sábado, 5 de abril de 2008

Passa, essa incompreendida


Estive há uns tempos numa conferência/seminário/curso de formação sobre os problemas sociais e a droga. A certa altura o orador e um aluno começaram a dissertar sobre as diferenças entre as drogas leves e pesadas, e de como em alguns países se procedeu à despenalização do consumo de algumas delas, e a conversa foi naturalmente parar ao cânhamo indiano, vulgarmente conhecido por marijuana. Se faz ou não mal, e de como podiam por exemplo os agricultores, normalmente pobres, beneficiar com a sua produção e venda, em vez de a manter ilegal e dar lucro a traficantes e afins. Um outro espectador rebateu que não, que era jurista, e aquilo era droga, portanto não sei quê segundo o artigo tal.

É isto que nos querem fazer acreditar sem discussão: é droga e ponto final. Não quero fazer aqui nenhuma homenagem à cultura hippy nem ao Bob Marley, ou dizer que não faz mal ou se deve ou não continuar ilegal, mas sinceramente não consigo entender qual é o mal de uma planta assim parecida com o chá, que se fuma como o tabaco. E parece que afinal também tem outras utilidades, como fazer roupa, óleo, bolos, e mais não sei o quê. Parece que isto tem qualquer coisa a ver com o lobbyismo da indústria do papel na América dos inícios do século XX, que invocou razões de saúde para ilegalizar a cannabis. Tinham que ser os americanos e estragar a festa não é?

Os efeitos, pois é, esse é o problema. E falo daqueles que vão além de uma apetência para rir do “Family Guy” ou ouvir música de Carlos Santana. Mas parece-me um tanto ou quanto estranho demonizar sintomas como a paranóia, tonturas, olhos avermelhados ou falta de memória, quando por exemplo o alcool provoca exactamente esses mesmos efeitos, a juntar ainda a inibição de conduzir, a agressividade, e a possibilidade de envenenamento, vómitos, e a longo prazo lesões hepáticas. O alcool é facilmente adquirido por qualquer adolescente em qualquer parte. É uma indústria. A marijuana é proibida. As campanhas só não dizem que “mata” porque isso era tomar as pessoas por estúpidas, mas vontade não lhes falta.

Mesmo a história joga a favor dos que pedem a descriminalização do consumo do cânhamo (atenção não confundir com legalização ou tráfico), pois era usado em rituais pelos antigos povos daquém e dalém, e não havia legislação, dizem que até Jesus usava, e viviam todos muito felizes da vida, ao dia em que o homem branco pimba. Já sabemos o que consta dos argumentos contra: é droga, é mau, e leves ou pesadas, cabem todas no mesmo saco, e não se fala mais nisso. Em algumas jurisdições é ainda utilizada com "fins terapêuticos", um eufemismo para dizer que serve a pacientes terminais ou incuráveis de doenças horríveis, que assim amenizam o seu sofrimento. Ou seja, se já está quase a morrer, tudo bem! Se não era melhor canalizar os esforços para combater as drogas pesadas, que causam dependência física, que atiram os indivíduos para um estado mais conhecido por “na merda”, são responsáveis por cisões familiares e até doenças sexualmente transmissíveis? Sim, era. Mas não pode ser.

O mais curioso e fantástico é que a droga mais consumida em Macau é a heroína. Toda a gente sabe onde encontrar o “cavalo” e por muito que me custe aceitar, isto só se pode dever ao facto da produção, venda e consumo das tais drogas duras ser um negócio bilionário que chega até a financiar guerras, e se calhar o melhor é não meter o nariz onde não se é chamado, ou intervir no sensível balanço dos seus intervenientes. Já a “malta da passa” vai passar uns tempos à sombra (em Macau a moldura penal para o crime de tráfico é um mínimo de 8 anos), trazendo para a sociedade um engodo e para as famílias uma desgraça, enquanto há sempre um esperto qualquer que se fica a rir.

Se calhar alguns leitores vão pensar que faço este discurso porque sou ou já fui consumidor, e estou a pensar em adaptar a lei aos meus prazeres egoístas e aos dos meus amigos. Nada mais errado. Não consumo nem vou passar a consumir mesmo que fosse legal, nem recomendá-lo a ninguém. Quanto aos mais jovens, aos meus filhos por exemplo, dava-lhes o mesmo conselho que qualquer pai deve dar a respeito dos malefícios do alcool, do tabagismo ou do sexo casual: se tiver mesmo que ser, então muito cuidado, que tomem todas as precauções necessárias. Só que hipocrisia, por favor não.

1 comentário:

Guimaraes disse...

Só posso concordar consigo.
O problema da marijuana foi a ICI ter inventado o nylon e interessar arrasar os concorrentes cânhamo e linho.
Quanto às drogas duras, muito em voga na discussão das casa de chuto, sou de parecer que, para os viciados, o estado deveria oferecer a droga, num contexto também de tratamento, acabando com o negócio. Ninguém trafica bebidas alcoólicas, salvo nos países de fundamentalismo islâmico...