sexta-feira, 18 de abril de 2014

Os sons dos 80: com um grão na Ásia


A Ásia não é propriamente um continente onde seja fácil dizer e escrever o que se pensa, e de todos os sítios onde se dão as maiores revoluções no âmbito da arte e de outras de formas de expressão, é talvez o mais improvável. A heterogenidade própria daquele que é o maior continente do mundo mostra-nos uma variedade imensa de propostas culturais, mas a instabilidade política e até a própria passividade do povo asiático impede-os por vezes de se soltarem das amarras do tradicionalismo e do conservadorismo - e até da censura. Hoje proponho falar de alguns artistas que batalharam contra os rígidos limites impostos à música popular em sete países da Ásia Oriental. Espero que gostem.


Teresa Deng, ou Deng Lijun (鄧麗君) nasceu em Taiwan, descendente de uma família de chineses do continente, oriundos da província de Hebei. É considerada a maior diva da "pop" chinesa, tendo gravado durante a sua carreira em mandarin, cantonense, hokkinense (dialecto da família dos pais), inglês, japonês e até em indonésio. A sua popularidade em inícios dos anos 80 era tamanha, que a juntar ao facto de ter o mesmo apelido do então presidente da R.P. China, Deng Xiaoping, dizia-se de na China continental "de dia mandava Deng Xiaoping, de de noite Deng Lijun". Durante a sua carreira gravou dezenas de álbums, 14 deles em japonês, e é de longe a cantora de etnia chinesa mais consagrada em terras do sol nascente, e o seu estilo tradicional aliado às letras românticas eram do agrado tanto to público jovem como do mais conservador. Em 1988 conheceu o fotógrafo francês Quilery Paul Puel Stephane durante uma visita a Paris, e ficaram juntos durante seis anos, até à morre de Teresa, que sofreu um ataque de asma em 1995 durante umas férias em Chiang Mai, na Tailândia. O seu desaparecimento aos 42 anos cobriu-a ainda mais de uma aura de divindade. Recordemo-la aqui em "Tian Mi Mi" (甜蜜蜜), o seu grande êxito de 1979, e que quer dizer "docinho como o mel" - como ela própria, no fundo.


Quando se fala de "anos 80" e de "Indonésia", é inevitável falar em Suharto, e o regime de Jakarta estava atento à atitude contestatária da música popular, e em especial do "rock". Um dos mais atrevidos e que mais sentiu na pele a "barra dura" da censura foi Iwan Fals, nome artístico de Virgiawan Listanto, e que em 1980 lançou o seu disco de estreia "Sarjana Muda", onde se encontra este tema com o mesmo nome. Em 1983 Fals teve o seu primeiro filho, a quem dedicou uma canção com o seu nome, "Galang Rambu Anarki", que se traduz para "apoiem o símbolo da anarquia". Provocador por natureza, Fals foi interrogado pela polícia em 1984 por causa de dois temas que nunca chegou a tocar, mas que tocava habitualmente em concertos. Uma delas, "Mbak Tini", contava a história de uma prostituta e dona de um café à beira da estrada que se apaixona e casa por um tal "Soeharyo" (Suharto) - nem menos. Com a democratização da Indonésia, Fals ganha estatuto de culto, e o "rock" um género que beneficia de uma grande abertura. Tristemente, o seu filho baptizado com o nome de "anarquia" morre em 1997 aos 15 anos, numa altura em que se iniciava no mundo do espectáculo, suspeitando-se de overdose de heroína.


No que toca aos gostos musicais, os tailandeses gostam de combinar o tradicional e o dançável, e nos anos 80 ninguém conseguiu misturar esses ingredientes melhor que ninguém foram os Carabao, uma espécie de Xutos & Pontapés do Sião. Aliando o uso dos instrumentos tradicionais e uma sonoridade "pop", conseguiram agradar a novos e velhos, e sem ferir sensibildiades, numa época em que o país era musicalmente muito conservador. "Made in Thailand" (เมดอินไทยแลนด์), do álbum de 1986 do mesmo nome, pode ser comparado ao nosso "Chico Fininho", tanto em termos de popularidade, como em significado, pois abriu a porta a muitos novos grupos de "pop" na Tailândia.


A sol nascente, a banda preferida dos jovens roqueiros nipónicos dos anos 80 eram os Boøwy (lê-se bóui), um grupo formado em 1981 e que terminaria sete anos mais tarde. Pelo meio gravaram seis álbums de originais, mas apesar de se terem separado em 1988, ainda se juntam para dar concertos, e gravaram alguns LPs ao vivo. Um dos seus temas mais populares é "Marionette" (-マリオネット), do álbum "Psychopat", de 1987.


E depois do Japão, vamos até à vizinha Coreia do Sul, muito antes da moda da "K-pop". Aqui o "pai do rock" foi Shin Jung-hyeon, que somou êxitos atrás de êxitos nos anos 60 e 70, e muitos o comparavam a Brian Wilson ou Jimmy Hendrix. O presidente Park Chung-hee, que instaurou em 1961 um regime autocrático, pediu-lhe para escrever uma canção dedicada a ele, e tendo recusado, Shin passou a ser "marcado em cima" pelas autoridades, e viria a ser detido por posse de estupefacientes. A ditadura acabou em 1979, Shin voltou à música, mas os gostos tinham mudado, e estranhamente os coreanos começaram a gostar de "heavy-metal" (?). Um dos grupos mais populares da década eram os Boohwal (부활), que vemos aqui no vídeo do seu single de 1988, "Heeya" (희야).


Os Beyond são a banda mais popular de Hong Kong, escutada pela diáspora chinesa tanto na RAEHK como em Macau e na China continental, mas também em Taiwan, Malásia e Singapura, e até além-mar, entre os chineses dos Estados Unidos. Fundados em 1983 pelos irmãos Wong Ka-koi (vocalista) e Wong Ka-keung, Paul Wong e Yip Sai-wing, atingiram o sucesso em 1987 com o álbum "The Arabian Dancing Girl" (亞拉伯跳舞女郎), e até 1993 mais 19 LPs e EPs, em cantonense e em Mandarim. Em Junho de 1993 Wong ka-Kui morreu num acidente enquanto participava de um "game-show" na Fuji Television, do Japão. Depois disso, os restantes elementos da banda prosseguiram carreiras a solo. Fica aqui um dos temas mais conhecidos dos Beyond "Chan tek oi lei" (真的愛妳), de 1988, e que quer dizer "Amo-te mais que tudo", e é dedicado à mãe de Ka Kui


E para terminar, aquela que provavelmente será a mais conhecida canção escrita e interpretada com um músico asiático: "Anak". O seu autor original é Freddie Aguilar, nascido em 1953 em Ilagan, província de Isabela, no vale de Cagayan, nas Filipinas. No início dos anos 70 foi estudar Engenharia Elctrónica no Instituto De Guzman, em Manila, mas desistiu a meio para se tornar músico, começando por cantar na rua, passando depois a bares e clubes nocturnos. A sua prumeira oportunidade deu-se quando gravou "Anak" em 1978, e pode-se dizer que acertou em cheio - além do sucesso no seu país de origem, foi também um grande êxito internacional, tendo sido traduZido em 23 línguas. Em meados dos anos 80 participou dos protestos contra a ditadura do presidente Ferdinando Marcos, e depois disso apoiou a eleição de Corazon Aquino. Considerado o padrinho do "pinoy rock", Aguilar tem actualmente 61 anos, e em Novembro do ano passado converteu-se ao Islão para poder casar com a sua namorada, de apenas 16 (dezasseis). Se "Anak" significa "filho" ou "filha", como se diz "neta"?

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