domingo, 20 de abril de 2008

Lálancha loh!


Nota: este postal não é sobre a laranja ou qualquer outro citrino.

Das vezes que passo pelo novo Mercado de S. Domingos fico encantado com o esforço feito pelas senhoras da fruta e das flores em me tentarem vender o produto, sempre no melhor português que podem, e que aprenderam com anos de convivência com os antigos senhorios de Macau. Ora ele é a lálancha (laranja), uva munto dóci (uva muito doce) ou a flô (flores). Lá em cima vendem o falango (frango) ou o camalan (camarão). Em outras conversas já tomei contacto com a fálanda (varanda) ou com o paticula (particular). É de se lhe tirar o chapéu, de como tentam pronunciar palavras com uma estrutura e uma pronúncia tão diferente do seu silabário.

Confesso que quando cheguei a Macau achei estranha, e até um pouco engraçada a forma como se falava o português entre os macaenses e até mesmo os chineses que estudaram português. As redundâncias, por exemplo: o subir para cima ou o sair para fora. As outras expressões traduzidas directamente do chinês, como o comer cigarros (sik yin, ou seja, fumar) ou o fulano já voltou? (já chegou) ou ainda o explosivo NÃO É!!! (do chinês m'hai, que expressa surpresa ou choque) demoram tempo a entrar, bem como os defeitos de pronúncia: mau-entendimento (mal entendido), ténico (técnico) ou garida (garrida, rebelde), mas a gente adapta-se com alguma facilidade. Eu por exemplo considero muito mais musical e simpático dizer chuchumeco/a quando se fala de um coscuvilheiro/a ou bisbilhoteiro/a. Palavras difíceis, essas.

E por falar em mal entendidos, já repararam como os chineses e até mesmo alguns macaenses têm dificuldades com os números grandes? Isto deve-se ao uso, em chinês, de um antigo numeral grego, o míriade, que equivale a 10.000, e reprentado em chinês por yát man (一萬). Cem mil, por exemplo, serão dez miríades, e dez milhões mil míriades. A minha mulher no outro dia dizia-me, em inglês, que a China tinha "mais de 10 mil milhões de pessoas". Outra confusão muito comum é feita com as fracções: três quartos, ou três sobre quatro, em chinês é sam fan zi sei (四分之三), literalmente "de quatro são três", ou seja, o denominador aparece antes do numerador.

E já alguém se interrogou sobre aquela partícula que tanto se ouve no final de uma frase? Normalmente soa a loh, mas às vezes também pode ouvir lur, kar, wor ou lar. Alguns exemplos: "Não sei loh", "Não sejas assim lar", "É o teu irmão kar". Esta partícula não tem qualquer significado especial, e serve apenas para dar um tom informal à frase. Num discurso formal nunca se ouvem os musicais loh's. Sempre achei isto giríssimo, e já me habituei a usar, lor.

Um erro muito comum entre os nossos expatriados é assumirem que "têm um nome chinês". Nada mais errado. Por vezes, para que se facilite a leitura ao povo chinês, que não usa o nosso abcedário, traduzem-se alguns dos nomes de alguns profissionais (normalmente liberais, como advogados, médicos ou arquitectos). Assim, os Gomes ficam Kou Mei Si, ou os Santos ficam San Tou Si, mas isso não são nomes chineses. Um nome chinês obedece a um conjunto de normas: o primeiro nome é o apelido do pai, e os outros dois (ou apenas um, em alguns casos), quer encadeados, quer separados, têm um significado especial. Alguns chineses que optaram por nomes portugueses fizeram-no de forma aleatória (alguns recorreram até ao dicionário de nomes), outros fizeram-no de uma forma natural: as Mei Lin ficaram Melinda, as Ka Man ficaram Carmen.

As relações luso-chinesas têm sido ao longo dos séculos pacíficas. Certo? Claro, mas isso muito devido ao facto de ser praticamente impossível encontrar um ponto comum entre os insultos de ambos os lados. Note-se alguns dos insultos em chinês traduzidos para português: "tens os nervos trocados" (chi ma gán), "és atrasado mental" (nei yuk chi), "fizeste um erro" (yau mou kau chou) ou "testículos estúpidos" (pán chát). Ou não fazem sentido, ou não são assim realmente tão ofensivos quanto isso. Mesmo o maior insulto que se pode dizer em chinês (diu lei lou mou, que se refere à prática do coito com a progenitora do interlocutor) é usado livremente entre alguns conhecidos mais íntimos. Razão? É que para que tenham estas intimidades, só mesmo se forem muito amigos...wor.

