina de lavar. Às vezes até vêm de propósito dos países de origem, novinhas em folha, servir na casa das famílias macaenses. E o pior é que elas nem se importam. Sempre é melhor do que voltar para a “selva”, o que ao mesmo tempo serve de desculpa para serem fornicados e mal pagos.
Leio muito na imprensa, especialmente em língua portuguesa, a propósito da recentemente aprovada lei da contratação de trabalhadores não-residentes comentários no sentido de que “é preciso não esquecer que se tratam de seres humanos”. Pois, pois, mas o mal já vem de longe. Mesmo durante os tempos da administração portuguesa as empregadas domésticas eram tratadas abaixo de cão. Eram um autêntico pau para toda a obra, desde aturar as birras da patroa aos devaneios sexuais do patrão. Eram como os “pretos em África”. E o tuga, que sempre foi um “natural” nestas coisas do poder (menos em França e arredores, onde eram tratados abaixo de cão) ficava todo contentinho por ter alguém em quem andar aos pontapés. Alguns havia cuja ideia de “ir ao engate” era passar a tarde toda no café a chatear as garçonettes. Mesmo que naquele tempo as coisas estivessem um bocadinho melhor para a malta não-residente (era facílimo contratar uma, duas ou três empregadas, e a fiscalização era praticamente inexistente), muito por um
laisser-faire da administração portuguesa, na realidade nunca se salvaguardaram os direitos.
Porque é preciso alguém que troque as fraldas dos putos, dê banho nos velhos e limpe os cabelos do ralo da banheira, agora com as restrições cada vez maiores à contratação dos não-residentes, começo a pensar como vai ser difícil encontrar alguém de cá que saiba passar a ferro. O mais irónico de tudo isto é que os residentes que fazem este tipo de pressão xenófoba são muitas vezes os primeiros a ter uma empregada filipina ou indonésia em casa, ou a manifestar o descontentamento pela falta da qualidade da mão-de-obra que lhes dê uma mãozinha em casa, ou na loja de sopa de fitas que é negócio da família.
A minha vizinha tinha um pequeno restaurante algures na zona norte da cidade, e queixava-se constantemente da malta que arranjava para trabalhar: ora eram muito burros, ou muito preguiçosos, ora trabalhavam lá uma semana e depois nunca mais punham lá os pés, sem mais ai nem ui. E o Governo, para que a malta se cale a fique contente, vai na fita. E as empregadas sujeitam-se, que remédio. Enquanto para nós ganhar quinze ou vinte mil patacas “é pouco”, para eles as tais 2500 multiplicadas pelo câmbio do peso, da rupia ou do dong são uma pequena fortuna, e há lá barrigas com fome a contar com essa ajuda. Quem está em posição para negociar? A corda rebenta sempre para o lado do mais fraco.
A minha empregada, que é uma rapariga informada e lê o Macau Daily News, quer saber “e agora como é?”. Já lhe disse que não tem nada com que se preocupar, desde que se porte bem (os meus conselhos acabam sempre com um “...e porta-te bem”). Como vive em Macau há 15 anos e trabalha para mim há 10, pela-se de medo de ser mandada de volta para as Filipinas, onde não tem praticamente família nenhuma, a não ser dois irmãos e meia dúzia de primos. “E se o patrão vai embora? Ou se me despede?”. É mais velha que eu, mas quase que me sinto pai dela. E não devia ser assim...
6 comentários:
É uma vergonha esta xenofobia de Macau. Como é que alguém (do sudeste asiático, claro) que vive há 15 anos em Macau e que trabalha há 10 anos para o mesmo patrão não é residente? E como é que outros (chineses, claro) que nunca cá puseram os pés a não ser para comprarem um apartamento são residentes permanentes? Isto é um verdadeiro circo. Vai valendo à RAEM que esta gente maltratada precisa mesmo de cá estar porque no país deles ainda seria pior. Se não fosse isso, filipinos, indonésios e outros assim já se deviam ter posto a andar daqui há muito tempo, que seria a única forma de o governo deste circo ver que, afinal, essa gente fazia cá muita falta.
Leocardo, voçê é uma autentica besta! Então não lhe dava mais jeito uma empregadinha nova para lhe ir fornicando a senaita? Com muita sorte, deixava descendencia para o "Bairro do Oriente - the Next Generation"
Depois admiram-se se o Leocas apaga comentários. Muito infeliz.
O TIPO QUE ESCREVEU O COMENTÁRIO DAS 14:52, É O MAIOR ATRASADO MENTAL E IDIOTA QUE PASSOU POR ESTE BLOG DE CERTEZA ABSOLUTA!!!
E com isto perdeu-se uma boa oportunidade para se discutir um tema interessante sobre Macau.
AA
Como o Leocardo bem diz é a escravatura dos tempos modernos. Uma vergonha estas atitudes xenófobas por parte da sociedade de Macau.
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