O livro “As Grandes Agências Secretas”, do jornalista José Manuel Diogo, é mais do que um grande trabalho de investigação; é um documento que ajuda a entender melhor certos aspectos da História do século XX e a explicar muito do que se passa hoje nos meandros da diplomacia mundial. É um livro que se lê bastante bem, soberbamente organizado em capítulos onde o autor nos dá uma perspectiva histórica das “secretas”, inserindo-as no contexto dos dias de hoje.
O livro debruça-se sobre cinco agências secretas: os SIS, de Portugal, a norte-americana CIA, o MI-6 britânico, o KGB russo e a Mossad israelita. A obra é pontuada com histórias de espiões que chegam a roçar o romantismo (contudo, e repito, todas devidamente documentadas), e muitas curiosidades que tanto eu como certamente muitos desconheciam. Alguns dos episódios relatados chegaram a ser material ultra-secreto, e dá até um certo gozo pensar que foi perigoso ter conhecimento de certos factos ali divulgados. Há mesmo coisas que é melhor nem saber.
O livro despertou-me a curiosidade mais pela sua componente histórica e documental. Não sou adepto de espionagem, nem dos filmes de James Bond (que me parecem todos extremamente datados e improváveis), mas aprecio a intriga política e os seus fins que justificam a existência de uma rede de informação de contra-informação que permitam aos estados vencer os seus inimigos por antecipação. A espionagem, o secretismo, a traição, a tortura e todo o resto que podemos encontrar em muitas das histórias que José Manuel Diogo nos conta são aspectos negros da natureza humana, mas como o nome indica, é uma “natureza”, e não há nada a fazer.
O primeiro capítulo fala-nos do SIS, a “secreta” portuguesa, que como em todo o resto traduzido à dimensão do nosso país pequeno e periférico, está longe de ser considerada uma “grande agência”. José Manuel Diogo terá optado por tratar inicialmente a nossa própria realidade, cuidando por não pecar por essa omissão. Achei fascinante a descrição dos primórdios da espionagem em Portugal, que remonta aos gloriosos tempos da expansão ultramarina, e as aventuras e desventuras dos nossos primeiros espiões, ao serviço da coroa. Menos fascinante é o próprio SIS, que de secreto tem muito pouco, ao pouco de se terem mesmo tornado públicos os vencimentos dos seus agentes. Espiões “à portuguesa”. Tive pena que não se ficasse a saber mais da PIDE/DGS, a polícia secreta ao serviço da ditadura do Estado Novo. Certamente que existirá material que justificaria só por si um outro livro.
A norte-americana CIA teve um papel preponderante durante a Guerra Fria, e perdeu algum do seu “elan” com a desagregação do seu maior inimigo, a União Soviética. A CIA era um verdadeiro polvo cujos tentáculos se estendiam aos cinco continentes, e tiveram uma acção tal nos mais diversos palcos que chegavam a derrubar regimes e a levantar outros. O desinvestimento que se fez na “intelligence” americana nos anos 90 pode ter sido um erro de cálculo, ace ao surgimento de um novo inimigo: o terrorismo islâmico. É difícil de imaginar que papel poderia ter tido a CIA na prevenção dos ataques do 11 de Setembro, por exemplo. O fim da União Soviética foi mesmo mau para o “negócio” da espionagem “yankee”.
O MI-6 e os espiões britânicos confundem-se com a personagem de James Bond, espião fictício criado por Ian Fleming, ele próprio um agente ao serviço de sua majestade. Aproveitando-se desse estatuto, não faltou a Fleming inspiração para o personagem, e agentes como Sidney Reilly, “Biffy” Dunderdale ou Sandy Glen – cujas histórias são contadas no livro – têm todos o seu quê de “bondesco”. A importância do MI-6 diluiu-se com o fim do Império Britânico. Mesmo assim a sua acção durante a II Guerra Mundial e a Guerra Fria deram origem a histórias tão apaixonantes como rocambolescas.
O capítulo seguinte, sobre o KGB, é o meu favorito. E digo isto com um certo complexo de culpa, pois chega a ser um prazer sádico ler sobre a forma cruel com que o povo russo tem sido tratado nos últimos cinco séculos, nas mãos de indivíduos a quem chamar “loucos” fica longe de os definir com precisão. Indivíduos como Nikolai Yezhov ou Lavrentiy Beria entre outros “cães de fila” de Stalin e do regime soviete não se inibiam de perseguir, matar, torturar ou desgraçar famílias inteiras e gente inocente, usando para o efeito os métodos mais cruéis que se possa imaginar. Pode parecer mentira, mas será actualmente durante o consulado do déspota Putin, ele próprio um ex-KGB, que a Rússia e os russos conheceram finalmente alguma paz. Do mal o menos.
O último capítulo é dedicado à Mossad israelita, uma agência que se confunde com o próprio estado de Israel. A génese do estado-judaico é já por si controversa, e o pequeno país depende fortemente da acção musculada do seu exército e da sua “secreta” para evitar a obliteração, rodeado que está de inimigos. A Mossad tem uma filosofia muito própria e métodos que fazem escola. Mais do que garantir a protecção de Israel, os seus agentes são requisitados por outras potências mundiais no sentido de partilhar técnicas e conhecimentos. É uma agência recente mas famosa pela sua eficácia clínica, frieza e pragmatismo, sempre um passo à frente do seu inimigo. É a Mossad que personifica a espionagem moderna, quer se concorde ou não com os seus métodos ou com a sua própria motivação.
Feita que está a apresentação, recomendo que leia “As Grandes Agências Secretas”. Penso não ter dito aqui nada que torne o livro menos surpreendente, pois José Manuel Diogo consegue contar episódios de sucessos, fracassos e equívocos que vão muito além daquilo que possamos imaginar. É interessante como tantas vezes nos cruzamos com tanta gente anónima no nosso dia-a-dia, no café, a caminho do emprego, em trânsito num qualquer aeroporto por esse mundo fora, inconscientes de que podemos estar a ser figurantes numa trama complexa que poderá mudar a face do mundo. É um livro que nos faz sentir um tanto insignificantes. Tem esse condão.