14 comentários:

Anónimo disse...

"frango" e pouco usado pelos macaenses ou chineses de Macau, chamam usualmente de galinha...

C disse...

Caro Leocardo,

Wá, muito didático, wor...

C disse...

... e essa do nome em chinês, muito bem tirada!
É pena que a alguns dos dos "metropolitanos" ou continentais portugueses lhes faltem um pouco de cultura local, de cultura chinesa até para perceberem um pouco do funcionamento das coisas.

Sobre a questão do nome, por um lado, os zelotas de olhos em bico da função pública tentam intrujar o comum cidadão macaense para lhe "vender" um nome em chinês, mesmo que dizendo que é obrigatório (uma tanga), ou então o portuguesito que quer vender a sua marca mais facilmente para a comunidade xina, logo, um nome em chinês, trata-se de puro esforço de "comercial", digamos que os xinas têm imenso jeito para isso..."balato, balato".

Para quem preza a cultura, seja ela a nossa própria ou alienígena (estrangeira), é sempre um crime deturpá-la e esvaziá-la de conteúdo.

A questão do nome em chinês obedece a várias regras, depende da data de nascimento, das horas e dos minutos, do local, do signo chinês, do desejo e expectativas dos pais quanto ao futuro dos filhos, se é rapariga se rapaz e obviamente do apelido paterno (a estrutura familiar chinesa é na sua maioria PATER FAMÍLIAS), daí ser o filho varão a herdar TUDO, e a importância de se ter um filho para a continuidade do apelido.

Ora, o que os tais tugas engraçadinhos fazem, que acho ser um crime, é inventar o seu nome em chinês "três pancadas", não se obedece a nada, apenas aleatório e sonoro... o que às vezes pode dar asneira de "tradução" como "o Silva sentado na retrete"...

Eu próprio confesso que tentei arranjar um nome em chinês, um amigo chinês e adivinho lá fez os cálculos e perguntou-me se gostava de tal nome, eu à primeira disse que não, e ele explicou que essa era a minha única hipótese de ter um nome em chinês, e como rejeitei, os próximos nomes dar-me-ão azar... e assim fiquei por aí e nunca mais pedi por um nome em chinês. Há um provérbio em chinês sobre a questão da escolha do nome, caro Leocardo, pergunte à sua mulher que estou esquecido, é algo como "...choi pá cói chó méng..." ou a "pior coisa é escolher um nome errado" que há-de influenciar para a vida toda.

Daí ser irritante que tanto os zelotas como os "pragmáticos" se armem em defensores do nome em chinês sem eles próprios saberem bem do fundamento cultural. Gente com falta de cultura é pior do que um selvagem, porque este ainda tem a cultura da selva.

Anónimo disse...

Meus caros,

Para quê tanta ofensa com os "nomes chineses"? Esses tais nomes são-nos dados pelos chineses e não passam de uma brincadeira que faz parte da nossa vivência como estrangeiros na China.
Não vale a pena arranjar tanta estória culturalo-histórico filosófica.
Afinal os chineses também arranjam nomes ingleses, portugueses, japoneses, etc.. E inclusive tratam-se uns aos outros por estes nomes. Coisa que eu não estou a ver os estrangeiros a fazer com os seus nomes chineses.
Eu por mim tenho o meu "nome chinês" na parte de trás dos meus cartões de visita, juntamente com a minha morada em chinês.
E acho-lhes imensa graça.

Cumprimentos e divirtam-se

C disse...

Uma série de documentários sobre os cinco mil anos de Cultura da China aqui:

http://www.youtube.com/profile_play_list?user=juanpingz

C disse...

A grande diferença, até pela marca de sofisticação e avanço cultural chinês face aos "brutos" ocidentais, é que os nomes romanizados não trazem significados sílaba a sílaba como nos nomes chineses, aí está, ter nome em chinês obedece de longe a mais regras e rituais do que ter um nome alfabetizado. De facto neste aspecto a cultura chinesa é mais refinada.

