sexta-feira, 25 de abril de 2014

Revolução coca-cola


Falando do 40º aniversário do 25 de Abril, que hoje se comemora, achei deliciosa a reportagem de Joana Freitas no Hoje Macau, especialmente na parte em que a jornalista pergunta aos alunos da turma B do 8º ano da Escola Portuguesa o que significa para eles a liberdade. Digo desde já que sou suspeito, pois o 8º "B" é exactamente a turma do meu herdeiro universal, mas não foi por isso que achei más ou boas as respostas dadas por estes jovens que são da geração que se seguiu à geração seguinte dos que fizeram a Revolução dos Cravos. Parece complicado, mas é muito simples: os seus pais ou não eram ainda nascidos, ou eram demasiado pequenos para se lembrarem. Estamos aqui a falar de crianças com idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos. Por um lado deixa-me feliz que para estas crianças o conceito de "liberdade" se misture com coisas tão furgais como ter um computador ou acesso à internet, ou que se minimalize a um redutivo "fazer o que nos apetece". É sinal que nasceram em liberdade, viveram sempre e vivem a liberdade, e desconhecem os males da ditadura, da guerra, da censura, e também neste caso particular, da pobreza. Há crianças da idade deles para quem "liberdade" podia muito bem querer dizer ter pelo menos duas refeições por dia, ter roupa para vestir, sapatos para calçar, ou simplesmente poder ir à escola, como fazem estes meninos para quem não ter internet significa não ter liberdade.

Contudo observei uma reacção curiosa da parte dos jovens. Quando lhes contaram que em Portugal "não havia Coca-Cola antes do 25 de Abril", uma das pequenas achou isto um atentado à liberddade, e insistiu que lutaria para que houvesse Coca-Cola, nem que para isso tivesse que a contrabandear...em garrafas de Fanta - que também não havia, já agora, tratando-se da mesma companhia. Penso que o Portugal que vivia acorrentado aos ditames do Estado Novo queixava-se de muita coisa, mas poucos se lembrariam de colocar a Coca-Cola como uma das faltas.Vá-se lá saber porquê, mas à frente da cola na lista de prioridades estavam a liberdade de associação, a liberdade de imprensa, o fim da Guerra do Ultramar, um sistema democrático e multipartidário, enfim, duvido que alguém se tenha lembrado da Coca-Cola neste dia há 40 anos. E depois precisávamos de Coca-Cola para quê meus meninos? Desculpem lá se agora pareço um velho resmungão, mas precisávamos de tudo menos disso. Permitam-me citar o velho Deng que as coca-colas e afins foram "moscas que entram quando se deixa a janela aberta". Pessoalmente só comecei a beber Coca-Cola aos 15 anos, e digo "beber" e não "gostar" porque considero a bebida apenas tolerável - passaria muito bem sem ela. Quando era pequeno lembro-me de beber na casa dos meus avós uma deliciosa gasosa de uma marca que penso já não existir, a Rical, e no que toca a água gaseificada com açucar, não há assim tanta arte. Passa tudo por uma questão de marcas.

Um dos custos da Revolução de que hoje assinalamos a passagem de mais um aniversário foi termos sido invadidos por produtos e marcas estrangeiras de qualidade inferior aos nossos, mas que nos batem graças a estratégias de "marketing" e outros expedientes que pouco ou nada têm a ver com o produto final. Para que precisávamos dos americanos da Mars, Inc. quando tinhamos os chocolates Aliança e Regina? Para quê a Nabisco Brands quando tinhamos Triunfo? Exactamente no quê os Marlboro, Camel, Rothmans e Lucky Strike são melhores que os nossos SG Gigante, SG Filtro ou Português Suave? Não matam, é isso? E que mania era aquela da Panrico de nos mandar o Bollycao, ou a Nutrexpa o Cola Cao - ambas multinacionais espanholas. Que coisa é essa do "Cao"? Estes "nuestros hermanos" pensam que somos cães ou quê? E que tal lhes mandássemos um "Bollyperro" ou um "Cola Perro" para eles misturarem com o leitinho, e ainda com a desculpa que para nós "perro" quer dizer cacau? E será que alguém ainda se lembra daqueles chocolates "de leche" da candonga que se vendiam na Praça do Comércio a cem paus a barra nos anos 80, e que sabiam a adesivos do hospital? Os gajos queriam eram envenenar-nos. Cabrones...

Não sou nenhum daqueles nacionalistas tontinhos que acha que o que é nosso é melhor que o resto do mundo. Nada disso, e que me perdoem os olivicultores portugueses, mas o azeite italiano, por exemplo, bate o nosso aos pontos. O que quero dizer exactamente com toda esta retórica que os Le Pen aplaudiriam caso se incomodassem em traduzir do português para o francês é o seguinte: pegámos na nossa revolução e na nossa liberdade pela cauda, quando a deviamos ter pegado pelos cornos. Aproveitávamos o que tinhamos de bom, e partíamos daí - um pouco como num naufrágio: mulheres e crianças primeiro. A misturar o essencial com o dispensável acabámos por desbaratar o nosso património, a morder pães espanhóis e a entupir-mo-mos com tota-tolas e outras merdas estrangeiras, como so Marlboros as calças "levis" (o contrário das pesadas, como na anedota do miúdo cigano) e as Old Chap "estamos unidos", se ainda se lembram daquele anúncio ridículo. Podíamos ter feito a nossa revoluçãozinha, mas acabamos por fazer a "revolution" deles. Ou a "revolución"...

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