domingo, 27 de abril de 2008

A pílula do dia seguinte


A semana que passou foi pródiga em acontecimentos que determinaram mais ou menos o desfecho do próximo dia do Trabalhador. Ao contrário de 2007, em que o descontentamento saiu às ruas e terminou em confrontos entre manifestantes e autoridades, este ano o 1º de Maio resolveu-se “na secretaria”, e tudo indica que não participem mais dos que os adeptos “hardcore” deste desporto radical.

O momento decisivo desta contenda terá sido quando o Chefe do Executivo anunciou um subsídio de 5 mil patacas a cada residente permanente e 3 mil a cada residente não permanente, como forma de compensá-los pela galopante inflação que se tem verificado desde o início do ano. Esta forma pouco ortodoxa de redestribuição de riqueza colheu junto da população, ao ponto de algumas associações que planeavam participar das manifestações da próxima Quinta-Feira terem desistido de o fazer.

Há duas formas de analisar a questão. A primeira, que foi feita a quente, é censurar o Executivo por ter tomado uma medida populista e curta, que não resolve os problemas estruturais profundos de Macau. A segunda, para a qual a maioria se inclina agora, é apontar o dedo às tais associações que desistem de se manifestar. Então tudo o que queriam eram 5 mil patacas? Se calhar quando na manifestação do ano passado gritavam e exibiam cartazes pedindo o fim da corrupção, estavam na verdade a pedir que os deixassem fazer parte dela.

Os efeitos presentes e futuros são previsiveis. Primeiro vão sair os habituais bajuladores do Executivo (leia-se aqueles a quem a vida corre às mil maravilhas) a apontar o dedo aos manifestantes e à sua falta de princípios, e mais tarde basta atirar o patacame ao povo para que fique em casa no 1 de Maio. Mas não se iludam, pois se este Governo resolveu tomar esta medida, a pouco mais de um ano do fim do seu mandato, não significa que o próximo seja tão benemérito ou vá aturar tamanha pedinchice.

Mas a manifestação vai mesmo para a frente, pois as autoridades já receberam pedidos. Vão lá estar os profissionais do ramo, provavelmente umas poucas centenas (dizem dois mil, mas duvido), e muito provavelmente a população não vai estar lá a aplaudir como no ano passado. Se a polícia tivesse sentido irónico (e não tem...) até deixava os manifestantes passar por onde quiserem e bater as panelas à vontade, e se calhar até se juntava a eles para fazer número. Aquele heróico agente que disparou os tiros para o ar no ano passado podia ir na frente, a liderar a charanga.

Quem se está nas tintas para as manifestações ou tem mais que fazer do que seguir de perto as cogitações políticas são os cidadãos que passam por mais dificuldades, que fazem as contas ao aumento dos preços de primeira necessidade, que têm os filhos no ensino público, que não sabem o que é fazer férias fora de Macau. Para estes são as cinco mil que contam, e em alguns casos, pingam vinte mil patacas ou mais no agregado familiar, que dão um jeito do caraças.

É a realpolitik à moda de Macau. Não me parece que seja condição sine qua non para receber o lai si não participar em qualquer manifestação ou não discutir a política do Governo. Edmund Ho anunciou o subsídio uma semana antes do 1º de Maio, so what? Patos foram eles que morderam o isco. Se por acaso acham que o Governo os andava a f..., isto bem pode funcionar como a pílula do dia seguinte.

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