Neste aspecto, a cultura chinesa é bastante refinada e admiro muito, pena é que os "Namban", como diziam os japas, "Bárbaros do Sul" não percebam essas nuances culturais e façam dessa TRADIÇÃO uma terraplanagem. Apenas apelei ao respeito pela tradição, pela cultura chinesa.

C disse...

Caro Anónimo,

De que vale achar-se engraçado se se está vazio de conteúdo?

Creio que ninguém gosta de fazer figura de artolas..., "ai porque é engraçado", um pouco, como hei-de dizer ... "shallow?"

Anónimo disse...

Meu caro Vitório,

Como eu já lhe disse algumas vezes, descontraia e não leve tudo tão a serio.
A vida são dois dias.
Não se leve tão a serio, porque voce é provavelmente a única pessoa que o faz em relação a si.
E como é o único que o faz, penso que aqui o artolas é voce.
E se nao gosta daquilo que eu digo, entao desafie-me para um duelo:)))))
O que vale, meu caro Vitório, é que você faz-me rir, e eu gosto disso.

continue a divertir-nos

Anónimo disse...

E já agora estou ansioso para ver o comentário do Vitório acerca do post que fala da constituição soviética e da protecção á familia.

adivinham-se novas atoardas da sua pseudo-filosofia de pacotilha.

Leocardo disse...

Meu caro Contraditório, não me referia ao seu caso particular ou a nenhum outro. Apenas queria dizer que os tais "nomes chineses" não são realmente nomes, mas apenas uma tradução do apelido, na maioria dos casos. Não é preciso levar tudo a peito...

Cumprimentos

Anónimo disse...

Caro Leocardo,

se leu bem aquilo que eu escrevi, eu fui de todos o que levei este assunto menos a peito.
Os "nomes chineses" são uma brincadeira. Mais brincadeira até do que os nomes ingleses que os chineses arranjam.
Esta coisa dos nomes ingleses foi uma das primeiras coisas que eu estranhei quando cheguei a Macau.

Mas de qualquer forma gostei do seu post.

Cumprimentos e mande sempre

C disse...

Caro Anónimo de 21 de Abril de 2008 7:42,

Sobre o postal soviético, achei interessante, estudei pouco sobre a União Soviética e sua Constituição, nada de profundo, mas não posso deixar de recordar que da teoria à prática vai uma longa distância.

Todos sabemos que o totalitarismo soviético (redundância) fez da sua sociedade civil um aglomerado de átomos, ou melhor destruíu-a isto explica-se como? Comparando com o nível de autonomia e independência das estruturas mediadoras da Sociedade Civil democrática-liberal, isto é, da existência e pleno funcionamento de quatro estruturas principais*:

1. Família;
2. Vizinhaça;
3. Igreja;
4. Associações voluntárias;

* de Peter Berger e Richard John Newhaus "Mediating Structures and the Dilemmas of the Welfare State" in to Empower People: From State to Civil Society, 1996 (1977)

É a partir deste esquema que podemos distinguir os diversos regimes se são totalitários se autoritários, se democráticos-liberais. O regime soviético sem dúvida que se demonstra totalitário enquanto que o do Estado Novo, autoritátio.

Como o caro anónimo sabe tão bem como eu, sobre as questões políticas, a separação entre a Esquerda e a Direita é respectivamente a diferença da visão sobre os assuntos da pólis entre "o que deve ser" e "o que de facto é", pois tal como na política e no inferno estão cheios de "wishfull thinkings". Não quererá o "poster" afirmar que o Estado deva intrometer-se mais e mais e mais nos assuntos da Família? Pense nisso...na possibilidade soviética de ser o Estado a substituir-se à Família na educação dos filhos e por aí fora, para uns poderá ser sem dúvida a protecção do Estado à Família dos perigos subversivos da própria Família, como unidade orgânica e natural de uma sociedade livre.

Saudações,

Unknown disse...

andam a circular este texto no internet com a pergunta "Gostava de saber quem é o autor deste artigo.
Está muito interessante e real", ó LEocardo , este texto é original da sua autoria?

Anónimo disse...

Quero chamar a atenção do "Mano" e "Mana" dito nesta terra.
Significam palavras de respeito (maninho não é o mais novo, mas SIM o mais velho!!!)